Acórdão nº 1336/18.0T8PTL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 29 de Outubro de 2020

Data29 Outubro 2020

ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

  1. RELATÓRIO I.- J. C. e mulher M. C., intentaram a presente acção, com processo comum, contra M. F. e marido J. F., pedindo que: a) se declare e sejam os Réus condenados a reconhecerem que o prédio identificado no artigo 5.º da petição inicial está onerado com uma servidão de passagem – tanto a pé, como com carros de gado e tractor – em benefício do prédio identificado no artigo 2.º da petição inicial, servidão essa que corresponde à faixa de terreno descrita no artigo 10.º da petição inicial, constituída por destinação de pai de família; b) sejam os réus condenados a reconstituirem o acesso e caminho referido no artigo 10.º da petição inicial, deixando-o livre e desimpedido em toda a sua largura, comprimento e altura e rampeado pela forma prevista no artigo 11.º da petição inicial e repondo as condutas de cimento localizadas no limite dos dois prédios, de forma a que a linha de água possa correr, tudo no prazo de 8 dias; c) sejam os réus condenados a retirar todos os objectos, plantações ou eventuais construções que tenham edificado naquela faixa de terreno que constitui a servidão de passagem, no prazo de 8 dias; d) sejam os réus condenados a absterem-se de praticar qualquer acto que impeça ou perturbe o acesso dos autores ao prédio identificado no artigo 2.º da petição inicial, através da referida servidão de passagem; e) sejam os réus condenados a indemnizarem os autores de todos os prejuízos decorrentes da privação de fruição do prédio identificado no artigo 2.º da petição inicial, desde Março de 2007 até ao momento em que o acesso seja reposto, valores a apurar em sede de posterior liquidação; f) sejam os réus condenados nas custas e demais encargos legais.

Fundamentam alegando, em síntese, que em benefício do seu prédio rústico e a onerar o prédio misto dos réus existe constituída, por via de destinação de pai de família, uma servidão de passagem a pé, carros de gado, tractores e outros veículos, mais alegando que os Réus colocaram uma cancela na entrada do caminho de servidão, retiraram as condutas circulares de cimento que o rampeavam no local onde os prédios confinam entre si e lavraram e destruíram o leito do caminho, assim impedindo a eles, Autores, de aceder ao seu prédio rústico através do aludido caminho, o que lhes provoca danos, cujo cálculo não se mostra ainda possível efectuar, uma vez que a lesão do direito persiste.

Os Réus contestaram, impugnando, no essencial, a existência do caminho de servidão alegado pelos Autores, e deduziram reconvenção, peticionando que, na hipótese de vir a ser reconhecida a alegada servidão, seja a mesma declarada extinta por desnecessidade.

Replicaram os Autores pugnando pela improcedência da reconvenção.

Foi proferido despacho saneador no qual, além do mais, se decidiu julgar manifestamente improcedente o pedido reconvencional, dele se absolvendo os Autores.

Os autos prosseguiram os seus termos vindo a proceder-se ao julgamento que culminou com a prolação de douta sentença que decidiu julgar a acção totalmente improcedente, por não provada, e, em consequência, absolver os Réus dos pedidos formulados pelos Autores.

Estes, inconformados, trazem o presente recurso pedindo a revogação parcial da supratranscrita decisão, julgando-se provados os pedidos que formularam sob as alíneas a); b); c); e d).

Contra-alegaram os Réus propugnando para que se mantenha o decidido.

O recurso foi recebido como de apelação, com efeito devolutivo.

Colhidos, que foram, os vistos legais, cumpre decidir.

**II.- Os Apelantes/Autores formularam as seguintes conclusões: 1. Os Recorrentes consideram incorrectamente julgada a matéria dos pontos a), b), c), d), l), r) e s) dos factos dados como não provados, devendo ser proferida a seguinte decisão sobre essas questões (a numeração abaixo foi atribuída tendo em consideração o elenco dos factos já dados como provados e de forma a facilitar inserção desta matéria nos mesmos): 13.1 Para acederem e fabricarem o prédio identificado em 2), os trabalhadores agrícolas contratados pelos pais do autor J. C. e da Ré M. F. utilizavam um caminho que tinha o seu início no caminho público (hoje denominado “Rua ...”), caminho esse que ingressava no prédio identificado em 5), através de uma entrada com 2,5 metros de largura (visível a fl.s 71), seguia depois no sentido noroeste/sudeste, sempre com a largura média de 2,5 metros, sem limite de altura, até à abertura/rampa identificada em 10), através da qual era feita a passagem do prédio identificado em 5) para o prédio identificado em 2); 13.2 Tal caminho sempre esteve bem visível no local, designadamente através da entrada identificada pela abertura referida em 13.1 e visível a fl.s 71, com 2,5 metros, no muro de pedra do prédio identificado em 5), caminho esse com o leito em piçarra e terra, e ainda através da existência da rampa descendente, identificada em 10), no final desse caminho.

13.3 A abertura, caminho e sinais identificados em 13.1 e 13.2 sempre estiveram bem visíveis no local e mantiveram-se durante todo o tempo em que os prédios pertenciam aos mesmos proprietários.

