Acórdão nº 94/17.0T8AVV-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 23 de Janeiro de 2020

Magistrado ResponsávelJOSÉ MANUEL FLORES
Data da Resolução23 de Janeiro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM OS JUÍZES NA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES: I – Relatório M. C.

, intentou a presente de processo comum contra F. D.

e J. R.

com vista a que: Seja declarado, frente a ambos os Réus, nulo ou, pelo menos, e quando assim se não entenda, anulado e ineficaz em relação à Autora o acordo celebrado entre aqueles em 06/01/2015 e junto aos autos como docº. nº 3 e, em consequência, condenado o segundo Réu a restituir à Autora, ou a esta e ao primeiro Réu, a quantia de 20.000,00€ (vinte mil euros) que recebeu ao abrigo de tal acordo, acrescido dos juros legais de mora contados desde a data de citação até integral pagamento.

Alega para tanto: A Autora e o primeiro Réu são casados um com o outro no regime de comunhão geral de bens – docº. nº 1. Em 29/12/2014, por escritura de compra e venda celebrada no Cartório Notarial de Dr. A. P., em Ponte da Barca, a A. e o 1º Réu declararam vender ao 2º Réu o seguinte prédio: “Prédio rústico, composto por terreno de cultura arvense com vinha em ramada, sito no lugar ..., da freguesia de ..., do concelho de Ponte da Barca, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o nº ... e inscrito na respectiva matriz sob o artº ..., com o valor patrimonial tributário de €118,00” – docº. nº 2. O 2º º Réu declarou que aceitava esta venda nos termos exarados nessa escritura – docº nº 2. O preço foi de 43.000,00€, pago no ato dessa escritura, nada mais tendo sido exarado relativamente aos termos desta transacção. O negócio titulado por esta escritura teve a intervenção da imobiliária “X- Mediação Imobiliária, Ldª.”. Sendo, ainda, certo que este prédio foi herdado pela A. por óbito de seus progenitores ocorrido já no estado de casada. Acontece que: Em 06/01/2015, i. é, duas semanas após aquela escritura, o 1º e o 2º Réus, juntamente com um representante dessa empresa imobiliária, assinaram o documento particular em anexo, que titularam como “Declaração” e cujo conteúdo se dá como aqui integralmente reproduzido. – docº. nº 3. Na introdução deste documento constam como primeiros outorgantes os nomes da A. e do 1º Réu, mas a Autora só muito mais tarde veio a ter conhecimento de tal documento, nele figurando, por isso, apenas aqueles três intervenientes, como, respectivamente, seus 1º, 2º e 3º subscritores. Desta declaração, e na sequência da expressão “Acordam, por isso, o seguinte”, constam como especialmente relevantes para a presente causa, as seguintes passagens: “Os primeiros outorgantes restituem nesta data ao segundo o valor de vinte mil euros (20.000,00€)”. “O segundo propõe-se alargar o conteúdo da servidão constituída, por forma a proceder a intervenção na faixa de terreno onerada com a servidão tornando-a apta ao trânsito permanente de pessoas e veículos automóveis”. “Para a hipótese de, por via judicial ou extrajudicial se lograr obter o alargamento da servidão de passagem, nos moldes supra mencionados, mantém-se o contrato outorgado, devendo nesse caso, o segundo outorgante devolver aos primeiros aquela quantia do valor de vinte mil euros (20.000,00€)”. “Na hipótese de não se conseguir lograr aquele objectivo, então declaram obrigar-se a revogar aquela mencionada escritura pública, com todas as consequências legais, designadamente a restituição do imóvel transmitido e a entrega do remanescente do preço na importância de 23.000,00€”. “Mais acordam, na eventualidade de procedência judicial do pedido e/ou acordo extrajudicial relativo ao alargamento da servidão, nos moldes descritos, que todas as despesas e encargos relativos às diligências judiciais ou extrajudiciais a realizar para efeitos de lograr o alargamento da servidão serão suportadas em partes iguais por ambas as partes, vendedores e comprador”. Na eventualidade de improcedência do pedido e impossibilidade legal de alargamento da servidão, nos moldes descritos, todas as despesas e encargos, serão exclusivamente suportadas pelos primeiros outorgantes”. Em simultâneo com a assinatura desta declaração, o 1º Réu entregou ao 2º a quantia de 20.000,00€ que este recebeu – docº. nº 4. Acontece que a Autora só teve conhecimento deste documento no mês de Janeiro de 2017. Na verdade, A referida escritura de 29/12/2014 tinha sido precedida de um contrato-promessa celebrado em 18/09/2014, tendo ficado a referida agência imobiliária incumbida de preparar e agendar a escritura definitiva – docº. nº 5. No mês de Outubro desse ano de 2014 descobriu-se que um filho da A. e do 1º Réu, residente em Lisboa, tinha