Acórdão nº 879/18.0T8VCT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 04 de Junho de 2020

Magistrado ResponsávelALEXANDRA VIANA LOPES
Data da Resolução04 de Junho de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACÓRDÃO I- Relatório: J. M.

instaurou contra “Associação C e M. S.

”, D. B.

e M. R.

a ação declarativa de condenação sob a forma de processo, na qual: 1. O autor: 1.1. Pediu:

  1. A declaração de falsidade da procuração de 18.03.2014, no seu conjunto, porquanto é falso o termo de autenticação lavrado pela 3ª ré/solicitadora M. R., por nada do que dele consta se ter verificado ou corresponder à verdade.

  2. A declaração da invalidade e ineficácia da procuração.

  3. A declaração, consequentemente, de invalidade e de ineficácia da doação lavrada com base numa procuração falsa, o que nos termos do art. 268º C. Civil consubstancia representação sem poderes, o que implica a ineficácia do contrato de doação em relação ao A., por configurar uma doação de bens alheios.

  4. A restituição da ré Associação ao autor dos bens imóveis identificados no art. 7º da p. i., nos termos do art. 289º C. Civil, ou, se a restituição em espécie não for possível por a ré ter alienado entretanto os bens, o pagamento ao autor do valor correspondente.

  5. O cancelamento dos registos de aquisição a favor da ré/Associação em sequência do contrato de doação inválido e ineficaz.

    1.2.

    Alegou: que pretendeu ceder gratuitamente os seus imóveis para as pessoas carenciadas de X (através de comodato, usufruto) e doar dinheiro para a construção, com controlo por si da totalidade do efetuado; que o réu D. B. e os membros da direção da Associação deturparam o seu projeto, forjaram uma procuração falsa, constituíram a Associação e procederam à ilícita e dolosa doação dos seus imóveis em favor da 1ª ré (sem uma cláusula de reversão no contrato de doação dos imóveis) e ainda lhe exigiram 600 000 US Dólares, mesmo depois de descobertos os atos ilícitos e dolosos praticados.

    1.3.

    Defendeu, em síntese:

  6. Que a procuração outorgada por si datada de 18 de março de 2014 é falsa, por ser falso o termo de autenticação da mesma, porquanto declara terem-se passado na presença da 3ª ré factos que não se verificaram ou não foram praticados ou não ocorreram.

  7. Que a falsidade do “termo de autenticação” lavrado pela solicitadora/3ª ré invalida o texto da declaração negocial denominada “procuração” e, consequentemente, a mesma enquanto procuração, porquanto não foi cumprida a forma legal (formalidade “ad substanciam”), exigida para a validade do negócio jurídico, nos termos dos arts. 262º/2, ex vi do art. 220º C. Civil, ferindo-a de nulidade.

  8. Que, sendo nula a procuração em que se atribuem ao D. B. poderes de representação para a celebração do contrato de doação dos imóveis a favor da Associação/ré, aplica-se consequentemente ao ato de doação o regime estabelecido no art. 268º C. Civil para a representação sem poderes, implicando a ineficácia/nulidade do negócio (contrato de doação) em relação ao autor, que nunca quis o mesmo e consequentemente nunca o ratificou.

  9. Que a doação operada consubstancia uma doação de bem alheio.

  10. Que, sendo o contrato de doação nulo e ineficaz, deve ser restituído, nos termos do art. 289º C. Civil, tudo o que tiver sido prestado, ordenando-se assim a restituição pela 1ª ré dos imóveis ao património do autor e o cancelamento dos registos a favor da Associação/ré.

    1. A ré Associação e o réu D. B. contestaram: 2.1.

    Por exceção:

  11. De caducidade, alegando: que o autor teve conhecimento que a escritura de doação e apresentação da respetiva procuração ocorreu no inicio de 2014; que a presente ação foi instaurada no dia 11 de março de 2018; que, nos termos do artigo 298º/2 C. Civil “Quando, por força da lei ou por vontade das partes, um direito deva ser exercido dentro de certo prazo, são aplicáveis as regras da caducidade, a menos que a lei se refira expressamente à prescrição”; que o prazo de caducidade começou, assim, com o conhecimento do autor na utilização da procuração e celebração da escritura – início de 2014; que, de acordo com o disposto no art. 287º do C. Civil, a anulabilidade só pode ser arguida dentro do ano subsequente à cessação do vício que lhe serve de fundamento, pelo que se conclui que tal prazo de um ano há muito se mostra ultrapassado; que o autor entregou de imediato à ré Associação os imóveis doados, que os aceitou e ficou na sua posse, tendo procedido ao registo a seu favor.

  12. De abuso do direito, por o pedido de nulidade da procuração apresentado pelo autor, emitente da mesma, quando o fez de livre vontade e sabendo das suas implicações, conhecendo o seu conteúdo, e ao fim de quatro anos, é manifestamente injustificado, traduz uma ofensa do sentido ético-jurídico, excede manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do mesmo.

    2.2.

