Acórdão nº 51/18.9T8PRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 09 de Junho de 2020

Magistrado ResponsávelMARIA CRISTINA CERDEIRA
Data da Resolução09 de Junho de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

– Reclamação para a Conferência Acordam em conferência na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO M. A.

e M. G.

intentaram a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra Caixa ...

, pedindo a condenação da Ré na restituição da quantia de € 12.389,15, acrescida de juros de mora vencidos, liquidados em € 494,21, e no pagamento de uma indemnização no valor de € 2.000,00 por danos não patrimoniais sofridos com a angústia e abalo moral decorrentes da atitude da Ré.

Para tanto alegam, em síntese, que entre as AA. e a Ré foi celebrado um contrato de depósito bancário, através da abertura de contas de depósito à ordem, tendo os funcionários do balcão de Peso da Régua, a partir do ano de 2015, insistido diversas vezes com a A. M. A. para que aderisse ao serviço de homebanking, tendo esta recusado pois, apesar da sua formação académica, grau de licenciatura, não se sentia confortável com tal acesso, pois não possuía conhecimentos bancários e informáticos bastantes para tal.

No entanto, face ao encerramento do balcão de Peso da Régua e a transferência dos seus clientes para o balcão de ..., que ocorreu em Junho de 2016, e uma vez que a A. M. A. necessitava de extractos mensais da conta titulada pela empresa X – Sociedade Agrícola, Lda., da qual é gerente, o que a obrigava a deslocar-se a ... mensalmente para actualizar a caderneta, foi mais uma vez proposto pela Ré que a A. aderisse à “Net...”.

Assim, em 19/01/2017 as AA. aderiram ao acesso à internet na conta titulada pela empresa supra mencionada, tendo a A. M. A., face à insistência e pela simplicidade transmitida pelo funcionário da Ré no acesso e uso ao “Net...”, por escrito particular datado de 19/01/2017, aderido também àquele serviço de internet da sua conta particular com o nº. ...... e da conta nº. ......, titulada por ambas as Autoras.

Para tanto, a Ré atribuiu à A. M. A. um número de contrato e password secreta.

Contudo, não foi dada, por parte do funcionário da Ré, qualquer informação sobre os perigos de fraude a que os aderentes do contrato estavam sujeitos, tendo o mesmo apenas dito que iriam ser enviados por correio os cartões matriz e que depois teria que os activar, não tendo explicado qual o procedimento a adoptar para a sua activação, dizendo apenas que era simples.

Em 24/01/2017 a A. M. A. recebeu por correio os cartões matriz, não tendo procedido de imediato à sua activação.

Em 6/02/2017 a A. M. A. recebeu um email cujo remetente era "Net...@caixa....pt", que solicitava a activação do cartão matriz sob pena de o mesmo ser suspenso, não tendo a A. detectado nada de estranho no email, pois ainda não tinha procedido à activação do cartão, e porque considerou tratar-se da um email verdadeiro e fidedigno, abriu-o e seguiu as suas instruções, introduzindo os códigos do cartão matriz.

Mais alegam que foram efectuados diversos movimentos a débito e transferências das referidas contas sediadas no Banco Réu, que descriminam nos artºs 25º a 29º da petição inicial, sem a sua autorização, tendo todos os movimentos em causa sido realizados através do serviço de homebanking “Caixa... – Net...”.

Em 8/02/2017 a A. M. A., apercebendo-se dos aludidos movimentos bancários, de imediato e no próprio dia apresentou reclamação verbal e escrita junto da Ré, a solicitar o reembolso imediato dos montantes de operações de pagamento não autorizadas, por tais quantias terem sido abusivamente apropriadas, através de operações fraudulentas perpetradas por terceiros, e no dia 9/02/2017 apresentou queixa na Polícia Judiciária de Vila Real, encontrando-se a correr o inquérito n.º 380/17.9JAPRT.

Apesar das reclamações apresentadas pela A. M. A. junto da Ré e do Banco de Portugal, a Ré não assumiu qualquer responsabilidade, tendo comunicado a sua posição à A. M. A., mediante carta recebida por esta em 24/03/2017. Por sua vez, o Banco de Portugal respondeu que “não encontrou indícios de infracção por parte da entidade reclamada”, explicando que a sua intervenção está limitada à verificação do cumprimento das normas que regem a actividade das instituições de crédito.

Referem, ainda, que a Ré não assegurou os dispositivos de segurança, por forma a evitar os movimentos bancários efectuados contra a vontade das AA., pelo que recai sobre a Ré a presunção de culpa prevista no artº. 799º, nº. 1 do Código Civil, por causa das deficiências de segurança no serviço de homebanking.

Acrescentam que continuam desembolsadas da importância global de € 12.389,15 e que vivem em sobressalto e na incerteza de poder reaver tais quantias, o que muito as preocupa e angustia, tendo perdido noites de sono e em sobressalto, deixando-as tristes e revoltadas.

