Acórdão nº 404/18.2T8AVV.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 09 de Julho de 2020

Magistrado ResponsávelJOS
Data da Resolução09 de Julho de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Relator (por vencimento): -José Fernando Cardoso Amaral (nº 427) Adjunta: -Des.ª Dr.ª Helena Maria de C. G. de Melo Relator (vencido): -Des. Dr. Jorge A. M. Teixeira Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I. RELATÓRIO A autora M. N.

intentou, em 11-06-2018, no Tribunal de Arcos de Valdevez, acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra a ré O. A., Sociedade Unipessoal, Lda.

Pediu a condenação desta: a) a restituir-lhe a quantia de 14.452,50€; b) a pagar-lhe juros vincendos, à taxa legal, até efectivo cumprimento da prestação.

Invocou como causa de pedir: contrato de mediação, celebrado em 22-06-2016, para a venda de um imóvel de sua propriedade, em execução do qual foi celebrado contrato-promessa com um terceiro angariado, cuja remuneração estipulada foi logo paga à mediadora mas sem que a esta aquela tenha direito porque, após alguns problemas relacionados com a legalização da coisa, não chegou a concretizar-se o contrato prometido como era necessário para tal. Todavia, ela recusa-se a restituir-lhe a respectiva quantia.

Juntou atinentes documentos.

Na sua contestação, a ré alegou que cumpriu as obrigações contratuais e que, de acordo com o convencionado e o disposto na 2ª parte, do artº 19º, da Lei 15/2013, de 08 de Fevereiro, o seu direito nasceu aquando da celebração do contrato-promessa, não dependendo da concretização do negócio prometido, sendo alheia às alegadas mas por si desconhecidas vicissitudes deste relacionadas com as irregularidades no registo e legalização do imóvel que o terão inviabilizado, pelo que nada tem a restituir. [1] Em resposta, a autora acrescentou, quanto aos problemas surgidos com o imóvel, que a ré não cumpriu a sua obrigação de se certificar da inexistência deles, nos termos da alínea b), do nº 1, do artº 17, do referido diploma legal, vício pelo qual nunca o contrato de mediação poderia ter sido concretizado nem executado.

Juntou documento.

Fixou-se, de seguida, o valor da causa, proferiu-se saneador tabelar, apreciaram-se os requerimentos de prova e agendou-se a audiência final.

Esta realizou-se em 19-03-2019, nos termos e com as formalidades narradas na acta respectiva. No seu termo, foi, por despacho, ordenado à autora que juntasse os documentos prediais e matriciais do imóvel e facultada aos mandatários a possibilidade de alegarem por escrito.

A autora juntou os aludidos documentos e as suas alegações escritas. Neste ensejo, além de ter mantido a sua tese e pretensão iniciais, alegou que o contrato de medição é nulo, nos termos do artº 16º, da já referida Lei, por o imóvel nele estar identificado apenas por um artigo matricial urbano, apesar de ser composto por mais dois rústicos, e por haver divergência nas áreas (coberta e total), pedindo que tal invalidade fosse declarada.

A ré contra-alegou, refutando a argumentação, segundo ela pela autora esgrimida na audiência, de que o descontentamento do promitente-comprador se ficara a dever às divergências na identificação e composição do prédio, acrescentando que a “alertou” para os problemas, conhecidos desde a data da celebração do contrato de mediação, relacionados com a legalização das obras de que o imóvel “padecia” e cooperou na tentativa de os resolver. Salientou, ainda, que a nulidade não se verifica e nunca antes fora arguida e defendeu que a lei admite o pagamento da remuneração à data da celebração do contrato-promessa e não exige a conclusão do negócio definitivo.

Com data de 30-10-2019, foi proferida a sentença que culminou na decisão de julgar improcedente a acção e de absolver a ré do peticionado.

Inconformada, a autora apelou a que esta Relação a revogue e que, por efeito da arguida nulidade do contrato ou por não se ter concretizado o negócio definitivo a que ele se destinava, condene a ré na restituição, tendo rematado as suas alegações com as seguintes conclusões: “I. São duas as questões que estão na base da recorrente não se conformar com a mui douta sentença ora posta em crise.

  1. Por um lado, entende a recorrente que o contrato de mediação é nulo por violação do art.º 16 nº 1 da Lei 15/2013.

  2. Efectivamente, do contrato de mediação apenas consta um único artigo matricial, quando na verdade o imóvel é composto por 3, sendo um urbano e dois rústicos.

  3. Ora, decorre do art.º 16 nº 1 da Lei 15/2013, que do contrato de mediação imobiliária, consta obrigatoriamente a identificação das características do bem imóvel que constitui objeto material do contrato, com especificação de todos os ónus e encargos que sobre ele recaiam.

  4. Resulta do art.º 16 nº 5 da Lei 15/2013, que o incumprimento do disposto no nº 1 determina a nulidade do contrato.

  5. Assim, face à incorrecta identificação do imóvel, imputável à Recorrida, deverá o negócio ser declarado nulo, pois a recorrente para além de não ser profissional do sector tudo fez para informar corrigir os problemas registrais.

  6. Por outro lado, a interpretação que é feita da cláusula 4ª do contrato de mediação não parece, à recorrente, como a mais correcta.

