Acórdão nº 19/20.5T8PTB.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 01 de Outubro de 2020

Magistrado ResponsávelJOAQUIM BOAVIDA
Data da Resolução01 de Outubro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães (1): I – RELATÓRIO 1.1. L. L.

e mulher, V. A., instauraram procedimento cautelar de ratificação de embargo de obra nova contra M. M., alegando, em síntese, que são donos do imóvel identificado no artigo 1º da petição e que o logradouro desse prédio confina a norte com um prédio pertencente ao Requerido e com o denominado “Largo C” – sendo que entre ambos existe o denominado “Caminho do Cemitério” –, e que aquele iniciou uma obra de construção de uma casa de habitação no seu prédio ampliando a respectiva área coberta – e acrescentando-lhe um andar – até ao limite norte do prédio de que os requerentes são donos, obra essa que prejudica quer a entrada para este prédio, quer a estética do mesmo.

Mais alegam que a parede em tijolo agora erigida pelo Requerido no seu prédio contém uma abertura que não existia e que tudo indica vir a constituir uma janela que ficará a menos de 1,5 m de distância da sua propriedade, e que a distância deixada entre os dois prédios, ao longo do lado norte do prédio identificado no artigo 1º da petição, é de apenas 38 cm, o que levará, provavelmente, a que a água da chuva que caia no telhado pingue directamente para a dita propriedade dos Requerentes.

Alegam ainda que no passado dia 18.01.2020, pelas 15 horas, embargaram extrajudicialmente a obra em causa.

Terminam requerendo a ratificação do aludido embargo extrajudicial, ordenando-se a imediata suspensão da obra.

*O Requerido deduziu oposição, onde concluiu pela improcedência do procedimento cautelar.

Sustenta que a obra está a ser construída nos limites do seu prédio, sendo certo que a mesma não estreita ou prejudica a entrada dos Requerentes no seu prédio ou mesmo a estética deste último.

Alega ainda que a abertura existente na parede sul da obra em construção levará blocos de vidro fosco para permitir apenas a entrada de claridade para o interior da habitação, e que a quelha onde tal parede foi erigida tem largura suficiente para receber as águas das chuvas através do telhado e que, por conseguinte, as mesmas não pingarão para o prédio dos Requerentes.

*Realizada a audiência final, foi proferida decisão a julgar improcedente o procedimento cautelar e, em consequência, não ratificar o embargo de obra nova.

*1.2.

Inconformados, os Requerentes interpuseram recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões: «1. O MM. juiz do tribunal de que se recorre julgou improcedente o procedimento cautelar de embargo de obra nova, e em consequência não ratificou judicialmente o embargo.

  1. Em suma, por considerar que os factos sumariamente apurados não permitem concluir que a obra em curso cause ofensa ao direito de propriedade de que os recorrentes são titulares relativamente ao prédio identificado em 1.º do elenco dos factos indiciariamente provados.

  2. Dispõe o artigo 397 n.º 1 do CPC que “ Aquele que se julgue ofendido no seu direito de propriedade, singular ou comum, em qualquer outro direito real ou pessoal ou na sua posse, em consequência de obra, trabalho ou serviço novo que lhe cause ou ameace causar prejuízo, pode requerer dentro de 30 dias a contar do conhecimento do facto, que a obra, trabalho ou serviço seja mandado suspender imediatamente” 4. Ficou demonstrado em sede de audiência de discussão e julgamento que o local onde a parede /Norte que foi construída pelo requerido não é propriedade dos recorrentes; 5. Mas sim pertence ao domínio público; razão pela qual não são proprietários; 6. A construção erigida pelo requerido “ocupa” o caminho publico que os requerentes vinham utilizando há mais de 10, 20 e 30 anos em toda a sua extensão, incluindo o local onde agora está construída a parede objeto dos presentes autos.

  3. E embora os requerentes não detenham o direito de propriedade nos termos supra referidos, Em bom abono da verdade sempre ficou demonstrado que; 8. O prédio dos Embargantes, há mais de 20, 30, 50 e 60 anos, tem acesso independente àquela via pública onde o requerido fez a construção ora embragada, através de um portão em ferro, ladeado por dois pilares em pedra, e que liga diretamente com esse caminho público.

  4. Tal portão em ferro colocado no prédio dos embargantes conduz directamente ao caminho público e “Largo C”, que existe há pelo menos 50 anos, o qual há muito é usado pelos aqui Recorrentes, bem como por outras casas vizinhas que se servem de tal caminho, encontrando-se este em bom estado de conservação, em toda a sua extensão, inclusive no local onde o requerido construiu a parede paralela ao “Largo C” e/ou caminho do cruzeiro.