A Ré contestou, alegando que por força da adesão da A. M. A. ao “Net...”, a Ré obrigou-se a cumprir com as ordens de pagamento correctamente validadas nos termos do contrato, e a A. a guardar as suas credenciais, assumindo a responsabilidade por quaisquer prejuízos decorrentes de negligência, tendo aquela A. recebido os seguintes elementos para autenticação das ordens de pagamento e validação da sua identidade, na qualidade de ordenante: Um número de utilizador, que corresponde ao número do contrato, facultado presencialmente no balcão gestor da conta das AA.; Uma password, facultada presencialmente no balcão, que exige que seja alterada após o primeiro login no sistema por parte do utilizador, ficando este o único conhecedor dessa senha de acesso; Um Cartão matriz, composto por 72 posições com 3 algarismos cada, sendo este gerado por computador, sem qualquer intervenção humana, e remetido via postal para a morada do cliente.

Foi, ainda, explicado à A. M. A. todos os procedimentos de segurança e utilização do serviço “Net...”, informação essa também disponível no site da Ré na internet, não estando tais procedimentos e cuidados dependentes de qualquer tipo de formação académica, sendo do conhecimento geral que facultar dados/meios de pagamento bancários a terceiros, acarreta consequências nefastas para o património de quem não é diligente na sua correcta salvaguarda.

Mais alega que as ordens de pagamento enunciadas nos artºs 25º a 29º da petição inicial foram validamente transmitidas, fornecendo todos os elementos de segurança. Não havendo, portanto, fundamento legal e contratual para a Ré não dar cumprimento às ordens transmitidas. Aliás, a emissão de uma ordem de pagamento vincula a Ré à sua realização, não podendo esta abster-se de a concretizar, tal como impõe o nº. 1 do artº. 76º do DL 317/2009 de 30/10, que transpõe para a ordem jurídica nacional a Directiva n.º 2007/64/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Novembro.

Refere, ainda, que consta inscrito no cartão matriz disponibilizado à A. M. A. o aviso: “Nunca indique mais que 2 dígitos deste Cartão Matriz”, e no site da Ré consta a informação de segurança referida no artº. 25º da contestação, sendo apenas o legítimo possuidor do cartão matriz que consegue validar uma operação, uma vez que é o único que conhece todas as coordenadas (elemento essencial para realizar as operações, dado o funcionamento do sistema “Net...”).

Este contrato prevê a existência de obrigações por parte das AA., nomeadamente a correcta salvaguarda das suas credenciais de acesso, sendo estas pessoais e intransmissíveis, não sendo aceitável a sua disponibilização a terceiros, obrigação essa que foi incumprida por parte da A. M. A..

Acrescenta que apenas a A. M. G. facultou o seu contacto de email à Ré e não tendo a A. M. A. facultado o seu email, nunca poderia esperar receber um email da Ré. A isto acresce que a conta de email onde foi recebido o suposto pedido de activação do cartão matriz é M.a.@sapo.pt e o email utilizado posteriormente, para entrar em contacto com o Gabinete da Provedoria do Cliente da Ré, foi M.a.@adv.oa.pt, pelo que em momento algum teve a Ré acesso ao endereço de email da A. que recebeu o email fraudulento.

O que está em causa não é a fiabilidade nem a segurança do “Net...”, mas antes a conduta negligente grave da A. M. A., que facultou todos os seus dados bancários a terceiros, com claros indícios da proveniência duvidosa do email e da própria escrita que o documento 5 junto com a petição inicial apresenta.

Numa óptica preventiva, a Ré emana no seu site e no sistema “Net...” um conjunto de procedimentos de segurança que enuncia nos artºs 47º a 53º da contestação, os quais devem ser respeitados a fim de prevenir a ocorrência de fraudes.

As operações a débito e a consequente perda patrimonial apenas se deveram a uma conduta negligente grave da A. M. A., que ignorou os constantes avisos de segurança e incumpriu a sua obrigação de salvaguarda e zelo das credenciais de acesso ao homebanking, não podendo, por isso, a Ré ser responsabilizada pela perda patrimonial das Autoras.

Conclui, pugnando pela improcedência da acção e sua absolvição dos pedidos contra si deduzidos.

Foi realizada audiência prévia e proferido despacho saneador, no qual se procedeu ao saneamento da acção, verificando-se a validade e regularidade da instância, se identificou o objecto do litígio e se enunciaram os temas de prova, que não sofreram reclamações.

Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento, com observância do legal formalismo.

Após, foi proferida sentença que julgou a presente acção totalmente procedente e, em consequência, condenou a Ré: i.

Na restituição às autoras de doze mil trezentos e oitenta e nove euros e quinze cêntimos, quantia acrescida de juros de mora vencidos de quatrocentos e noventa e quatro euros e vinte e um cêntimos.

ii.

No pagamento às autoras de compensação de danos não patrimoniais no valor de dois mil euros.

Inconformada com tal decisão, a Ré dela interpôs recurso de apelação, extraindo das respectivas alegações as seguintes conclusões [transcrição]: 1. Vem o presente recurso interposto da sentença que julgou procedente a acção, condenando a Ré Caixa … à restituição às autoras de doze mil trezentos e oitenta e nove...

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