    Por impugnação dos factos alegados pelo autor, alegando: que sempre foi intenção e iniciativa do autor proceder à doação à Associação dos prédios que descreveu na petição inicial e ainda 600 000,00 dólares, intenção que se veio a concretizar e formalizar através da doação junta à petição inicial, com exceção do dinheiro, cuja promessa não cumpriu; que o réu D. B. atuou sempre em conformidade com a vontade do Autor, em obediência aos formalismos legais necessários para constituir, aprovar e executar um projeto que fosse de encontro ao manifestado por aquele.

    1. A ré M. R. apresentou contestação, impugnando os factos alegados pelo autor, alegando, no que a si respeita (quanto à apreciação da validade da procuração objeto dos autos, cumprindo aferir da sua conformidade legal, nos termos do Decreto-Lei 76-A/2006, de 29 de março com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei 8/2007, de 17 de janeiro): que o próprio autor confessa ter assinado a procuração e tê-la devolvido, conhecendo o seu teor; que, tal como assim e enviou a procuração, assinou e enviou também o termo de autenticação pós-datado, já que tudo lhe foi enviado no mesmo momento e ao mesmo tempo; que o autor pretende aproveitar-se do facto da ora ré ter confiado na sua palavra e ter admitido que assinasse a procuração e o termo de autenticação à distância, para manifestamente retroceder no seu compromisso, resolver os negócios jurídicos validamente celebrados em 2014; que a procuração não está ferida de falsidade, bem sabendo o autor que a assinou, assim como o seu termo de autenticação, sendo a doação a sua vontade manifesta à data dos factos; que o autor teve acesso a todos os documentos arquivados pela ora ré em 2015; que, deve ser considerada válida a procuração outorgada, devidamente assinada pelo autor (procuração e termo de autenticação), prevalecendo a verdade material sobre a formal.

    2. Proferiu-se despacho saneador e de fixação de temas de prova.

    3. Realizou-se a audiência de julgamento, na qual: o autor exerceu o contraditório quanto às exceções; inquiriram-se as testemunhas; proferiram-se alegações.

    4. Foi proferida sentença que julgou improcedente a ação e absolveu os réus dos pedidos contra si formulados.

    5. O autor interpôs recurso de apelação, no qual: 7.1.

    Apresentou as seguintes conclusões: «I.

    Os pedidos formulados pelo A., ora Apelante na presente acção, foram os seguintes:

  13. Que seja declarada falsa a procuração de 18.3.2014, no seu conjunto, porquanto é falso o termo de autenticação lavrado pela 3ª Ré/solicitadora, M. R., uma vez que nada do que dela consta se verificou ou corresponde à verdade, conforme descrito nos arts. 69 a 84 da p.i. ; b) Que, em consequência, seja declarada inválida e ineficaz a procuração; c) Que, assim, seja declarada inválida e ineficaz a doação lavrada com base na procuração falsa, o que nos termos do art. 268º do Código Civil consubstancia representação sem poderes, o que implica a ineficácia do contrato de doação em relação ao A., por configurar uma doação de bens alheios; d) Que deverá a Ré Associação restituir ao A. os bens imóveis identificados no art.7º da p.i., nos termos do art. 289º CC ou, se a restituição em espécie não for possível, por a Ré ter alienado entretanto os bens, pagar ao A. o valor correspondente; e) Que sejam cancelados os registos de aquisição a favor da Ré Associação, em sequência do contrato de doação ser inválido e ineficaz.

    II.

    Na sentença recorrida, a Meritíssima Juiz, para julgar a acção improcedente, e absolver os R.R. dos pedidos, entendeu que: “a matéria de facto provada e respectiva motivação permitem concluir que existem elementos suficientes para concluir pela verificação de uma clamorosa ofensa ao princípio da boa-fé e da confiança que justifique a manutenção e produção dos efeitos da procuração e respectivo termo de autenticação e sobretudo do contrato de doação”.

    III.

    Salvo o devido respeito, o Apelante não pode conformar-se com a sentença recorrida, e pede a sua revogação, porquanto: 1.º: a Senhora Juiz não fez correcto enquadramento jurídico dos factos apurados ao direito aplicável, pois devia ter declarado a nulidade da procuração por falsidade da mesma no seu conjunto, derivada da falsidade do termo de autenticação; 2.º: a Senhora Juiz julgou procedente a excepção de abuso de direito, com base em factos irrelevantes e noutros relevantes, cuja reapreciação aqui se pede a V. Exas, por justificarem decisão diversa.

    IV.

    Daí o presente recurso que tem por objecto: para além do referido pedido de declaração de nulidade, a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, requerendo-se a V. Exas, quanto à segunda, se dignem proceder à reapreciação da mesma, extraída quer dos documentos, quer dos depoimentos gravados.

    Quanto ao pedido de nulidade da procuração falsa, no seu conjunto (fls.15, fls.32 v.º e, finalmente, fls.113 e 114-v.º): V.

    A acção deveria ter sido julgada procedente, declarando-se a falsidade da procuração no seu conjunto, porquanto é falso o Termo de Autenticação, lavrado pela 3ª Ré/Solicitadora M. R., pois nada do que dele consta se passou na realidade, conforme resulta dos factos dados como provados nos números 1.12., 1.13. e 1.27. a 1.31. da decisão da matéria de facto e, inequivocamente, dos 1.33 a 1.37, integralmente reproduzidos no corpo das alegações.

    VI.

    Em...

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