Acórdão nº 2134/16.0T8VRL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 23 de Janeiro de 2020
Magistrado Responsável | JOSÉ AMARAL |
Data da Resolução | 23 de Janeiro de 2020 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I. RELATÓRIO P. C.
, com apoio judiciário, intentou, em 18-12-2016, no Tribunal de Vila Real, a presente acção declarativa sob a forma de processo comum, contra o réu V. M.
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Pediu que:
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Seja este condenado a reconhecer que do património comum do casal faz parte o estabelecimento comercial designado por “Café ...”, sito na Rua …, Vila Real; b) Seja declarado que o valor daquele estabelecimento comercial era, à data da produção dos efeitos do divórcio, de 125.000 €; c) Que aquele estabelecimento comercial esteve locado nos últimos 8 anos, auferindo o Réu, em exclusivo, o valor do seu aluguer, quantia esta que também deverá integrar o património comum do casal, num valor nunca inferior a 60.000 €.
Alegou, em síntese, na petição, como fundamentos, que, tendo estado casados, um com o outro, desde 07-07-1995 até 24-04-2007, na partilha subsequente ao divórcio divergiram sobre um estabelecimento comercial existente. Apesar de o mesmo ter sido instalado em imóvel do réu e aberto com recurso a um financiamento por ele apresentado em data anterior à do casamento, foi na constância deste e com o produto do trabalho de ambos que aquele foi pago, foram feitas obras de conservação, restauro e beneficiação, adquiridos ou substituídos equipamentos, mormente as cadeiras e mesas (por comodato). Além disso, foi com o trabalho constante e empenhado da autora que o estabelecimento cresceu, granjeou e fidelizou clientela e foi com as boas receitas do mesmo que sustentaram a sua vida e necessidades familiares. Após o divórcio, o réu cedeu a exploração do estabelecimento e recebe as rendas. Trata-se, pois, de bens e de rendimentos comuns.
Na contestação, o réu, impugnando, alegou que o estabelecimento está instalado em imóvel que comprou em solteiro e com dinheiro seu, foi por si legalizado também antes do casamento e nele investiu valores próprios conseguidos antes, tendo também sido ainda antes do casamento que tratou de todo o processo para a sua legalização e investido no estabelecimento valores adquiridos no estado de solteiro. Concluiu que o bem é próprio dele e pela improcedência da acção. Sem deduzir qualquer reconvenção, pediu que, caso contrário, seja “reconhecido que o Réu detém um crédito muito superior a 8.511,49€, em consequência directa dos valores investidos, como bens próprios, e dos valores pagos a título de crédito habitação, considerados num total nunca inferior a 100.000,00€.” A autora, notificada, não respondeu.
Na audiência prévia, fixou-se o valor da causa, proferiu-se saneador tabelar, identificou-se o objecto do litígio, enunciaram-se os temas da prova, apreciaram-se os requerimentos à mesma respeitantes e ordenou-se a realização de perícia.
Após prolongadas vicissitudes relativas à instrução, realizou-se em 24-05-2019 a audiência de julgamento, nos termos e com as formalidades narradas na acta respectiva, no seu decurso tendo sido ouvidas as partes, tomados esclarecimentos à Perita e inquiridas três testemunhas.
Com data de 25-06-2019, foi proferida a sentença que culminou na seguinte decisão: “Por tudo quanto exposto ficou:
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Declaro que o estabelecimento comercial denominado “Café ...” esteve locado, tendo sido o réu quem auferiu o valor da respetiva renda.
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Julgo improcedentes todos os demais pedidos formulados pela autora, deles absolvendo o réu.
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Custas a cargo da autora, já que a parte em que a ação procedeu não tem relevância para a pretensão da autora e foi pelo réu confessada.” Não se resignando, a autora apelou a que esta Relação altere o decidido, terminando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões: “1.º Considerando os documentos juntos, os depoimentos da Recorrente e Recorrido, bem como das testemunhas M. F. e C. V.
, cujas declarações se indicaram nas partes consideradas essenciais, não podia o Tribunal “a quo” dar como não provados, da forma como o fez, os pontos enumerados nas alíneas b) a h), j) a l), n) e o); 2.º O que deverá determinar a alteração da resposta à matéria de facto por forma a que seja dado como provado que: b) Foi com o fruto do trabalho de ambos que foram sendo feitas, ao longo do matrimónio, obras de restauro e beneficiação no espaço utilizado; c) Como foi sendo substituído, ao longo do matrimónio, o equipamento que, adquirido de início, foi ficando obsoleto ou se ia danificando.
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Bem como foi sendo comprado equipamento novo.
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Foi o que sucedeu, a título de exemplo, com o revestimento das paredes com madeira, as constantes renovações da pintura, a compra de uma televisão, quadros de parede ou de mesas de maior dimensão para fazer face ao crescente número de pessoas que vinham para almoçar.
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Ao longo do tempo, fruto do trabalho da Autora, foi servindo cada vez mais refeições, chegando às 80 refeições por dia, acrescido de 30 pequenos almoços.
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O estabelecimento nunca teve funcionários e só contava com o Réu, nas horas de maior movimento, para servir às mesas.
