Acórdão nº 3417/17.8T8GMR-A.G2 de Tribunal da Relação de Guimarães, 22 de Outubro de 2020

Magistrado ResponsávelJOSÉ AMARAL
Data da Resolução22 de Outubro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I. RELATÓRIO Três sociedades comerciais de direito italiano – “NCP, Srl – X”, “Y Automotive Leather SPA” e “W, SPA” –, com sede em Itália, apresentaram, em 09-06-2017, no Tribunal de Guimarães, requerimento executivo para pagamento da quantia global de 354.652,72€ (soma dos valores parcelares em dívida a cada uma, juros, honorários e outras despesas) contra a sociedade comercial portuguesa “O. S. Representações, Ldª”, com sede em ….

Invocaram, como base da execução, três “Títulos Executivos Europeus”, formados a partir de “Decretos Injuntivos” declarados executórios.

Alegaram, no respectivo requerimento executivo, que, tendo fornecido à executada mercadorias conforme facturas não pagas, cada uma delas instaurou, no Tribunal de Vicenza, Itália, “Ricorso per decreto ingiuntivo”. Em todos, a executada foi “regularmente citada”, pelo que, em nenhum tendo deduzido oposição, foi declarada a respectiva executoriedade “da sentença” e, depois, emitido o aludido “certificado de título executivo europeu”.

Juntaram documentação alusiva.

A executada deduziu, em 16-07-2017, embargos, alegando que nunca foi citada nem notificada (item 2º) em qualquer dos procedimentos respectivos e que destes “nunca teve conhecimento, formal ou informal” (item 7º), pelo que se verifica “nulidade insanável de omissão de citação, ou a sua nulidade por não ter sido correctamente realizada, nos processos que correram em Itália” (item 8º), assim tendo as exequentes “evitado” discutir a relação comercial havida, intenção que a embargante já manifestara em acção anterior que correu no Porto mas na qual o tribunal foi declarado internacionalmente incompetente e competente o italiano.

Pediu que, em caso de procedência, se condenem as embargadas “nos termos do disposto no artigo 858.º do CPC, porquanto todos os requisitos estão preenchidos”.

Juntou cópia da petição inicial de uma outra acção instaurada em 09-10-2015 no Porto, das facturas que a instruíram, da carta de interpelação para pagamento que lhe fora remetida, da contestação respectiva (com reconvenção) e da decisão naquela proferida.

Contestando, as embargadas sustentaram que tal alegação não corresponde à verdade, uma vez que os três juízes italianos do Tribunal de Vicenza nos quais correram os três procedimentos judiciais distintos, emitiram sentença de condenação da executada, confirmando a citação desta, tendo, inclusive, as três decisões judiciais já transitado em julgado. Argumentaram, ainda, que a executada, de má-fé, quer apenas protelar o pagamento, como se conclui da posição que, em contra-senso, tomou na acção anterior ao arguir a incompetência do tribunal por violação de cláusula convencional de foro quando até lhe seria mais favorável defender-se em Portugal do que em Itália. Além disso, quando foi citada das acções italianas, optou por remeter-se ao silêncio.

Dispensou-se a audiência prévia, gorou-se a tentativa de conciliação efectuada, proferiu-se saneador tabelar e, na perspectiva de conhecimento do mérito, as partes produziram alegações, nestas tendo a embargante mantido que nunca recebeu as comunicações, não teve conhecimento do procedimento italiano e não teve oportunidade de se defender contraditoriamente, e, as embargadas, sustentado que tal não é verdade, que a correspondência foi recebida, foi emitida sentença, tudo em conformidade com o Regulamento 805/2004 (e com o regime italiano) e que a mesma é exequível à luz do Regulamento 1215/2012, e que reapreciar a citação é entrar no mérito das causas declarativas, o que não é possível uma vez que à execução apenas poderão ser opostos os fundamentos previstos no artº 729º, do CPC.

Em 02-05-2018, tendo o tribunal considerado que o estado do processo lhe permitia conhecer do mérito da causa sem necessidade de mais provas nos termos da alínea b), do nº 1, do artº 595º, CPC, foi proferida a sentença que decidiu julgar improcedentes os embargos, ordenou o prosseguimento da execução e considerou não existir litigância de má-fé.

A embargante, não satisfeita, apelou a que esta Relação decidisse no sentido da “confirmação dos embargos, determinando a improcedência do procedimento executivo” e pugnando, ainda, pela condenação das embargadas “como litigantes com má-fé em termos exemplares”.

Com as alegações e a pretexto de só então ter sido possível obtê-lo, requereu a junção aos autos de um documento, ao abrigo do nº 1, do artº 651º, CPC (alegada cópia, não traduzida, dos procedimentos injuntivos, escritos em língua transalpina, que originaram os títulos executivos, em face da qual a recorrente refere que a única comunicação neles existente é uma carta remetida pela advogada das recorridas, que não recepcionou, e que, apesar de cumprir a legislação italiana, não cumpre o Regulamento Europeu 1393/2007), junção essa que foi deferida [1].

