Acórdão nº 69/19.4T8BGC.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 04 de Junho de 2020

Magistrado ResponsávelANTERO VEIGA
Data da Resolução04 de Junho de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães.

P. C., intentou a presente ação especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento contra X – Correios, S.A., alegando ter sido despedido em 27/12/2018 mediante decisão de despedimento que lhe foi comunicada por escrito pela demandada, sua empregadora.

Devidamente notificada para o efeito, a R. empregadora deduziu o seu articulado de motivação do despedimento individual, com fundamento em facto imputável ao trabalhador, discriminado os factos que, em seu entender, integram a prática, pelo trabalhador de várias infrações disciplinares e constituem justa causa de despedimento, acusando-o, em síntese, de, durante um período de incapacidade temporária para o trabalho, ter-se ausentado do seu domicilio sem autorização para tanto e, durante tal ausência, ter praticado factos suscetíveis de enquadramento no crime de tráfico de estupefacientes e nos crimes de injúrias e ameaças agravadas; de ter sido detido em flagrante delito por tais factos, tendo sido alvo da aplicação de medidas coativas; e, ainda, de que tais factos foram do domínio público através da comunicação social, o que, dada a categoria profissional do A., o facto de ser pessoa conhecida no meio, teve impacto negativo na imagem dos X, afetando o seu prestígio e bom nome, comprometendo desse modo, irremediavelmente, a manutenção do vínculo laboral.

O A. trabalhador contestou impugnando, parcialmente, os factos alegados pela R. empregadora e invocando a ilicitude do despedimento, por improcedência do motivo justificativo e inexistência de justa causa. Alega, em síntese, que se a Ré se baseou em indícios criminais, violando a presunção de inocência e que todos os factos indiciados ocorreram fora do horário de trabalho e em dia e momento em que o A. nem sequer se encontrava serviço da sua empregadora, não tendo esta sofrido qualquer prejuízo com a conduta imputada ao A.

Sustenta, enfim, que os factos imputados pela R. não constituem justa causa de despedimento, nem justificam a aplicação da sanção de despedimento.

Deduziu o A. reconvenção, pedindo a condenação da Ré, a reintegrá-lo no seu posto de trabalho, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, a pagar-lhe todas as retribuições que se venceram desde 27/12/2018, como se estivesse ininterruptamente ao serviço da Ré, nomeadamente retribuição mensal, diuturnidades, subsídio de refeição, retribuição relativa a férias e respetivo subsídio, subsídio de Natal,, isenção de horário de trabalho e valor compensatório até efetiva reintegração, bem como a quantia de €950,25 a título de formação profissional não dada, tudo acrescido de juros moratórios.

A R. respondeu, impugnando os documentos 4 e 5 juntos com a contestação e impugnando a factualidade alegada em reconvenção.

Realizado o julgamento foi proferida decisão declarando a licitude do despedimento e improcedente a reconvenção.

Inconformada o autor interpôs recurso apresentado as seguintes conclusões: CONCLUSÕES: 1ª – O presente recurso provêm da decisão proferida pelo tribunal “a quo” que considerou lícito o despedimento do trabalhador Recorrente promovido pela Recorrida, baseado em factos praticados fora do âmbito da atividade laboral, do tempo e do local de trabalho, que esta considera que colocaram em causa a relação de trabalho e até que compromete a sua continuidade; 2ª – Na Nota de Culpa, alegou a Recorrida, em síntese, que, com base nos factos ocorridos no dia 27 de maio de 2018, mediante a apreensão de droga em posse do Recorrente, em momento que o trabalhador estava fora do serviço, por se encontrar doente, provocou reflexos prejudicais no serviço e ambiente de trabalho; 3ª – Em sede de ação de impugnação da regularidade e licitude do despedimento promovido pela Requerida, alegou o Recorrente não subsistir qualquer justa causa no despedimento de que tinha sido alvo; 4º - Atenta a falta de especificação por parte da Recorrida de quais os reflexos que se fizeram sentir no serviço e ambiente de trabalho; 5ª – O Tribunal “a quo” sindicando para além dos factos de que o Recorrente se encontrava acusado, entendeu que a conduta daquele colocou em causa a imagem da Recorrida, facto que justificou como culposa a sua conduta e, consequentemente, considerou lícito o despedimento.

6ª – Entende o Recorrente que o tribunal “a quo” não fez uma criteriosa interpretação do Direito, em face das circunstâncias concretas do caso, fez errónea interpretação dos factos provados e, consequentemente, o Direito aplicado violou disposições e princípios imperativos e fundamentais que nessa medida se censura, pugnando-se pela revogação da decisão proferida, por outra que considere o despedimento ilícito; 7ª – Antes de mais, verifica-se que o Tribunal “a quo” motivou a sua douta decisão segundo factos que considerou provados e que, pela sua natureza, não deveriam ser valorados sob pena de violar direitos e garantias do trabalhador, como sejam os registos dos depoimentos das testemunhas no processo disciplinar; 8ª – Sendo entendimento da jurisprudência, veja-se a título de exemplo o Acórdão de 2010.11.22, cujo sumário é: “III – O processo disciplinar é um documento particular que tem a força probatória estabelecida pelo artº 376º nº 1 e 2 do Código Civil, não constituindo, pois, prova plena e suficiente dos factos imputados ao trabalhador arguido.”.

