Acórdão nº 5397/18.3T8BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 22 de Outubro de 2020
Magistrado Responsável | MARIA JOÃO MATOS |
Data da Resolução | 22 de Outubro de 2020 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam, em conferência (após corridos os vistos legais) os Juízes da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, sendo Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos; 1.º Adjunto - José Alberto Martins Moreira Dias; 2.º Adjunto - António José Saúde Barroca Penha.
*ACÓRDÃO I - RELATÓRIO 1.1.
Decisão impugnada 1.1.1. X - SGPS, Limitada, com sede na Rua …, união de freguesias de .../.../..., em Braga (aqui Recorrente), propôs a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra Y - Comunicação, Informação e Consultadoria Financeira, Limitada, com sede na Rua …, Edifício ..., freguesia de …, em Vila Verde (aqui Recorrida), pedindo que (já após articulado de aperfeiçoamento, e no que ora nos interessa, por constituir o remanescente objecto do processo): · fosse declarada a nulidade, por simulação, de um alegado negócio de cessão de quotas, celebrado por si com a Ré, tendo por objecto a alienação a esta da sua participação social em W SGPS, Limitada; · se ordenasse a alteração ao registo comercial de W SGPS, Limitada (concretamente, da inscrição 4, por força da qual se registou a cessão de quotas referida, ficando a sua participação social inscrita em nome da Ré).
Alegou para o efeito, em síntese, ter constituído com a Ré (Y - Comunicação, Informação e Consultadoria Financeira, Limitada) e com K - Soluções Aplicadas em Geologia, Hidrogeologia e Ambiente, Limitada, em 06 de Setembro de 2011, W SGPS, Limitada, cada uma delas com uma quota de € 10.000,00; e, no ano de 2013 (por divergências surgidas entre o seu legal representante e os representantes legais da terceira sócia) ter cedido pretensamente a sua participação social à Ré, por negócio celebrado em 21 de Novembro de 2013 (como forma de assegurar alguma paz social em W SGPS. Limitada).
Mais alegou que, tendo sido o dito negócio de cessão de quotas simulado, não só não lhe foi pago o preço declarado de € 10.000,00, como elaborou na mesma data com a Ré (Y - Comunicação, Informação e Consultadoria Financeira, Limitada) um outro documento, salvaguardando os seus direitos sociais na W SGPS, Limitada (nomeadamente, de acompanhar e influenciar a sua actividade, de participar nas suas assembleias gerais, emitindo a sua opinião e sentido de voto, e de quinhoar nos lucros respectivos).
Por fim, a Autora (X - SGPS, Limitada) alegou que, tendo o dito acordo sido cumprido até 2018, e tendo-se o seu representante legal mantido como gerente de W SGPS, Limitada até 14 de Setembro de 2018, viria a ser destituído de tal cargo por deliberação promovida pela Ré (Y - Comunicação, Informação e Consultadoria Financeira, Limitada), que passou ainda a reclamar-se junto de terceiros como exclusiva detentora de dois terços do capital social da mesma Sociedade, tudo isto após aquela ter celebrado um negócio que lhe poderá vir a render alguns milhões de euros.
1.1.2.
Regularmente citada, a Ré (Y - Comunicação, Informação e Consultadoria Financeira, Limitada) contestou, pedindo (e no que ora nos interessa) que a acção fosse julgada totalmente improcedente, sendo ela própria absolvida do pedido.
Alegou para o efeito, em síntese, ser real e verdadeiro o negócio de cessão de quotas havido, inexistindo qualquer acordo simulatório que lhe estivesse subjacente, o qual mas se compreenderia já que: o legal representante da Autora (X - SGPS, Limitada) se manteve durante anos como gerente de W SGPS, Limitada (o que obstaria à alegada paz social pretendida com a aparente cessão de participação social), precisamente por merecer a confiança da inicial terceira sócia; nunca durante cinco anos foi dado cumprimento ao documento que, depois de assinarem a escritura de cessão de quotas, subscreveram, nem a Autora o exigiu; e um tal acordo nunca a vincularia, por falta de poderes vinculativos para o efeito do seu sócio gerente, o que a Autora conhecia.
Mais alegou que o dito documento surgiu apenas a pedido da Autora (X - SGPS, Limitada), já que alegadamente lhe interessaria demonstrar perante terceiros que mantinha interesses em W SGPS, Limitada.
A Ré (Y - Comunicação, Informação e Consultadoria Financeira, Limitada) impugnou, assim, tudo o que em contrário fora aduzido pela Autora.
1.1.3.
A Autora (X - SGPS, Limitada) respondeu, reiterando o seu pedido inicial.
Alegou para o efeito, em síntese, ser o gerente da Ré (Y - Comunicação, Informação e Consultadoria Financeira, Limitada) que assinou o documento adicional à escritura de cessão de quotas detentor de 91% do seu capital, sendo a outra sócia pessoa da sua confiança e sem qualquer intervenção na vida societária; e poder o dito gerente assumir qualquer negócio em nome da Ré, uma vez que em assembleia geral garantiria a aprovação de qualquer deliberação.
1.1.4.