  5. As mais recentes interpretações restritivas feitas pelo Supremo Tribunal de Justiça ao Assento deste Tribunal de 19 de abril de 1989, hoje com valor de Acórdão de uniformização de jurisprudência, e segundo o qual “são públicos os caminhos que desde tempos imemoriais estão no uso direto e imediato do público”, têm considerado que está preenchido o requisito da imemorialidade, para efeitos de classificação de um caminho como público, desde que o uso deste ocorra há mais de 50 ou 60 anos - conforme explanado nos Acórdãos de 13 de janeiro de 2004, Proc. 03A3433, disponível em www.dgsi.pt. de 8 de maio de 2007, Proc. 07A981, disponível em www.dgsi.pt, de 14 de fevereiro de 2012, Proc. 295/04.OTBOFR.C1.S1, disponível em www.stj.pt. e de 18 de setembro de 2014, Proc. 44/1999.E2.S1, disponível em www.stj.pt.

  6. Ficou provado, repita-se, que o caminho onde o requerido erigiu uma parede do lado Norte (tendo por referência o largo da aldeia) invade-o na sua largura! 12. O caminho existe há pelo menos 50 anos, é de utilização pública, há muito usado pelos aqui Recorrentes em toda a sua extensão, bem como pelos vizinhos, que ali têm as suas moradias.

  7. E o uso das expressões de que tal caminho existe “há pelo menos 50 anos” e que “há muito são usados pelos Recorrentes, bem como por outras casas vizinhas que se servem de tal caminho” pretende significar que as pessoas se lembram da utilização de tal acesso, pelo público, pelo menos desde há 50 anos, constituindo estes 50 anos o limite mínimo de tempo de utilização pública que os vivos recordam e já não um limite máximo que é ignorado por ser desconhecido.

  8. Destarte, na saída do logradouro do prédio dos recorrentes, pelo lado norte, o portão colocado por estes, conduz diretamente a tal caminho, que, em face da matéria dada por provada na instância, para além de ser um caminho de utilização pública é usado há pelo menos 50 anos, significando estes 50 anos um limite mínimo de utilização que o leva a considerar com um uso imemorial.

    Acresce que, não se concebe que: 15. O Meritíssimo juiz do tribunal “A Quo” tenha dado como não provado que: - “Tal ampliação prejudica a entrada dos requerentes no prédio referido em 1, estreitando-a” 16. Resulta claro das fotografias juntas pelo requerido (designadamente fotografia n.º 4) que a entrada dos requerentes ficará com a presente obra mais estreita.

  9. O que cai no âmbito do direito privado.

  10. E ainda que se concebesse que não estariam preenchidos os requisitos para que fosse decretado a providência cautelar de embargo de obra nova; sempre o MM. Juiz poderia e deveria fazer uso do disposto no artigo 376 n.º 3 do CPC; 19. Que preceitua que “O tribunal não está adstrito à providência concretamente requerida…….” 20. Nestes termos o MM. Juiz do tribunal de que se recorre, poderia e deveria convolar o procedimento cautelar de embargo de obra nova, num procedimento cautelar comum, previsto no artigo 362 do CPC.

  11. Por se encontrarem preenchidos os requisitos do mesmo; Assim, 22. Dispõe o artigo 362 n.º 2 do CPC que: “sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efetividade do direito ameaçado” 23. O procedimento cautelar comum tem como pressuposto o periculum in mora (perecimento do direito pelo decurso do tempo).

  12. A continuação da obra por parte do requerido leva a que o direito que assiste aos recorrentes pereça com o decurso do tempo; 25. Designadamente o uso da entrada privada sita a Norte com camiões para descarregar material para o café/mercearia em toda a sua extensão; 26. E a utilização do caminho em toda a sua largura….

  13. Exige-se como segundo pressuposto o fumus bonis júris (probabilidade séria da existência do direito).

  14. Existe o direito de propriedade dos Recorrentes quanto ao uso da entrada em toda a sua extensão, como o vem fazendo há mais de 20, 30 anos! 29. O que se prova facilmente pelos documentos fotográficos juntos aos autos! 30. E por último o summaria cognitio (conhecimento sumário pelo tribunal).

    Nestes termos e nos demais de direito que V. (s) Exa.(s) doutamente suprirão, deverá o presente recurso ser julgado procedente e em consequência...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT