Acórdão nº 2641/19.3T8VNF.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 08 de Outubro de 2020
Magistrado Responsável | JOSÉ ALBERTO MARTINS MOREIRA DIAS |
Data da Resolução | 08 de Outubro de 2020 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães.
RELATÓRIO.
Recorrente: X – Construções em Granito e Imobiliária, Lda.
Recorrida: R. M..
R. M., residente em …, Reino Unido, instaurou a presente ação especial de suspensão e destituição de órgãos sociais contra X – Construções em Granito e Imobiliária, Lda., com sede na Rua …, pedindo que a gerente da Ré M. P. seja: a- de imediato suspensa do cargo de gerente da sociedade Ré; b- condenada a abster-se de praticar qualquer ato em representação da Ré, usar de qualquer dos seus bens e deslocar-se e permanecer nas instalações desta; c- e a final, ser destituída do cargo de gerente, por justa causa, com todas as legais consequências.
Para tanto alega, em síntese, que a requerida foi constituída em 27/12/2002, com um capital social de 100.000,00 euros, o qual desde 30/04/2008 se encontra dividido por duas quotas, no valor nominal de cinquenta mil euros cada uma, uma das quais é detida pela requerente e a outra por M. M..
Nessa mesma data foi nomeada gerente M. P.; Acontece que apesar de a requerente solicitar informações à gerente sobre a sociedade requerida, esta nunca lhe comunicou quaisquer atos societários, sequer nunca a convocou para quaisquer reuniões, assembleias ou outras formas de participação na vida da sociedade; Não obstante, foram registadas na Conservatória do Registo Comercial a prestação de contas da sociedade requerida quanto aos exercícios dos anos 2007, 2008, 2009, 2011 a 2017, quando a requerente nunca participou em nenhuma assembleia, sequer recebeu qualquer comunicação, e não tem memória de ter outorgado procuração a favor de quem quer que seja, conferindo poderes para a representar, nomeadamente em atos societários nos quais a sua presença ou aprovação fossem impreteríveis; A gerente da requerida não elaborou e apresentou até 31/03/2019 à assembleia geral o relatório de gestão e contas do exercício de 2019, sequer os documentos de prestação de contas, impedindo a requerente de toda a informação sobre a situação de gestão da sociedade requerida e suas contas, situação patrimonial e financeira desta, etc.; Acresce que a gerente não convocou a assembleia geral para aprovação das contas do exercício de 2018; No final de 2018 a requerente solicitou à gerente que lhe disponibilizasse informação sobre a sociedade requerida, o que esta lhe negou; A requerente descobriu que a gerente está a ocultar vendas, tendo uma contabilidade paralela, onde constam as vendas que faz sem que depois a empresa as fature, o que faz com vista a diminuir os ativos da sociedade requerida, de forma a desvalorizá-la.
Conclusos os autos, a 1ª Instância proferiu o despacho que se segue: “R. M., contribuinte nº ………, veio intentar ação declarativa de condenação com processo comum pedindo a suspensão e destituição de gerente da sociedade X - Construções em Granito e Imobiliária, Lda., de M. P..
No entanto, a ação de suspensão e destituição de titulares de órgãos sociais constitui um processo de jurisdição voluntária, previsto no artigo 1055º e ss. do CPC.
Pelo que ordeno a retificação da petição, capa física do processo e no programa citius em conformidade, dado que não se trata de ação de processo comum.
*Dispõe o artigo 1055º, nº1 e 2 CPC que o interessado que pretenda a destituição judicial de titulares de órgãos sociais ou de representantes comuns de contitulares de participação social, nos casos em que a lei o admite, indica no requerimento os factos que justificam o pedido. E se for requerida a suspensão do cargo o juiz decide imediatamente o pedido de suspensão, após realização das diligências necessárias.
Ora, compulsados os autos, verifica-se não existirem nos mesmos, dos quais ainda só consta prova documental, indícios que alicercem todos os factos alegados pela A. Nem se vislumbra como poderia o tribunal obter prova dos factos alegados sem audição prévia da requerida sociedade. Ademais, o presente processo, sendo de jurisdição voluntária, segue os termos dos artigos 292º a 295º CPC, ex vi artigo 986º CPC, pelo que correm de forma mais célere que uma ação comum, dada a sua natureza incidental.
Acresce que a suspensão do exercício da gerência pode acarretar mais prejuízos que benefícios à Ré sociedade, pela necessária intervenção de terceiro na gerência.
Pelo que se nos afigura prematuro tomar qualquer posição antes da citação, eventual apresentação de oposição, e produção de prova arrolada.
Notifique a A. e, após, cite a R para contestar, querendo”.
A requerida contestou defendendo-se por exceção e por impugnação.
Invocou a exceção de que a requerente outorgou procuração a conferir os mais amplos poderes gerais e especiais conferidos por lei à gerente da requerida, M. P., procuração essa que apenas veio a revogar em 28/12/2018, pelo que, até essa data, a gerente tinha poderes para a representar, nomeadamente, em atos societários nos quais a aprovação da requerente fosse necessária.
Impugnou parte da factualidade alegada pela requerente.
Conclui pela improcedência da ação e requerendo a absolvição dos pedidos.