Foi proferido despacho: fixando o valor da causa em € 10.000,00; saneador (certificando a validade e a regularidade da instância); identificando o objecto do litígio («A simulação do negócio de cessão de quotas de que era titular a X - SGPS, S.A. à Y, Lda. datado de 21/11/2013») e enunciando os temas da prova («Saber se existiu um acordo simulatório entre Autora e Ré, em a primeira declarou ceder e a segunda declarou comprar, quando na verdade não o quiseram fazer», «Saber se existiu divergência entre a vontade real e vontade declarada de Autora e da Ré, conhecendo-a ambas e querendo propositadamente emitir a vontade declarada com essa divergência», «Saber se existiu intenção de enganar (e de prejudicar) terceiros, máxime, a outra sócia K, Lda.»); apreciando os requerimentos probatórios das partes e designando dia para realização da audiência final.
1.1.5.
Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, julgando a acção totalmente improcedente, lendo-se nomeadamente na mesma: «(…) IV. Decisão: Nestes termos e pelos fundamentos expostos, decido julgar improcedente a acção e, consequentemente, absolvo a Ré do pedido.
Custas a cargo da Autora.
(…)»*1.2. Recurso 1.2.1. Fundamentos Inconformada com esta decisão, a Autora (X - SGPS, Limitada) interpôs o presente recurso de apelação, pedindo que o mesmo fosse julgado procedente e se revogasse a sentença recorrida.
Concluiu as suas alegações da seguinte forma (aqui se reproduzindo as respectivas conclusões ipsis verbis): 1.
A sentença recorrida considerou não provado o facto c): “A Ré não tenha pago qualquer preço à Autora pela cessão de quota”.
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A decisão teve por base alegação da Recorrida de que efectuou o pagamento da quota em dinheiro.
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Esta alegação não merece credibilidade por um conjunto de motivos: a soma de 10 mil euros é elevada; A. M., gerente da Recorrida, é Economista, foi Assistente universitário e administrador de um banco, de uma seguradora e da NG. durante cerca de 40 anos, não sendo compatível com a sua experiência que efectuasse um pagamento em numerário, além de que sabe que tal pagamento seria ilegal por violação do art. 63º-C/nº 3 da LGT.
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O perfil e experiência profissional de A. M., aliados ao valor em causa, e apenas numa óptica de ponderação das regras da experiência comum, já seriam suficientes para dar como provado que não houve qualquer pagamento.
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Pelo requerimento ref.ª 34518758 a Recorrida juntou documentação alegadamente comprovativa do pagamento do preço: tal documentação, aliada ao depoimento do TOC da Recorrida, só reforçaram o nosso entendimento de que se provou abundantemente nos autos que nenhum pagamento foi feito.
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O extracto da contabilidade junto intitulado “Diário (1)” menciona um negócio efectuado a 23.11, sem indicação do ano (com o número 10009), tendo como data de registo 01.01.2017.
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O extracto da conta ……00 mostra o lançamento nº 10009 com a data de 01.01.2017, mas o lançamento 10001 (o primeiro do mês de Janeiro de 2017) tem a data de 18.01.2017, ou seja, o lançamento da suposta cessão de quotas, que deveria ser o nono do mês, foi o primeiro.
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Na IES de 2016, que tem por referência o ano de 2015, já consta a suposta aquisição da quota, isto é, ainda antes do lançamento na contabilidade a 01.01.2017.
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A testemunha M. F., TOC da Recorrida, nas passagens transcritas refere, em resumo, o seguinte: - teve conhecimento do negócio em 2013 mas só lhe facultaram o contrato em 2018; - registou em 01.01.2017 porque em 2018 ainda não tinha fechado as contas de 2017; - perguntado porque na IES de 2016 constava o negócio que só recebera o documento em 2018, respondeu que se tratava de um lapso.
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Do depoimento desta testemunha impõe-se retirar algumas conclusões extraordinárias, que bem atestam a total falta de credibilidade da contabilidade da Recorrida, a saber: - O TOC refere ter conhecimento da situação em 2018, mas regista o facto em 2017; - O TOC atribuiu a lapso (!) em 2016 ter declarado um facto de 2013 mas que em simultâneo alega só ter conhecido em 2018.
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Não existe uma ponta de credibilidade na alegação da Recorrida: A. M., gerente da Recorrida, profissional de topo da banca ao longo de 40 anos, comunica ao TOC em 2013 o negócio mas não entrega o contrato, que entrega em 2018, alegando ter pago 10 mil euros em dinheiro.
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A análise da prova documental e testemunhal, conjugada com as regras da experiência comum, impunham decisão diversa – manifestamente não só a Recorrida não provou que fez o pagamento em dinheiro como os documentos juntos e o depoimento atrapalhado do TOC atestam, ao invés, que não houve qualquer pagamento; houve, sim, uma tentativa de branquear a situação (para usar uma palavra tão querida aos profissionais da banca), colocando pó de arroz na contabilidade para parecer mais bonita e “direitinha”.
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Ao abrigo do disposto no artigo 662º do CPC, e tendo presente o segmento do depoimento transcrito da testemunha M. F., conjugado com a prova documental referenciada, deve ser suprimido o facto não provado c), por erro de julgamento de facto, com o aditamento do seguinte facto provado: “A Recorrida não pagou à Recorrente o preço da cessão de quotas”.
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A sentença recorrida considerou não provados os factos a), b), d), e), f), g), h) e...
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