Acórdão nº 2216/19.7T8BCL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 22 de Outubro de 2020

Magistrado ResponsávelMARIA DA CONCEIÇÃO SAMPAIO
Data da Resolução22 de Outubro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

I – RELATÓRIO O Ministério Público, em representação dos menores A. M. e R. M., veio deduzir contra R. J. incidente de Incumprimento do Exercício das Responsabilidades Parentais.

Para tanto alegou, em síntese, que o Requerido, no período compreendido entre outubro de 2011 e a data da propositura da ação (13.09.2019), não cumpriu a obrigação de alimentos fixada a favor dos menores, no valor de 75€ por mês por cada menor – a atualizar anualmente, a partir de janeiro de 2012 de acordo com os índices de inflação publicados pelo INE – encontrando-se em dívida, aproximadamente, o montante de 14.400€.

*O requerido foi notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 41º, nº 3, in fine, do R.G.P.T.C..

Apresentou alegações com os fundamentos de fls. 23 e ss., sustentando, em síntese, que pese embora requerente e requerido se tenham divorciado em 27.09.2011, certo é que o divórcio em nada alterou a relação que sempre existiu entre ambos. Continuaram a partilhar a casa onde sempre viveram, fazendo as refeições em família e partilhando a mesma cama, vivendo em união de facto até agosto de 2019.

Ao longo dos últimos anos (desde 2011 até agosto de 2019) foi o requerido que com o dinheiro fruto do seu salário pagou o empréstimo bancário referente à aquisição da casa de morada de família, seguros de saúde, a água, luz, gás e telefone da casa de morada de família, os telemóveis, as explicações e material escolar de todos os filhos, sendo uma estudante universitária.

Sempre viveram em economia comum, nunca se tendo colocado entre o casal a questão da entrega física de dinheiro. De resto, as despesas pagas pelo requerido sempre foram de montante superior, tendo muitas vezes tido a necessidade de fazer horas extra face às despesas do seu agregado familiar, composto pela requerente e quatro filhos.

Junta documentos com que pretende demonstrar a realização das referidas despesas.

*Foi realizada a conferência de pais a que alude o art.º 41º, n.º 3 do RGPTC, sem que tivesse sido possível a obtenção de acordo.

*Requerido e a progenitora apresentaram alegações.

O requerido reiterou a posição assumida nas alegações inicialmente apresentadas.

A progenitora, para além de secundar o alegado pelo Ministério Público no requerimento inicial, liquidando em 15.098,46€ o montante em dívida, defende que o divórcio se consubstanciou numa efetiva separação do casal. Continuou a residir na mesma habitação que o requerido, fazendo, todavia, refeições em separado e deixando de partilhar o mesmo leito.

Relacionavam-se em separado com os filhos, passando férias e dias festivos separados, ausentando-se um e outro sem dar explicações e pagando cada um as suas contas.

No que se refere aos documentos apresentados pelo requerido, pronuncia-se sobre a generalidade deles, dizendo que, ou traduzem despesas que nada têm a ver com os menores, ou se reportam a despesas efetuadas em data anterior ao divórcio, ou traduzem despesas que estão a ser reclamadas pelo requerido no processo de inventário, ou traduzem despesas insignificantes ou traduzem despesas suportadas por si e não pelo requerido.

*Após julgamento foi proferida sentença que reconhecendo que, no caso, a exigência de alimentos contraria princípios de boa-fé e lealdade considerou não verificado o incumprimento e, em consequência, julgou improcedente o incidente e absolveu o requerido do pedido.

*Inconformada com a sentença, veio a progenitora recorrer, formulando as seguintes conclusões: 1.ª - Nos presentes autos encontra-se em discussão um incidente de incumprimento das Responsabilidades Parentais deduzido contra o recorrido relativamente aos menores, A. M. e R. M., nomeadamente o não pagamento da pensão de alimentos devida a estes dois menores no período compreendido entre Outubro de 2011 e a data da propositura da ação.

  1. - O Tribunal a quo decidiu pela improcedência do presente incidente de incumprimento e absolveu o recorrido do pedido, considerando o tribunal a quo que não está em causa a extinção da obrigação de alimentos, por compensação, mas apenas o reconhecimento de que a sua exigência contraria os princípios de boa-fé e lealdade, na modalidade da supressio.

  2. - A recorrente, salvo o devido respeito e melhor opinião em contrário, discorda da douta sentença recorrida, entendendo que a mesma padece de vícios, insurgindo-se contra a matéria de facto dada como provada e não provada, pois que perscrutando-se a matéria de facto e bem assim a matéria de direito excelsiamente vertida na sentença, julga-se respeitosamente não se poder concordar com o elenco dos factos provados/não provados e que influirá na decisão tomada, bem como na aplicação do direito ao caso, nomeadamente da prova produzida em audiência de discussão e julgamento não resultou provado o facto constante do ponto H) da matéria de facto dada como provada por produção de prova, devendo antes este facto ser considerado como não provado.