Admitidos os requerimento de prova apresentados pelas partes, designou-se data para a realização de audiência final e realizada esta, proferiu-se sentença, julgando a ação procedente e determinando a suspensão imediata de funções da gerente M. P. e a destituição desta desse cargo, constando essa sentença da seguinte parte dispositiva: “Pelo exposto,
-
Declaro procedente a presente ação de suspensão e destituição de gerente, decretando a suspensão imediata das funções de gerente de M. P. do cargo de gerente da requerida X - Construções em Granito e Imobiliária, Lda.; b) Destituo M. P. do cargo de gerente da requerida X - Construções em Granito e Imobiliária, Lda.
Custas pela requerida- artigo 527º, nº1 e 2 CPC.”.
Inconformada com o assim decidido, a requerida interpôs o presente recurso de apelação, em que apresenta as seguintes conclusões: No que concerne às nulidades da Sentença: A.
Retira-se da decisão recorrida que foram dados como provados os factos em 5, 6, 7, 8, 9, 10 e 14 e que foram dados como não provados os factos em A), B), C), D) e E).
B.
Conclui-se pela existência da procuração outorgada pela Requerente a favor da gerente da Requerida, em concordância o facto provado em 14 com o facto não provado em A).
C.
Daí resulta uma contradição entre os factos provados em 5, 6, 7, 8, 9 e 10 e os factos não provados em B), C), D) e E).
D.
Além disso, no primeiro parágrafo da última página Sentença apenas se refere “considerando o teor dos factos provados nos artigos 11 e 12, nomeadamente a realização de vendas pela gerente da requerida ....”, para no segundo parágrafo dessa página concluir que “torna-se inexigível a manutenção do vínculo da requerida para com a atual gerente”.
E.
Porém em lado algum da decisão da matéria de facto, da sua fundamentação e da matéria de Direito se consegue entender porque se conclui que ocorreu uma qualquer violação grave dos deveres da gerente da Requerida.
F.
A decisão recorrida padece da nulidade consagrada na al.
-
do n.º 1 do artigo 615.º do CPC ex vi artigo 613.º, n.º 3 do mesmo diploma, a qual, desde já, se invoca com todos os efeitos legais.
G.
Do ponto de vista do Direito, o Tribunal limitou-se a concluir como fez nos dois últimos parágrafos da última página da Sentença, sendo que nada disse a respeito dos requisitos para a suspensão imediata da gerente da Requerida.
H.
Por conseguinte, o Tribunal recorrido não deu cabal cumprimento ao dever de fundamentar a sua decisão, pelo que também é nula por não especificar os fundamentos de facto e de direito que justificaram a decisão, nos termos do disposto na al.
-
do n.º 1 do artigo 615.º do CPC ex vi art.º 613.º, n.º 3 do mesmo diploma, o que, desde já, se requer com todos os efeitos legais.
Quanto ao recurso da matéria de facto: I.
Também aqui se conclui a existência de procuração outorgada pela Requerente a favor da gerente da Requerida, em concordância o facto provado em 14 com o facto não provado em A).
J.
E daí resulta que os factos provados em 5, 6, 7, 8, 9 e 10 estão em contradição com os factos não provados em B), C), D) e E).
K.
Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados foram o facto provados em 5, 6, 9, 10, 11 e 12 e os factos não provados em I), J), K) e L).
L.
O Tribunal a quo na Sentença não relevou para prova dos factos não provados em I), J), K) e L) a prova documental, a certidão comercial da Requerida como documento n.º 1 da petição inicial da qual resulta, a fls. 9 e ss e a demonstração de resultados e balanço dos anos de 2015, 2016, 2017, 2018 de fls.
14 verso a fls.
73.
M.
Bem como não relevou a prova testemunhal: J. R.: 1:11 a 1:22; 10:50 a 12:18; 15:03 a 15:29; 21:39 a 22:17; 25:31 a 25:55; A. M.: 3:03 a 3:58; 6:20 a 6:59; 7:25; 8:04; 9:16 a 09:52; 10:42 a 11:13; R. V.: 3:11 a 3:54; 4:08 a 4:14; 6:58 a 7:06.
N.
Dali não resulta em lado algum que a gerente da Requerida tenha praticado algum atos que pudesse constituir uma desvantagem para a Requerida, e que tenha tido uma vantagem para si própria ou para terceiros à custa da Requerida.
O.
Quanto aos factos provados em 5, 6, 9 e 10, conforme já se explicou estão em contradição com os factos não provados em B), C), D) e E).
P.
A contradição com os factos provados em 5, 6, 9 e 10 o facto provado em 14 e o facto não provado em A), de acordo com o Documento n.º 3 da contestação.
Q.
E, ainda, com o documento n.º 1 da petição inicial, certidão comercial da Requerida, e documentos nºs 3, 4, 5 e 6 da petição inicial com as prestações de contas de 2014, 2015, 2016 e 2017, além da prova testemunhal: J. R.: 1:11 a 1:22; A. M.: 6:59 e 7:25; R. V.: 3:11 a 4:14, 6:58; 7:06.
R.
Assim, sendo conclui-se insuficiente a produção da prova documental, o mesmo se diga quanto à prova testemunhal, pois, nada foi demonstrado quanto ao pressuposto de “violação grave” dos deveres pela gerente da Requerida.
S.
Por último, quanto aos factos provados 11 e 12, resulta o inverso da prova...
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