14.1 Desde o ano de 2007, os Réus iniciaram uma série de actos tendentes a dificultar e obstaculizar a utilização do caminho referido em 13.1 e 13.2, nomeadamente, colocaram uma cancela de madeira na entrada do caminho e, posteriormente, construíram muro naquele local e retiraram as condutas circulares de cimento que o rampeavam no local onde os prédios confinam entre si.

  1. Para a reposição do acesso ao prédio dos autores, será necessário reabrir a entrada do caminho, através da retirada desse espaço de muro, de modo a que esta fique com a mesma largura que possuía e rampear o terreno no local onde os dois prédios confinam.

  2. Para tal é suficiente o prazo de 8 dias.

  3. São pressupostos da constituição da servidão por destinação de pai de família: a) Que dois prédios ou duas fracções do mesmo prédio tenham pertencido ao mesmo dono; b) Que os prédios ou fracções do prédio se separem quanto ao seu domínio; c) Que não haja no documento respectivo nenhuma declaração oposta à constituição do encargo; d) Que haja sinal ou sinais visíveis e permanentes que revelem serventia de um para o outro.

  4. Os pressupostos referidos em a) e b) encontram-se demonstrados pela matéria constante dos pontos 2) a 7) dos factos provados.

  5. O pressuposto referido em c) resulta demonstrado pela matéria inserta no ponto 14) dos factos provados.

  6. Desde logo, resulta demonstrado: - Primeiro: A existência das aberturas descritas em 10) e 13) dos factos provados, de modo visível e permanente, durante todo o tempo em que os prédios pertenceram aos mesmos proprietários; - Segundo: Que as mesmas eram utilizadas quer pelos pais de A. e R., quer por trabalhadores por eles contratados para acederem e fabricarem o prédio que hoje pertence aos Recorrentes. Cfr. factos provados 10) e 13) dos factos provados e segundo parágrafo da página 14 da sentença.

  7. Da matéria referida em 5, conjugada com a demais matéria dada como provada, já resultaria demonstrado o pressuposto referido em d) supra: a existência de sinal ou sinais visíveis e permanentes que revelem serventia de um para o outro.

  8. Porém, sem prescindir: a testemunha J. P., cuja credibilidade não foi colocada em causa pelo Tribunal, afirmou no seu depoimento o seguinte: … … … (cfr. minutos 03m03 a 06m16; 06m52 a 07m04; 09m25 a 13m10; 13m48 a 14:40; 16m47 a 17m00; 18m18 a 18m45; 18m45 a 19m20; 23m18 a 23m40 do depoimento).

  9. O Tribunal a quo, que não colocou em causa a credibilidade desta testemunha, concluiu erradamente que o caminho por ela descrito “manifestamente não tem correspondência com o caminho alegado pelos autores”, na medida em que a testemunha terá declarado que entrava “na parte de cima” do prédio identificado em 5), através da abertura retratada a fl.s 47 e “que depois seguia junto à extrema que separa os dois campos”, sendo que, conclui-se na sentença, “o caminho alegado pelos autores não se desenha junto à extrema que separa o terreno hoje pertença do autor e o terreno hoje pertença da ré.” – cfr. primeiro e segundo parágrafos da página 10 da douta sentença recorrida.

  10. Ouvindo as passagens acima assinaladas do depoimento da testemunha – ou, caso entendam por bem, até todo o seu depoimento – facilmente se constatará que a testemunha, quando afirmou que seguia junto à extrema, não se referia à extrema que separa os prédios de A. e R., mas antes à extrema que separa o prédio que hoje pertence à R. do prédio de um terceiro, um vizinho, ou seja, o prédio que se situa do lado Poente do caminho de servidão alegado pelos Recorrentes (cfr. mapa junto como doc. n.º 5 com a petição inicial).

  11. Visualizando o documento n.º 1 junto com a réplica, a testemunha referiu expressamente que a extrema junto à qual seguia é a “divisória entre os dois vizinhos” (cfr. minutos 12:58 a minutos 13:10 do depoimento da testemunha).

  12. O depoimento desta testemunha não permite sequer a interpretação feita pela M.ma Juiz a quo, pois a testemunha afirmou expressamente que entrava na “parte de cima” do prédio identificado em 5) dos factos provados, “junto à extrema” (cfr. minutos 03:42 a 04:01 do depoimento da testemunha), tendo depois identificado que a entrada a que se refere é a retratada no doc. n.º 1 da réplica (cfr. minutos 10:44 a 11:34 do depoimento da testemunha) 12. Os prédios descritos em 2) e 5) dos factos provados não confinam nesse local, pelo que nunca a testemunha poderia estar a referir-se a uma extrema que separa os prédios de AA. e RR., mas antes à extrema que separa e divide o prédio que pertence aos Recorridos do prédio que pertence a um terceiro, “o vizinho” a que a testemunha se refere.

  13. Escreve-se na douta sentença recorrida que a testemunha M. R., que referiu conhecer os prédios em questão por ter trabalhado no prédio que hoje pertence ao Recorrido e que, pese embora tenha descrito o local por onde entrava no prédio que hoje pertence...

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