  3. - A sentença padece de um erro de julgamento, no que toca a este facto, porquanto, contrariamente ao que o tribunal a quo considerou provado, resultou antes amplamente demonstrado que o recorrido e a recorrente não repartiram os encargos da vida em comum, nomeadamente e quanto às despesas havidas com os menores, as despesas com alimentação, vestuário, calçado, as despesas escolares e de saúde dos menores, pois estas foram exclusivamente suportadas pela recorrente, repartindo ambos somente os encargos com os consumos de electricidade, água e gás, com o serviço de televisão e internet ou com a manutenção do veículo automóvel.

  4. - Assim, cumprindo o ónus de impugnação da matéria de facto como lhe compete, a apelante procedeu, no concreto ponto de facto que considerou incorrectamente julgado, à demonstração dos concretos meios probatórios constantes do processo e registo em gravação nela realizada, que impõe decisão sobre o ponto da matéria de facto impugnado diverso da recorrida e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre a questão de facto impugnada.

  5. - Assim, de acordo com o depoimento da aqui recorrente, L. M., e supra referido e transcrito no corpo da motivação, depoimento que se mostrou isento, espontâneo e credível, resultou que depois do divórcio continuou a viver na mesma habitação que o recorrido, pois por dificuldades económicas não foi possível a nenhum dos dois abandonarem aquela residência, sendo que tal situação ficou estipulada no próprio processo de divórcio.

  6. - A aqui recorrente sempre insistiu com o recorrido para que colocassem a casa à venda para resolverem o problema, ou até que este último abandonasse a residência, pois para ela era muito mais difícil por causa dos filhos (quatro), o que nunca foi aceite por este, chegando a recorrente, perante a recusa do recorrido em abandonar a habitação, a ir com as suas filhas mais velhas, junto da Câmara Municipal de …, no sentido de conseguir arrendar uma casa com ajuda, mas sem sucesso.

  7. - Mais referiu a recorrente que ao longo de vários anos, no interior daquela residência, existiram situações de violência doméstica do recorrido contra si e até para com os seus filhos, encontrando-se em curso processo de violência doméstica e o recorrido já acusado pelo crime de violência doméstica - Processo n.º 966/19.7GBBCL, sendo que por esta situação nunca a recorrente exigiu o pagamento da quantia de alimentos devida aos menores.

  8. - Pelo menos desde 27 de Setembro de 2011, encontram-se a recorrente e o recorrido divorciados, partilhando os dois a partir daquela data unicamente a mesma casa, fazendo, contudo, vidas separadas, não dormindo juntos ou fazendo as refeições em conjunto.

  9. - Sempre foi a recorrente quem assumiu as despesas relacionadas com os menores, alimentação, vestuário, saúde e educação, sem nunca o recorrido ter contribuído para o efeito, sendo esta quem se ocupava e ocupa dos filhos, quem cuidava e cuida deles, providenciando sempre para que nada lhes falte ao contrário do recorrido.

  10. - Já quanto aos consumos de eletricidades, gás, água e serviços de telecomunicações e televisão eram pagas ora pela recorrente ora pelo recorrido, o mesmo sucedendo com algumas despesas de educação dos menores (por exemplo, manuais escolares ou explicações) ou mesmo com a manutenção e seguros do veículo.

  11. - Quando os filhos precisavam de alguma coisa recorriam sempre à mãe e nunca ao pai, até porque o pai sempre foi um marido e pai muito ausente sempre dedicando o seu tempo ao clube de futebol andorinhas.

  12. - Relativamente às despesas de saúde da família ficou demonstrado que era a recorrente quem as suportava, nunca usufruindo de qualquer seguro de saúde, sendo que relativamente ao empréstimo X e obras na casa de morada de família resultou amplamente demonstrado que nunca existiram, motivo pelo qual foram ambas as despesas consideradas e bem como não provadas pelo tribunal a quo.

  13. - Referiu a recorrente que exercia a profissão de cabeleireira, de onde retirava cerca de 700 € a 800 € por mês, que não era certo, que dependia dizendo que uns meses podia retirar mais dinheiro da sua actividade, referindo, inclusive, por várias vezes, que não tinha um ordenado fixo.

  14. - O tribunal a quo para descredibilizar o depoimento da recorrente nesta parte, atendeu ao facto da filha, J. F., ter referido que a mãe despendia cerca de 200 € por semana em alimentação, mas analisado o depoimento desta testemunha conclui-se que não foi bem isto o referido por ela.

  15. - Assim, andou bem o tribunal a quo ao dar como provados os factos constantes das alíneas a), b), c), d), e), f), g) e i), devendo, igualmente, o tribunal a quo, ter considerado como demonstrado e provado que, durante o período compreendido entre Setembro de 2011 e Agosto de 2019, foi a aqui recorrente quem assumiu, exclusivamente, as despesas com alimentação, vestuário, calçado, as despesas escolares e de saúde dos menores e actividades extracurriculares.

  16. - Ora, se a recorrente assumiu todos os encargos acima referidos, sendo que os encargos com os consumos de...

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