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Foi com o esforço, trabalho, simpatia e entrega constante da Autora, sete dias por semana, desde a data da abertura até à dissolução da vida conjugal, sem férias, folgas ou dias de descanso, que o Café ... foi fidelizando uma clientela que lhe permitia ter receitas médias de 12.000€/mês.
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Ao valor do apoio inicial, foram ainda adquiridos, para fazerem parte do estabelecimento comercial, diversos bens e créditos.
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Como foram sendo feitas obras de conservação e beneficiação.
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O trabalho desenvolvido, em especial pela Autora, permitiu ao estabelecimento comercial ter uma clientela fiel e constante.
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As receitas retiradas do “Café ...” permitiram ao Réu vestir só e apenas roupa de marcas reputadas.
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Permitiram ao casal comprar, sempre em numerário, mobília de qualidade superior.
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Provado que se mostram os factos enumerados na conclusão anterior, deverá ser proferia sentença que julgue a acção procedente por provada; Mas, ainda que assim não entenda, 4.º O estabelecimento comercial é um conjunto de coisas, corpóreas e incorpóreas, devidamente organizado para a prática do comércio. O estabelecimento comercial compreende, portanto, elementos da mais variada natureza que, em comum, têm apenas o facto se encontrarem interligados para a prática do comércio; 5.º Por conseguinte, o valor do estabelecimento comercial resulta do somatório do conjunto de coisas, corpóreas e incorpóreas, que o constituem; 6.º No caso em concreto, o valor, em 2007, de um café/restaurante, aberto em 1995, cujos bens corpóreos e obras, há muito se mostram amortizados e sem valor económico, será determinado pelas coisas incorpóreas, nestas assumindo particular relevo os conhecimentos (da cozinheira); a simpatia (das empregadas de mesa e balcão); os clientes, o aviamento; 7.º Provado que se mostra que o Recorrido investiu, antes de casar, dinheiro na execução de obras e aquisição de equipamento do café/restaurante e que, após o casamento, foi com o trabalho de ambos os membros do extinto casal, que foi pago parte de um empréstimo e se assegurou, ao longo de 12 anos, os demais elementos incorpóreos do estabelecimento comercial, será de concluir que aquele bem é composto por bens, coisas, adquiridas, em parte, com dinheiro próprio do recorrido, em parte com dinheiro comum do casal; 8.º E, atento valor residual da parte composta de bens próprios do Recorrido, face à maior percentagem do valor comum do casal, deverá ser proferida decisão que, nos termos do disposto no art.º 1.726.º do Cód. Civ., declare que o bem é um bem comum do casal; 9.º Não se tendo conseguido apurar, por falta de elementos o valor concreto do bem em causa, terá o Tribunal de proferir decisão que relegue para sede de incidente de liquidação de sentença o valor que o estabelecimento comercial tinha à data do divórcio; 10.º Mais deverá ser proferida decisão que condene o Recorrido, atenta a natureza comum do estabelecimento comercial, a entregar à recorrente, metade do valor das rendas auferidas, no valor de 450€ mês, desde a data do divórcio; 11.º Ao assim não decidir violou o Tribunal “a quo” o preceituado no art.º 1.726.º do Cód. Civil bem como o art.º 413.º e 414.º, do CPC; 12.º Se Vossas Excelências, em face das conclusões atrás enunciadas revogarem a sentença da primeira instância e em sua substituição, proferirem acórdão que: A) Altere as respostas à matéria de facto dada como provada e não provada nos termos expostos nas conclusões 1.ª a 3.ª, que aqui se dão por reproduzidos por razões de economia processual; B) Julgue procedente, por provado, o pedido formulado na alínea a) da P.I.; C) Relegue para incidente de liquidação de sentença o pedido formulado na alínea b) da P.I.; D) Julgue procedente por provado o pedido formulado na alínea c) da P.I., condenando o Recorrido a pagar à Recorrente metade do valor das rendas auferidas desde a data do divórcio; Farão uma vez mais serena, sã e objectiva JUSTIÇA.” O réu não respondeu.
O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito devolutivo.
Corridos os Vistos legais e submetido o caso à apreciação e julgamento colectivo, cumpre proferir a decisão, uma vez que nada a tal obsta.
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QUESTÕES A RESOLVER Pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, sem prejuízo dos poderes oficiosos do tribunal, se fixa o thema decidendum e se definem os respectivos limites cognitivos.
Assim é por lei e pacificamente entendido na jurisprudência – artºs 5º, 608º, nº 2, 609º, 635º, nº 4, 637º, nº 2, e 639º, nºs 1 e 2, do CPC.
No caso, importa apreciar e decidir se:
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Deve alterar-se a matéria de facto, nos pontos indicados.
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Deve declarar-se que o estabelecimento é um bem comum do casal, designadamente nos termos do artº 1726º, do CC.
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Deve relegar-se “para sede de incidente de liquidação de sentença o valor que o estabelecimento tinha à data do divórcio”.
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Deve condenar-se o réu a entregar à autora metade do valor da renda respectiva (450,00€/mês), por ele recebida desde a data do divórcio.
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FUNDAMENTAÇÃO DE...
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