Acórdão nº 4868/17.3T8VNF.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 09 de Junho de 2020

Magistrado ResponsávelMARIA CRISTINA CERDEIRA
Data da Resolução09 de Junho de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO M. T.

e marido A. C.

intentaram a presente acção declarativa de condenação, contra I. F.

e marido C. F.

, pedindo que sejam os RR. condenados, A reconhecer que:

  1. Os AA. são donos e legítimos possuidores dos prédios identificados nos artºs 1º a 4º da petição inicial; b) No prédio misto dos AA. existe um tanque com água proveniente de uma mina, onde desaguam igualmente as águas pluviais dos terrenos confrontantes; c) Entre o prédio dos AA., na sua extrema poente e os prédios dos RR., na sua extrema nascente, existe um muro, propriedade dos AA., com várias aberturas, mais de 10, a nível do solo, onde todas as águas sobrantes do prédio dos AA. vão desaguar, conduzidas através de um rego; d) O prédio dos RR. está onerado com uma servidão de passagem/escoamento de água a favor do prédio dos AA., estando aqueles obrigados a receber as águas que decorrem do prédio dos Autores; E ainda: e) A desobstruir todas as aberturas existentes no muro, construídas para o efeito de passagem das águas, fixando-lhes para o efeito o prazo de 10 dias; f) A abster-se de praticar quaisquer actos que, por qualquer forma, impeçam a passagem das referidas águas para o seu terreno; g) A suportar a reconstrução do muro existente e a não criar qualquer forma de impedimento para a sua completa e integral execução; h) no pagamento de sanção pecuniária compulsória, no montante mínimo de € 1.500,00, por cada infracção que venham a cometer, relativamente aos direitos dos AA. referidos nas alíneas anteriores, quer pela prática de novos actos como os acima descritos, quer de outros da mesma natureza, ou que conduzam ao mesmo resultado, e ainda em sanção pecuniária compulsória de € 100,00 por cada dia de atraso na desobstrução integral das aberturas no muro; i) A indemnizar os AA. por todos os prejuízos que lhes causaram ou vierem a causar com os actos impeditivos de passagem das águas, e cuja liquidação se relega para execução de sentença, por no momento da interposição da presente acção, não serem quantificáveis.

    Para fundamentar a sua pretensão, os AA. alegam, em síntese, que por escritura celebrada em 20 de Junho de 1968, a A. mulher recebeu, por doação de F. M. e M. M., um prédio misto identificado nos artºs 1º a 4º da petição inicial, encontrando-se tal aquisição registada a favor dos Autores.

    Além da aquisição derivada, alegam, também, factos inerentes à aquisição originária (por usucapião), por parte dos AA., do direito de propriedade sobre o aludido prédio misto.

    Referem, ainda, que a Ré mulher recebeu por doação de seus pais, J. M. e M. G., um prédio urbano e um rústico identificados no artº. 8º da petição inicial, que são contíguos entre si e confrontam na parte poente com o prédio misto dos AA., existindo sobre os mesmos, desde tempos imemoriais, uma servidão de passagem/escoamento de águas pluviais e sobrantes constituída por destinação de pai de família e igualmente por usucapião, porquanto o prédio misto dos AA. situa-se numa zona em declive de nascente para poente, sendo a parte poente, onde confronta com os RR., a mais baixa.

    Na extrema nascente do prédio do AA. desagua uma água de mina num tanque, que os AA. utilizam para consumo, sendo igualmente nesse tanque que maioritariamente desaguam todas as águas sobrantes que os terrenos vizinhos, situados num nível superior, não conseguem absorver.

    Atenta a grande existência e passagem de águas, não consegue o referido tanque retê-las, pelo que estas águas continuam a correr através do campo de lavradio dos AA., em declive, em direcção aos prédios dos Réus.

    Acrescentam que há cerca de 45 anos, os AA. procederam à construção de um muro delimitador entre a sua propriedade e a propriedade dos RR., o qual, atento o declive existente entre os dois terrenos e encontrando-se o terreno dos RR. numa quota inferior de cerca de um metro, é igualmente de suporte de terras do prédio rústico dos Autores.

    O referido muro foi construído com várias aberturas de cerca de 10 cm2 (mais de 10), ao nível do solo da propriedade dos AA., de modo a que as águas sobrantes fossem conduzidas através dessas aberturas, tendo esta construção sido efectuada sem oposição de quem quer que seja, com tolerância e consentimento dos então proprietários do prédio dos Réus.

    Desde sempre foram as águas pluviais e sobrantes do prédio dos AA. conduzidas ao longo de um rego que atravessa aquele prédio na sua extrema sul, o qual é limpo todos os anos pelos AA., sendo que tais águas têm corrido naturalmente através da sua inclinação até ao prédio dos RR., que sempre aceitaram este corrimento e a tal não se opuseram.

    Há mais de 60 anos que os AA. e seus antepossuidores sempre deixaram as águas correr através do seu prédio, pelo referido rego, no sentido nascente-poente, até ao prédio dos RR., as quais atravessavam o muro delimitador dos prédios através das aberturas para o efeito criadas, o que sucedia ostensiva e ininterruptamente à vista de toda a gente, sem a oposição de quem quer que seja, designadamente dos RR., em tudo se comportando como proprietários de um prédio dominante.

