Acórdão nº 1932/12.9TJVNF-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 08 de Outubro de 2020

Magistrado ResponsávelCONCEIÇÃO SAMPAIO
Data da Resolução08 de Outubro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I – RELATÓRIO Inconformados com a sentença proferida na oposição à execução que lhes move “X Rent - Aluguer, Gestão e Comércio de Veículos Automóveis, S.A.” (ora Y, SA) e que não reconheceu, entre outos fundamentos, a prescrição da letra, determinando o prosseguimento da instância executiva, vieram os opoentes L. N. e R. N. interpor recurso finalizando com as seguintes conclusões: 1. Analisando os factos, na opinião da recorrente o prazo que a sociedade X Rent tem para preencher a livrança é a data da resolução do contrato de 03.01.2007, independentemente de existir ou não justa causa, nessa resolução.

  1. Mas mesmo que assim não se entenda, o prazo do pagamento da última renda é de 05.05.2006, e o prazo de entrega do automóvel é de 01.08.2007.

  2. No entendimento da recorrente, o contrato de renting tem de ser dado como resolvido e extinto ou incumprido pelo menos desde aquela data (03.01.2007) e o automóvel foi entregue à sociedade X Rent em 01.08.2007, com fundamento e na sequência da anterior comunicação de resolução.

  3. Resulta assim que, a livrança em causa nestes autos teria de ser preenchida reportada à data do primeiro e definitivo incumprimento: 05.06.2006, reportada à data da resolução/extinção datada 03.01.2007, ou, no máximo, em 01.08.2007 – data da entrega do automóvel à sociedade X Rent.

  4. Mas a sociedade X Rent só preencheu tal livrança em 22.05.2012.

  5. A possibilidade conferida ao mutuante de preencher livremente a livrança, designadamente no que se refere às datas de emissão e vencimento, confere-lhe um poder de dilatar infinitamente no tempo a cobrança do crédito cambiário, revelando-se, essa possibilidade, desde logo, de uma forma ostensiva, desproporcionalmente desvantajosa para o mutuário, o qual fica, por um período de tempo ilimitado, sujeito a uma indesejável situação de incerteza, o que contraria os ditames da boa-fé objetiva.

  6. Esta dilatação no tempo, viola o disposto no regime das Cláusulas Contratuais Gerais constante do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de outubro e sucessivas atualizações (RCCG).

  7. Os recorrentes invocam neste recurso, como fundamento da sua pretensão, o facto de uma liberdade total na inserção das datas de emissão e de vencimento de uma livrança subscrita em branco permite ao credor defraudar os interesses públicos e do devedor que presidem ao instituto da prescrição dos créditos cambiários, proporcionando a criação de direitos de crédito imprescritíveis, sendo certo que o nosso ordenamento não permite uma renúncia antecipada à prescrição – art.º 302º, n.º 1, do CC – e comina com a nulidade os negócios jurídicos destinados a modificar os prazos legais de prescrição – art.º 300º do CC –, o que suscita até a hipótese de invalidade do previsto naquela cláusula, por força do art.º 280º do CC.

  8. Destinando-se a livrança subscrita em branco a facilitar a cobrança do crédito em causa, na hipótese de se verificar o incumprimento da respetiva obrigação, resolvido o contrato, a boa-fé determina que a livrança seja coincidentemente preenchida com a resolução do contrato, iniciando-se, a partir desse momento, a contagem do prazo de prescrição previsto no art.º 70º da LULL: “Todas as acções contra o aceitante relativas a letras prescrevem em três anos a contar do seu vencimento. As ações do portador contra os endossantes e contra o sacador prescrevem num ano, a contar da data do protesto feito em tempo útil, ou da data do vencimento, se se trata de letra contendo a cláusula "sem despesas".

  9. Funda-se assim o presente recurso, no facto do preenchimento de uma livrança ficar em carteira da sociedade financeira por anos a fio, em rigor pelos anos que aprouverem ao credor, constituir um ato abusivo do credor e que viola as indicadas normas, pois desta forma, nunca prescreveriam os seus créditos e esse não é seguramente o espírito da Lei.

  10. É uma solução que deixa o devedor numa posição de total inferioridade e desigualdade face ao credor, atenta a discricionariedade que a este título se concede a este. É, pois, uma situação inaceitável e desconforme aos princípios que nos regem, nomeadamente, o da boa fé.

  11. Analisando os factos provados e atenta a data da resolução do contrato de renting e a data da entrega do automóvel relativo a tal renting, o crédito venceu-se na sua totalidade, pelo menos em 03.01.2007, pelo que a livrança deveria estar datada daquela data e o prazo de prescrição decorreria assim a partir desta, pelo que a decisão de que se recorre tinha de considerar prescrito o crédito reclamado através daquele título, uma vez que estamos no domínio das relações imediatas, razão pela qual pode ser oposta a exceção do preenchimento abusivo por parte do subscritor.

  12. Independentemente daquela data a questão a decidir é a partir de que data se deve contar o prazo de prescrição. No entendimento dos recorrentes, o prazo de prescrição deve contar-se da data em que tal livrança deveria ter sido preenchida e não da data do seu preenchimento.

  13. Salvo o devido respeito pela Meritíssima Juiz do Tribunal “a quo” que é verdadeiro e é muito, os recorrentes não podem aceitar a decisão do Tribunal a quo termos em que pedem a este Venerando Tribunal que seja feita justiça, revogando a sentença.