  7. Do contrato decorre que o preço ficou condicionado à concretização do negócio visado, isto é, à venda do imóvel.

  8. Ora o negócio não se efectivou.

  9. Ora, se as partes sujeitaram o negócio a um facto futuro e incerto, a concretização do negócio de compra e venda de um imóvel, até que essa condição se verifique, como é óbvio o negócio não está concretizado.

  10. Um negócio de mediação imobiliária e não um mero contrato de serviços de promoção.

  11. O negócio que se pretendia era a venda do imóvel.

  12. Não se tendo verificado a condição – venda do imóvel – do qual as partes fizeram depender a obrigação de pagar o preço, inexiste essa obrigação pelo que deverá ser restituído à A. o montante, indevidamente, retido a titulo de preço.

    Nestes termos e nos melhores de direito, deve a sentença de que ora se recorre ser revogada, por se verificar que no contrato de mediação a identificação das características do bem imóvel que constitui objeto material do contrato, com especificação de todos os ónus e encargos que sobre ele recaiam não se encontram devidamente identificadas, pelo que é o mesmo nulo e consequentemente a sentença de ora se recorre viola o estatuído no art.º 16 nºs 1 e 5 da Lei 15/2013; acresce que, por terem as partes condicionada o contrato de mediação a uma condição, a venda do imóvel, deverá deve de ser reconhecido que tal condição não se verificou e consequentemente nada era devido à recorrida ser condenada a restituir a quantia que lhe foi paga; e Em qualquer dos casos restituído o preço à recorrente, o qual foi indevidamente pago, assim se fazendo JUSTIÇA.” A ré contra-alegou sustentando que não se verifica a arguida nulidade do contrato, que a lei contempla o direito à remuneração no caso de ser celebrado contrato-promessa, que cumpriu todas as suas obrigações e que, portanto, a sentença deve ser confirmada.

    O recurso foi admitido como de apelação, a subir de imediato, nos autos, com efeito devolutivo.

    Uma vez distribuídos os autos nesta Relação e corridos os Vistos legais, foi submetido o caso à apreciação e julgamento colectivo, cumprindo agora proferir a decisão, tomada por maioria na sequência da discussão e votação do projecto inicial apresentado pelo Exmº Relator vencido, pois que nada a tal obsta.

  13. QUESTÕES A RESOLVER Pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, sem prejuízo dos poderes oficiosos do tribunal, se fixa o thema decidendum e se definem os respectivos limites cognitivos.

    Assim é por lei e pacificamente entendido na jurisprudência – artºs 5º, 608º, nº 2, 609º, 635º, nº 4, 637º, nº 2, e 639º, nºs 1 e 2, do CPC.

    No caso, como bem resumiu a apelante, são duas as questões: 1ª – Nulidade do contrato de mediação imobiliária, nos termos do artº 16º, nº 2, alínea b), da Lei nº 15/2013, de 1 de Março.

    1. – Interpretação da cláusula 4ª do mesmo (a que acrescerá oficiosamente a da apreciação da sua validade), relativa à remuneração com o contrato-promessa.

  14. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Uma vez que a decisão da matéria de facto não foi questionada e, nos termos do nº 1, do artº 662º, CPC, não se descortina qualquer razão para ela ser oficiosamente alterada, consideram-se provados os seguintes factos já assim julgados em 1ª instância: “1) Autora e Ré subscreveram, a 22 de Junho de 2016, o documento particular designado de “contrato de mediação imobiliária”, junto aos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzido, tendo em vista a venda, pelo preço de €235.000,00 (duzentos e trinta e cinco mil euros) do imóvel do qual a Autora é proprietária, situado no Lugar do ...

    , na freguesia de ...

    , concelho de Viana do Castelo.

    (artigo 1º da petição inicial) 2) Do mencionado documento consta, para além do mais, que: “[…] Cláusula 1ª 1. A SEGUNDA CONTRAENTE são proprietários e legítimos possuidores da Moradia destinada a habitação, sito ...

    , ...

    , Viana do Castelo, descrita na Conservatória do Registo Predial de …, sob o n.º … e inscrito na matriz predial n.º ….

    […].

    Cláusula 2ª 1. Com o pleno conhecimento e consentimento da SEGUNDA CONTRAENTE, a PRIMEIRA CONTRAENTE compromete-se a diligenciar para conseguir obter interessados compra do imóvel identificado na Cláusula anterior, pelo preço de € 235.000,00 (Duzentos e Trinta e Cinco Mil Euros), no âmbito da sua atividade de mediação imobiliária.

    1. Para os termos previstos no número anterior, a PRIMEIRA CONTRAENTE compromete-se a desenvolver acções de promoção, publicitação, prospecção e recolha de informações sobre o negócio pretendido a realizar pela SEGUNDA CONTRAENTE.

      […] Cláusula 4ª 1. A remuneração estipulada nesta Cláusula só é devida pela SEGUNDA CONTRAENTE à PRIMEIRA CONTRAENTE se esta encontrar interessado que concretize o negócio visado com o presente contrato de mediação imobiliária.

    2. A SEGUNDA CONTRAENTE é obrigada a pagar a título de remuneração à PRIMEIRA CONTRAENTE, como contraprestação pelos serviços previstos na anterior Cláusula 2.ª, o valor de 5% (cinco por cento) ou seja, de € 11.750,00 (Onze...

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