    Mais alegam que há cerca de um ano, têm os RR. criado obstáculo ao escoamento natural das águas pluviais e sobrantes provenientes do prédio dos AA., uma vez que obstruíram os orifícios de passagem da água existentes no muro construído pelos AA. na zona de fronteira entre as duas propriedades.

    Quando ocorrem grandes precipitações, são os terrenos incapazes de absorver grande quantidade de água e ao serem impedidas de correr livremente, as águas acumulam-se na extrema poente do prédio dos AA., criando graves riscos de desmoronamento do muro delimitador e encharcando todo o terreno, alterando assim a sua composição e afectação para a agricultura, sendo necessário ainda proceder ao restauro e reforço do aludido muro delimitador, cabendo aos RR. suportar tal reconstrução.

    Os RR. apresentaram contestação, onde se defendem por impugnação, invocando, em suma, que o tanque existente no prédio dos AA. apenas recebe água de uma nascente que ali cai, sendo utilizada pelos AA. para consumo e para rega do terreno contíguo.

    Reconhecem a existência de um muro delimitador entre o prédio dos AA. e o dos RR. e de pequenas aberturas nesse muro, em número de 7, com largura 1,5 cm e altura de 6 cm, pelas quais escoam as águas das chuvas e que caem no prédio dos AA., mas só estas podem e devem cair.

    Mais alegam que o rego para condução das águas que caem no tanque existente no prédio dos AA., foi construído por estes há não mais de dez anos, pelo que sendo tal rego obra do homem, não estão os RR. obrigados a receber no seu prédio as águas que pelo mesmo são conduzidas.

    Os RR. nunca se opuseram a que as águas da chuva que caem no prédio dos AA. escoem naturalmente para o seu prédio (deles RR.), tendo tapado duas das aberturas no muro, que ficam mais a sul do seu prédio (todas as outras ficaram e estão abertas), mas somente após os AA. conduzirem a água do tanque, que abriram e esvaziavam, pelo rego e para essas aberturas, assim inundando o terreno dos RR. e destruindo o aí plantado.

    Defendem-se, ainda, por excepção, alegando que o terreno dos RR. junto às aberturas do muro fica em plano mais inclinado e todas as águas caem para uma caixa sita a norte, tendo esta caixa sido construída por acordo entre AA. e RR. e para receber todas as águas advindas do prédio daqueles.

    Acrescentam que as águas advindas do prédio dos AA. correm ao longo do muro e vão cair na referida caixa para o efeito construída.

    Mais rejeitam que os AA. tenham adquirido o direito de servidão de escoamento dessas águas, quer por destinação de pai de família, quer por usucapião.

    Concluem, pugnando pela improcedência da acção.

    Em 27/11/2017 foi proferido despacho a convidar os AA. a esclarecerem qual o prédio dos RR. para onde as águas provenientes do seu prédio são orientadas, a descreverem factualmente o referido prédio dos RR. para onde as águas são encaminhadas, de forma a apurar-se se o mesmo reveste natureza rústica ou urbana, segundo o critério previsto no artº. 204º, nº. 2 do Código Civil, e a informarem se o prédio para onde as águas são encaminhadas constitui quintal, jardim ou terreiro contíguo a casa de habitação (cfr. fls. 40), tendo os AA. prestado tais esclarecimentos por requerimento junto a fls. 41 a 42vº.

    Dispensada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador, no qual se fixou o valor da causa e se procedeu ao saneamento da acção, verificando-se a validade e regularidade da instância.

    Na sequência do falecimento do A.

    A. C.

    , por sentença proferida em 3/05/2018, foram julgados habilitados para prosseguir a acção, na sua posição processual, os seus sucessores M. T.

    , M. I.

    , A. T.

    e C. C.

    .

    Realizou-se a audiência de discussão e julgamento com observância do legal formalismo.

    Após, foi proferida sentença que julgou a presente acção parcialmente procedente e, em consequência, declarou e condenou os RR. a reconhecer que os AA. são proprietários do prédio descrito sob os nºs 1 a 4 dos “factos provados”, absolvendo aqueles dos restantes pedidos contra eles formulados.

    Inconformados com tal decisão, os AA. dela interpuseram recurso, extraindo das respectivas alegações as seguintes conclusões (após convite ao aperfeiçoamento) que passamos a transcrever: 1. Por via do presente recurso, e tendo em conta os meios probatórios citados no corpo das alegações, pretendem os Apelantes a ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO da sentença em mérito, nos seguintes termos: A) 2. Em virtude de decorrerem de confissão efectuada nos articulados, alegados na contestação dos RR., deverão ser ACRESCENTADOS à matéria de facto dada como provada os seguintes factos: - “Pelas aberturas referidas em 20 dos factos provados escoam as águas das chuvas e que caem no prédio dos A.A.” - “Existe um rego no prédio dos A.A. na sua extrema sul.” - “Nunca os R.R. se opuseram a que as águas das chuvas que caem no prédio dos A.A. escoam naturalmente para...

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