9ª – Ora, a “fonte do saber/conhecer” dos factos descritos em nota de culpa laboral, não está no procedimento disciplinar, mas na “razão de ciência” das testemunhas, verbalizada na sede própria, perante Juiz de Direito, que é a audiência de discussão e julgamento, realizada no âmbito de ação de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento; 10ª – A conduta imputada ao Recorrente, alegadamente violadora dos seus deveres laborais, enquanto funcionário dos Correios, reporta-se – toda ela, a factos que ocorreram no domínio da sua vida privada, bem como a factos que integram a pratica de um ilícito criminal, em nada conflituante com os deveres profissionais a que estava adstrito; 11ª – Existe manifesta contradição nos argumentos constantes da sentença proferida pelo tribunal “a quo”, na medida em que a Meritíssima Juiz começa por referir que os factos praticados pelo trabalhador foram fora do horário de trabalho e em dia e momento que não se encontrava ao serviço da entidade empregadora, e que não lhe causaram prejuízos; 12ª – Mas se por um lado refere o atrás citado, por outro refere que a responsabilidade disciplinar é autónoma da responsabilidade criminal, tendo cada uma delas fundamentos e pressupostos próprios, por outro lado diz que a conduta do trabalhador é uma conduta desleal para com a entidade patronal, ao não respeitar as condições da baixa médica, e ao ter na sua posse substancias estupefacientes, que apesar de se inserirem na esfera da sua vida privada, pela sua gravidade e natureza não pode deixar de se considerar que se reflete negativamente na sua esfera profissional; 13ª – Todavia, como resulta dos autos, o Recorrente há muito que se encontra doente, pois padece de doença psiquiátrica crónica, com fases periódicas de agravamento, pelo que o recurso ao consumo de estupefacientes era quase óbvio.

14ª – O que o levou a padecer de uma adição, e por essa razão não estava capaz de trabalhar.

15ª – O Recorrente consciente, diligente e ciente das suas responsabilidades, suspendeu a sua catividade profissional e decidiu ir buscar a cura da doença que, de facto, padecia.

16º - Saiu de casa no fatídico dia 27.05.2018, porque teve uma recaída, uma vez que infelizmente sozinho e sem pai, mãe, irmão ou familiares que o pudessem amparar e proteger desse comportamento aditivo, não resistiu, e saiu de casa para adquirir substâncias estupefacientes; 17ª – Não é justo que se aponte o seu comportamento como culposo, tão pouco é legitimo afirmar que tenha violado qualquer dever laboral só pelo facto de estar doente e se encontrar deprimido e dependente de estupefacientes.

18ª – Acresce que, o raciocínio ínsito na douta sentença de que se recorre é manifestamente discriminatório, na medida em que se socorre de juízos de valor, colocando em causa a moral idoneidade do trabalhador, pela prática dos factos por si cometidos, quando resulta provado que aquele perdeu os pais muito jovem, que passou a contar apenas consigo, que trabalha para a entidade empregadora há 23 anos, que sempre foi um trabalhador diligente e cumpridor até à data do despedimento, que nunca consumiu substancias estupefacientes durante o seu período de trabalho, que procurou ajuda médica no sentido de abandonar todos os seus vícios e adições, e se encontra em fase de estabilização emocional e a fazer medicação para recuperação.

19ª – Ora, no âmbito laboral apenas releva apreciar se o trabalhador cumpre ou não com os deveres a que se vinculou pelo contrato de trabalho celebrado com a entidade empregadora, previstos no art. 128º do C.T.

20ª – Dos factos provados, não resultou que o trabalhador tenha incumprido com os deveres laborais a que se havia obrigado, mas apenas que num Domingo se ausentou, quando estava de baixa médica, para ir ao Porto e, que quando regressou tinha na sua posse substâncias estupefacientes.

21ª – Mas, como se disse, uma coisa é a responsabilidade criminal, se o Recorrente pode ou não consumir droga, se detém ou não o número que excede o considerado por lei para consumo, próprio ou não, e outra totalmente diferente é, se essa conduta foi praticada no tempo e local de trabalho, com objetos de trabalho, ou seja, se essa conduta tem alguma conexão com a relação laboral, sendo que, neste último caso, já entra a responsabilidade disciplinar.

22ª - Reitera-se que o tribunal “a quo” motivou a sua decisão, discriminando o trabalhador, alheando-se dos problemas, provados e documentados, ligados ao seu consumo de substâncias psicoativas; 23ª – Olvidando-se que, no local de trabalho, tais problemas devem ser considerados problemas de saúde, e que por essa...

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