Em face das conclusões então apresentadas [2] e salientando-se a circunstância de o tribunal a quo ter considerado que a falta ou a nulidade da citação podem constituir fundamento de oposição por embargos nos termos da lei processual portuguesa aplicável (artº 729º, CPC), entendeu-se, em resumo, no Acórdão de 31-10-2018, que assim era mas que, por, naquela primeira sentença, não terem sido apreciadas nem decididas as concretas questões relativas à falta de citação ou sua nulidade (tendo-se o tribunal recorrido limitado a concluir ou a pressupor que ela foi efectuada e em termos regulares com base exclusivamente no teor da alegação feita no requerimento executivo que elencou como factualidade provada) [3], deveriam os autos prosseguir para apuramento dos factos a tal respeito relevantes, para o que se decidiu revogar a sentença.

Uma vez regressados os autos à 1ª instância, além de aí ter sido junta tradução dos documentos admitidos, proferiu-se despacho que identificou como objecto do litígio determinar se existe e em que medida responsabilidade da embargante/executada pelo pagamento da quantia exequenda, enunciou como temas de prova (além da conduta processual da parte) apurar a falta/nulidade da citação/notificação nos procedimentos que deram origem aos três títulos dados à execução, e ordenou pedido de informação ao GDDC sobre “qual a legislação aplicável em Itália, no âmbito de injunções de pagamento apresentadas ante tribunal italiano sendo partes sociedades comerciais, no que respeita a citações/notificações, fornecendo, se possível, cópia da legislação e respectiva tradução para português” e ao Tribunal de Vicenza, em Itália, no sentido de que “informe relativamente aos três procedimentos que estiveram na origem dos títulos dados à execução, se em todos foi efectuada, por quem, de que modo, por que meio e em que data a citação/notificação da executada, em tais procedimentos”.

Obtidas as respostas [4] e sobre elas se tendo pronunciado as partes, designou-se a audiência de julgamento.

Esta realizou-se nos termos e com as formalidades que defluem da acta respectiva.

Após, com data de 27-01-2020, foi proferida a nova sentença que (além de considerar não haver motivo para sancionar qualquer das partes, designadamente a título de litigância de má fé), decidiu “julgar nula a citação efectuada à embargante e, em consequência, julgar procedente a presente oposição à execução mediante embargos de executado”.

Desta feita, apelou a exequente/embargada, tendo concluído as suas alegações nestes termos: “1. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pela Mmo. Juiz a quo, que julgou procedente os embargos apresentados pela Embargante, ora Recorrida por considerar nulas as citações efectuadas à Embargante na acção declarativa por falta de cumprimento das regras constantes no Reg. 805/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de abril de 2004, que criou o titulo executivo europeu para créditos não contestados (doravante somente Reg. 805/2004).

  1. A recorrente entende que a decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância tem necessariamente de ser outra, porquanto, tendo sido emitidas certificações das decisões proferidas em Itália como Titulo Executivo Europeu uma eventual análise do cumprimento dos requisitos das regras constantes do Reg. 805/2004, tem de ser feita pelo Tribunal de Origem e nunca pelo Tribunal de Execução, não sendo tal análise um dos fundamentos de oposição à execução com base no titulo executivo europeu (doravante TEE).

  2. Na presente acção, as Embargadas, ora Recorrentes, apresentaram Requerimento Executivo contra a Embargante, ora Recorrida, no valor de € 78.399,36, devido à Y Automotive Leathers Spa (1.ª Recorrente) e no valor de € 16.803,55 devido à W Spa (2.ª Recorrente) devidos pelo fornecimento de mercadoria que não foi paga. Em face do incumprimento da Recorrida, as Recorrentes apresentaram as competentes acções em Itália para recuperação das quantias em divida. Contudo, citada para aquelas acções a Recorrida nada disse. Analisado o procedimento e o seu cumprimento pelos Mmos. Juizes italianos foi posteriormente emitida sentença e esta certificada como título executivo europeu.

  3. No âmbito da acção executiva, a Recorrida opôs-se à execução mediante embargos de executado invocando que não foi citada das ações que correram temos junto do Tribunal Italiano de Vicenza – Itália, e que constituem aqui título Executivo, alegando a nulidade da citação das acções declarativas.

  4. A questão apreciada pelo Mmo. Juiz a quo no litígio foi a falta/nulidade da citação/notificação nos procedimentos que deram origem aos três títulos dados à execução à luz do Reg. 805/2004 cremos, que não esteve bem o Tribunal a quo, uma vez aplica todos os fundamentos de oposição à execução com base em sentença previstos no art. 729.º CPC, por força do art. 20.º do Reg., nomeadamente a al. d) relativa à nulidade da citação, contudo a sua aplicação tem se ser, salvo melhor opinião mais criteriosa, pois no caso como o dos autos, fazê-lo como fez a Mma. Juiz a quo é ir contra a análise e certificação através da emissão do TEE...

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