  14. A sentença recorrida ao decidir como decidiu violou, por má interpretação, o disposto nos arts. 139º, 189º, 300º, e 302º, n.º 1 e 762º todos do CC e arts. 70º e 77º da LULL e ainda arts. 12º, 13º e 15º do RCCG.

    Pugnam os Recorrentes pela procedência do recurso com a consequente revogação da sentença recorrida que deve ser substituída por outra que julgue a oposição procedente e declare extinta a execução.

    *Foram apresentadas contra-alegações, pugnando o Recorrido pela manutenção do decidido.

    *Foram colhidos os vistos legais.

    Cumpre apreciar e decidir.

    *II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO O objeto do recurso reconduz-se a uma só questão que é a de saber a partir de que data se deve contar o prazo de prescrição de uma letra entregue em branco quanto à data de vencimento: se da data do seu preenchimento ou da dada em que poderia ter sido preenchida, face à extinção da obrigação.

    *III - FUNDAMENTAÇÃO 3.1. Os factos Factos considerados provados em Primeira Instância: 1. “X Rent - Aluguer, Gestão e Comércio de Veículos Automóveis, S.A.” (ora Y, SA) instaurou, no dia 04.06.2012, contra os Executado(a)(s) M. N., R. N. e L. N., a execução para pagamento da quantia de 44.255,38.

  15. Como título executivo, apresentou a letra cujo original foi junto em 24.09.2019, no valor de €44.189,91, com vencimento em 22.05.2012, sacada por “X Rent - Aluguer, Gestão e Comércio de Veículos Automóveis, S.A.” e aceite pela sociedade W – Confecções, Ldª.

  16. Os Executado(a)(s), ora Oponentes assinaram a letra oferecida à execução, apondo a sua assinatura no respectivo verso e sob os dizeres «Por bom aval ao aceitante».

  17. Em 22/07/2005, a Exequente celebrou com a sociedade “W Confecções, Lda.”, o contrato de aluguer de veículo automóvel sem condutor n.º 405, tendo por objecto um veículo automóvel, marca Volvo, modelo S60, com a matrícula AH.

  18. O contrato mencionado 4. teria a duração de 48 meses, com prestações mensais, sendo a primeira no montante de € 6.120,46, e as restantes 47 rendas no montante de € 960,46 (Renda: € 672,78 + Seguro: € 146,40 + IVA à taxa legal em vigor).

  19. Na cláusula 11ª, n.º 4, do contrato referido em 4. ficou a constar o seguinte: “Nos termos do serviço de manutenção e pneus, ficam a cargo da X Rent as despesas derivadas de: a) intervenções necessárias ao bom funcionamento do veículo; c) mudanças de óleo, baterias, lubrificantes, óleo dos travões, mão-de-obra, peças de substituição e revisões; d) substituição de PNEUS resultantes do seu desgaste normal, até ao número total de pneus mencionados na requisição de serviços.” 7. Na sequência do referido contrato, no dia 03/08/2005, foi entregue à indicada sociedade o veículo automóvel de matrícula AH, de marca Volvo, modelo S60 D5.

  20. Em garantia do bom e integral cumprimento das obrigações emergentes do referido contrato, foi entregue à Exequente uma letra em branco, avalizada, pelos Executado(a)(s) M. N., M. C., R. N. e L. N., acompanhada do respetivo acordo de preenchimento, devidamente assinado por estes, com o seguinte teor: “Esta letra destina-se a garantir o bom pagamento de todas as nossas obrigações ou responsabilidades constituídas ou a constituir junto do X Rent, qualquer que seja a sua origem ou natureza nomeadamente as decorrentes do Contrato Base de Aluguer de Veículo Automóvel Sem Condutor nº … que se anexa, por nós contratados, bem como as suas prorrogação(ões), renovação(ões), substituição(ões), ou reforma(s), até à sua integral liquidação.

    Autorizamos, desde já, a X Rent, em caso de falta de cumprimento de quaisquer obrigações ou responsabilidades (inerentes às operações acima referidas), a preencher esta letra pelo valor que for devido, a fixar as datas de emissão e de vencimento, como a designar o local do seu pagamento”.

  21. A Exequente não autorizou a revisão do automóvel na Volvo – Auto … no …, revisão essa que foi feita em 19/09/2006, tendo a W – Confecções, Ldª suportado o seu custo.

  22. Em meados de Outubro de 2006, o veículo apresentava os seguintes defeitos e faltas: a) pneus muito gastos; b) o indicador luminoso dos “airbags” acendia e apagava; c) constante alerta, no painel da viatura, da sinalização luminosa alertando para verificação no sistema de travagem do veículo; o que tudo fazia indicar à sociedade W graves problemas de segurança com o referido veículo e impunha uma nova revisão/reparação.

  23. Desde 06/10/2006 até 31/12/2006, a sociedade X Rent recusou-se a suportar o custo de tais reparações, após vários pedidos feitos pela sociedade W – Confecções, Ldª.

  24. Por carta registada com aviso de recepção enviada à sociedade X Rent, no dia 02/01/2007, recebida no dia 03/01/2007, a sociedade W – Confecções, Ldª comunicou àquela «Na qualidade de locatária do contrato de Renting n.º …...

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