Acórdão nº 7875/16.0T8VNF-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 01 de Outubro de 2020
Magistrado Responsável | EVA ALMEIDA |
Data da Resolução | 01 de Outubro de 2020 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I – RELATÓRIO Por apenso aos autos de execução, para pagamento de quantia certa, que o Banco … S.A move a M. C. e mulher, G. P., vieram estes, separadamente, deduzir embargos à execução, com os seguintes fundamentos: O embargante M. C., alega em síntese: – Reconhece ter alienado o imóvel hipotecado e que na cláusula 9º do contrato se prevê, que, nessa hipótese, o credor poderá executar a hipoteca. Contudo tal clausulado era por si desconhecido, uma vez que faz parte de documento complementar à escritura, de que não dispõe do original, nem de qualquer cópia, nem foi temática abordada pelo funcionário bancário, aquando da contratação do mútuo, convencendo-se de que, desde que mantivesse o pagamento pontual das prestações, poderia dispor do imóvel, desde que a parte adquirente aceitasse o ónus que sobre ele incide.
– Tal alienação em nada prejudicou o credor, estando o mútuo acordado a ser integral e pontualmente pago.
– A alienação (dação em cumprimento) deveu-se a ter padecido de doença de que resultou ter ficado com a incapacidade permanente global de 64%. Nesse período a sociedade de que era sócio foi declarada insolvente. Face às dificuldades económicas, que então atravessava, teve de recorrer à ajuda do seu filho P. R., também executado nos presentes autos (beneficiário da dação em cumprimento) – O imóvel hipotecado continuou a ser habitado pelos mutuários e aqui executados, dele cuidando como se lhes pertencesse; os seguros multirriscos e vida, indexados ao mútuo, de igual forma continuaram a ser pagos; a prestação mensal bem como as despesas conexas ao contrato de mútuo continuaram a ser integralmente pagas, mantendo-se inalteradas todas as demais condições contratuais.
– Conclui que, o credor hipotecário não viu a sua garantia diminuída por esta alienação nem a expectativa, que tem, de receber com juros o valor mutuado em 245 prestações mensais, foi posta em causa.
– Sem prescindir, invoca que a situação de doença e consequentes dificuldades económicas que atravessou, constitui uma alteração anormal das circunstâncias em que contratou, que, no seu entender, justificam a modificação do contrato no sentido da supressão da cláusula nona do documento complementar ao mútuo com hipoteca.
*A embargante G. P. , aderindo aos embargos apresentados pelo seu marido alega ainda: – A exequente não resolveu o contrato, pois continuou a debitar na conta bancária associada ao crédito, a prestação mensal que se vence a 25 de cada mês, juntamente com seguro de vida associado e demais despesas de processamento.
– Contactado o balcão sobre o teor da carta e o que se acabou de dizer no artigo anterior, um funcionário da exequente referiu à executada que não se devia preocupar, que o crédito iria continuar normalmente e não tinham qualquer indicação de que este contrato fora resolvido.
– Até à presente data, em todos os dias 25 dos meses subsequentes, a referida prestação mensal tem sido integral e pontualmente paga pela executada no preciso dia do seu vencimento, por débito directo na sua conta D.O.
– Assim o contrato encontra-se em vigor (não foi, portanto, efectivamente resolvido) e como tal, não pode o documento autêntico, que serve de base à presente acção, servir como título executivo, ocorrendo manifesta inexequibilidade do título dado à execução, nos termos dos artigos 703º, nº 1, al. b) e 707º do CPC, que, desde já, deverá ser declarada com a consequente extinção da presente demanda.
*A exequente embargada apresentou contestação, nos dois apensos, defendendo, em síntese: – O executado embargante M. C., em relação ao mútuo com hipoteca dado em execução, interveio na respectiva escritura pública, que outorgou na qualidade de comprador e mutuário, da mesma constando que foi lida aos outorgantes e aos mesmos explicado o seu conteúdo. Mais disseram e declararam no referido acto e título notarial, os aqui embargantes e aí quartos outorgantes, “que conhecem perfeitamente o conteúdo do referido documento complementar, pelo que dispensam a sua leitura”. Ora, a escritura em causa é documento autêntico, porque exarado por notário (cfr. nºs 1 e 2 do artigo 363º do Código Civil), pelo que faz prova plena dos factos que refere, por ocorridos perante o notário (nº 1 do artigo 371º do Código Civil), sendo que a sua força probatória só pode ser elidida com base na sua falsidade. Assim, está plenamente provado que os embargantes conheciam perfeitamente o estipulado e convencionado na cláusula nona desse documento complementar onde consta: “A presente hipoteca poderá ser executada: b) se o imóvel ora hipotecado vier a ser alienado, onerado, arrendado, total ou parcialmente, objeto de arresto, execução ou qualquer outro procedimento cautelar ou ação judicial, casos em que se consideram igualmente vencidas e exigíveis as obrigações que assegura”.
– Os pagamentos parciais e não prestações, realizados mensalmente pelos executados, não fazem o incumprimento contratual extinguir-se, nem extinguem a divida, já que não representam um cumprimento pontual e integral do valor em dívida, no montante de € 39.027,57 de capital não amortizado, acrescido dos juros e demais encargos, tal como o peticionado no requerimento executivo.
– Em processo executivo, confinado aos limites do título – escritura pública – não cabe a modificação dos contratos segundo juízo de equidade, e, ainda menos, a sua resolução prevista no artigo 437ºdo C.C.
– Contudo e sem prescindir, sempre se dirá que nunca o caso dos autos poderá prefigurar uma situação de resolução ou modificação por alteração anormal das circunstâncias em que as parte fundaram a decisão de contratar, pois a alegada doença não é uma circunstância anormal, nem imprevisível e está coberta pelos riscos do contrato.
*Os embargos dos executados, que haviam sido autuados em apensos distintos, na sequência de despacho proferido neste apenso A passaram a ser tramitados em conjunto neste apenso.
Proferiu-se despacho saneador, onde se afirmou a validade e regularidade da instância.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento e proferiu-se sentença em que se decidiu pela total improcedência dos embargos*Inconformada, a embargante G. P. interpôs o presente recurso, que instruiu com as pertinentes alegações, em que formula as seguintes conclusões: «I - A Recorrente não se conforma com a douta sentença que julgou improcedente a exceção de inexistência de título executivo e considerou a atuação do Banco Exequente como não enquadrável no instituto do abuso de direito; II – crê que os extratos juntos aos autos demonstram cabalmente a...
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