Acórdão nº 2599/19.9T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 08 de Outubro de 2020

Magistrado ResponsávelANTÓNIO BARROCA PENHA
Data da Resolução08 de Outubro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Recorrente: X – Companhia de Seguros, S.A.

Recorrido: M. C.

* *Relator: António José Saúde Barroca Penha.

1º Adjunto: Desembargador José Manuel Flores.

2º Adjunto: Desembargadora Sandra Melo.

* *Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães: I. RELATÓRIO X – Companhia de Seguros, S.A.

intentou a presente ação de condenação sob a forma de processo comum, contra M. C.

, peticionando a condenação do réu a pagar à autora a quantia de € 54.795,08 (a título de capital e juros de mora vencidos), acrescidos dos juros de mora vincendos, calculados à taxa legal, sobre o capital de € 52.670,93, desde a data da entrada em juízo da ação e até integral e efetivo pagamento.

Alega, para fundamentar a sua pretensão, em suma, que, por virtude da atuação culposa do réu, que conduzia o veículo de matrícula XF, seguro pela autora, esta teve de suportar os custos com a indemnização dos danos causados com um acidente sob a forma de atropelamento de M. M.. Mais alega que o acidente foi causado pelo réu, que, além do mais, conduzia sob o efeito do álcool, tendo tal circunstância determinado a verificação do acidente; sendo certo ainda que, após o embate, abandonou o local, sem se preocupar com o estado de saúde da vítima e sem lhe prestar qualquer socorro ou auxílio.

O réu apresentou contestação, invocando a exceção de prescrição do direito da autora quanto a todos os pagamentos efetuados antes de 12 de Maio de 2016.

Mais alega, em síntese, que, não obstante ter sido culpado, a título de negligência, pelo acidente, que teve origem na perda de controlo do veículo conduzido pelo réu, é falso que que o réu tenha causado o sinistro em crise em consequência direta e necessária da taxa de álcool que alegadamente possuía e que se tenha verificado qualquer agravamento da situação da sinistrada pelo alegado abandono do local por parte do réu, sendo certo que a sinistrada foi de imediato assistida e socorrida pelos presentes no local do sinistro, pelo que inexiste qualquer facto inerente às causas do sinistro que sustente e fundamente o pedido da autora, considerando os fundamentos legais do n.º 1 do art. 27º, do D.L. n.º 291/2007, de 21.08. Mais refere que os juros de mora eventualmente devidos apenas deverão ser contabilizados desde a data da citação do réu.

Termina, pugnando pela procedência da exceção de prescrição invocada, bem como pela improcedência da ação, com a consequente absolvição do réu do pedido.

A autora respondeu à exceção de prescrição invocada pelo réu, tendo concluído pela sua improcedência.

Dispensou-se a realização da audiência prévia e foi proferido despacho saneador, afirmando a regularidade da instância e julgando improcedente a exceção de prescrição invocada pelo réu. Seguidamente, foi fixado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.

Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento.

Na sequência, por sentença de 20.02.2020, veio a julgar-se totalmente improcedente a ação, absolvendo-se o réu do pedido.

Inconformada com o assim decidido, veio a autora X – Companhia de Seguros, S.A.

interpor recurso de apelação, nele formulando as seguintes CONCLUSÕES I.

A sentença recorrida não pode manter-se, uma vez que não consubstancia a justa e rigorosa apreciação da prova produzida, nem consubstancia uma correta interpretação e aplicação das normas legais e princípios jurídicos.

II.

A sentença em apreço violou o disposto no artigo 27.º, n.º 1, alíneas c) e d) do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21/08, pelo que deverá ser revogada e, em consequência, substituída por outra que faça uma correta apreciação da prova gravada e aplicação do direito.

III.

A sentença recorrida enferma de um erro de julgamento ao considerar que o acidente não tenha ocorrido em virtude do estado de alcoolemia em que se encontrava o Recorrido na altura do acidente, isto é, que tivesse sido por causa do estado de alcoolemia do Recorrido, que o acidente se deu.

IV.

A sentença recorrida enferma de um erro, por violação do artigo 27.º, n.º 1, d) do Decreto Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto, uma vez que não considerou o abandono da sinistrada para efeitos do direito de regresso da seguradora das quantias que despendeu.

V.

Da análise da prova carreada para os autos, e em contraposição com a matéria de facto dada como provada, é manifesto que o Tribunal a quo julgou mal quando considerou não provado, a matéria de facto das alíneas 1) e 4) da matéria não provada.

VI.

Conforme decorre dos autos e da matéria de facto considerada como provada, o Recorrido é o único responsável pelo acidente e que este ingeriu bebidas alcoólicas momentos antes do acidente, sendo certo que o Recorrido e o pai do mesmo depuseram no sentido de que o Recorrido ingeriu “whisky” momentos antes do acidente ter ocorrido.

VII.

Nesse sentido, atente-se no depoimento prestado pelo Recorrido M. C., e no depoimento da testemunha M. A., pai do Recorrido.

VIII.

Decorre dos autos, designadamente da Participação de Acidente de Viação, após o acidente de viação o Recorrido foi submetido ao teste de alcoolemia e que o mesmo acusou a taxa positiva de 1,17 g/litro no sangue, pelo que forçosamente ter-se-á que concluir que o Recorrido conduzia sob o efeito de álcool na altura em que ocorreu o acidente.

IX.

Não existe qualquer prova produzida nos autos de que o Réu tenha efetivamente e sem margem para dúvidas ingerido bebidas alcoólicas após a ocorrência do acidente, nem tal consta da matéria de facto provada.

X.

Ter-se-á que concluir que o Recorrido encontrava-se sob a influência de álcool quando ocorreu o acidente em causa nos presentes autos e que a sua atitude, primeiro de tentativa de fuga e, após, alegadamente, ter ingerido bebidas alcoólicas apenas tinham como função furtar-se ao teste de alcoolemia e, uma vez que tal não resultou, criar uma “narrativa” que convencesse o tribunal de que não estaria sob a influência de álcool durante a condução.

XI.

Não se compreende que o Tribunal a quo tenha considerado que “apesar da assumida ingestão de álcool anterior ao acidente, o tribunal não pode deixar de questionar a versão apresentada pela A. e dar como provado que o R. tripulasse o veículo sob o efeito do álcool e com a taxa de alcoolemia que apresentou depois de fazer o teste, face às variadas circunstâncias que tornam tal factualidade incerta, nomeadamente, a ingestão de álcool posterior ao acidente, a ausência de cheiro a álcool antes dessa ingestão e o tempo decorrido até ser realizado o teste de alcoolemia”.

XII. Não foi produzida qualquer prova que possa contrariar a prova existente nos autos, designadamente a Participação do Acidente de Viação, designadamente que o condutor, ora Recorrido, acusou a taxa de álcool de 1,17 g/litro de sangue.

XIII.

Atente-se no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, proferido em 17 de Janeiro de 2012, disponível em www.dgsi.pt, na parte em que refere que “I – Se o arguido conduzia um veículo automóvel, foi interveniente num acidente de viação e “após” foi submetido a teste, evidenciado uma determinada TAS, traduz a normalidade naturalística a inferência de que, quando conduzia e interveio no acidente de viação, estava sob influência do álcool. II – Em bom rigor, nunca existe prova directa de tal facto (de que o arguido conduzia sob influência do álcool), que só aconteceria se o teste de pesquisa de álcool fosse efectuado durante a condução e simultaneamente verificados os respectivos resultados, o que é perfeitamente inverosímil. III – A prova da prática deste crime resulta sempre de (meros) indícios, ou seja, o agente exerce a condução de veículo e, após a interrupção dessa condução, é submetido a teste, do qual resulta indiciariamente que, anteriormente, durante a condução, conduzia sob influência do álcool. Com efeito, trata-se de um juízo meramente indiciário, pois, por muito pouco tempo que medeie entre a condução e o teste, sempre fisiologicamente poderá ocorrer uma alteração na TAS para mais ou para menos. IV – A normalidade diz-nos que, quando ocorre um acidente e as autoridades policiais são chamadas ao respectivo local, ali efectuando o teste de pesquisa de álcool no sangue aos intervenientes no mesmo tendo em vista apurar se algum dos mesmos conduzia sob influência do álcool. V – Afirmar que, para a prova do crime, sem que nada o justifique, seja necessário (também) provar que entre a prática do acidente e o momento em que é efectuado o teste o interveniente no mesmo não ingeriu bebidas alcoólicas é assumir a impunibilidade de quase todas as situações em que o acidente não é presenciado por ninguém e que o condutor se mantém só até à chegada das autoridades. É evidente que pode acontecer o interveniente no acidente de facto ingerir bebidas alcoólicas entre a ocorrência deste e a realização do teste. No entanto, tal circunstância (excepcional e raríssima) deve ser provada”.

XIV.

Ter-se-á que concluir, face à falta de prova de que, efetivamente, o Recorrido tenha ingerido qualquer bebida alcoólica após a produção do acidente e, tendo em consideração, o facto de o Recorrido ter admitido que ingeriu whisky antes do acidente, deveria ter considerado como provado a matéria de facto do pontos 1) e 4) da matéria de facto dada como não provada.

XV.

Atenta toda a matéria de facto dada como provada, é inequívoco que a matéria de facto provada no ponto j) – “O R. perdeu o domínio da marcha do veículo XF” – ocorreu em virtude do estado de embriaguez em que se encontrava, o qual provoca sempre um estado de euforia – ainda que não notório a terceiros – não possuindo o Recorrido de capacidade de decisão apropriada às circunstâncias por carências de coordenação neuromuscular.

XVI.

É manifestamente indesculpável que o Tribunal a quo não tenha dado como provado – atenta a matéria de facto provada - que em virtude daquele teor de álcool – TAS 1,17 g/l – o Recorrido seguia distraído e sem prestar atenção ao trânsito devido ao seu estado de embriaguez.

XVII.

Atento todo o exposto, deve ser alterada o julgamento da matéria de facto, devendo as...

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