cancro no intestino e precisava de ser operado com urgência. A cirurgia foi agendada para o dia 18/12/2014 e o respectivo internamento para a véspera. Nesta altura, o filho encontrava-se com os pais em Arcos de Valdevez e, nesse dia 17/12/2014, os três rumaram a Lisboa. O filho foi realmente internado no dia 17/12/2014 e operado no dia 18/12/2014, vindo a ter alta em 29/12/2014 para prosseguir a convalescença na sua própria casa em Lisboa – docº nº 6. Durante todo este período, os pais permaneceram nessa cidade e daí saíram apenas no dia 28/12/2014, tendo chegado a casa à noite para no dia seguinte de manhã assinarem a referida escritura. Nesse mesmo dia da escritura, 29/12/2014, a A. regressou de comboio a Lisboa, para apoiar o filho, solteiro, na transferência e na convalescença em casa. O 1º Réu decidiu permanecer na sua residência habitual, por se encontrar mentalmente esgotado e psicologicamente deprimido por causa da preocupante saúde do filho. E foi neste contexto que, de forma súbita e absolutamente inesperada, lhe apareceram em casa, no dia 05/01/2015, o 2º Réu e um funcionário da aludida mediadora imobiliária e o convenceram a assinar aquela declaração datada de 06/01/2015. E, ainda, a acompanhá-los ao Banco, nesse mesmo dia 05/01/2015, para que a transferência dos 20.000,00€ para a conta do 2º Réu fosse feita imediatamente, como veio a acontecer, apesar de, estranhamente, serem já cerca das 18:00 horas e o Banco ter aberto propositadamente para esse fim – docº. nº 4. O 1º Réu, alegadamente arrependido e não querendo agravar, ainda mais, as preocupações de sua mulher, nada contou à Autora. Todavia, em 29 de Novembro de 2016, porque o 2º Réu não dava quaisquer notícias sobre a execução das diligências consignadas nesse acordo, decidiu o 1º Réu enviar-lhe a carta em anexo que ele recebeu – docº. nº 7 e 8. Não tendo obtido qualquer resposta, o 1º Réu aguardou até final do ano na esperança de que o 2º Réu viesse a Portugal no período de Natal para tratarem do assunto pessoalmente. Como também isso não aconteceu, no mês de Janeiro do corrente ano expôs o assunto a uma solicitadora que o alertou para a invalidade decorrente da falta da assinatura da A. nesse documento e lhe recomendou que recorresse a um advogado. E foi então, e só então, Janeiro de 2017, que o 1º Réu comunicou à A. o que se passava e a levou com ele à referida solicitadora para lhe explicar o que se passava e o que teria de ser feito. Dos factos descritos resulta que esta “declaração” datada de 06/01/2015 representa, em substância, uma alteração a condições essenciais do negócio plasmado na escritura de compra e venda referida no artº 2º supra. Alteração essa consistente numa redução do preço da venda acompanhada pela devolução da diferença e no aditamento de condições contratuais novas. Tal acordo é, contudo, manifestamente inválido e absolutamente ineficaz em relação à Autora. Com efeito, Esse acordo é, desde logo, nulo por vício de forma, posto que, representando uma alteração ao teor daquela escritura, só por instrumento público de igual ou superior valor probatório podia o mesmo ser alterado – artos 875º e 364º, nº 1 do C.C.. Nulo, também, apesar do disposto no artº 1687º, nº 1 do C.C., por consubstanciar uma alienação de bem alheio, pertencente ao casal, e não de um bem próprio do 1º Réu – artº 892º do C.C.. Neste sentido, diz Leonor Beleza: “São de excluir do âmbito do nº 1 do artigo os actos a que se refere o artº 1682º-A quando praticados sem legitimidade em relação a bens do outro cônjuge, incluindo-os, por via de interpretação extensiva, no nº 4 do artº, com o que se tratará de actos nulos, e não meramente anuláveis”- in Reforma do Código Civil, 1981,132 - Apud A. Neto C. C. Anot.: artº 1687, nº 2. Outrossim, Antunes Varela: “A sanção contra a alienação ou oneração de bens próprios do outro cônjuge – móveis ou imóveis – sem a necessária legitimação é a nulidade, a que alude os artos 892º e ss. – esses actos são tratados como alienação de coisa alheia” – Família, 1987, 382- idem, nº 3. E nulo, ainda, porque mesmo que tal alteração seja entendida como um ato de administração ordinária, só a A. teria legitimidade para praticá-lo por se tratar de um bem por ela adquirido a título gratuito – artº 1678º, nº 2, al. c). Todavia, mesmo que este douto Tribunal não perfilhe tal entendimento, sempre o acordo em causa terá de ser anulado porque a A. assim o requer, sendo certo que a A. e o 1º Réu são casados em comunhão de bens e estão decorridos menos de três meses sobre a data em que a A. teve dele conhecimento e menos de três anos desde a data em que foi celebrado – artº 1687º, nº 2 do C. C.. Devendo, em consequência, ser restituída à Autora ou ao património comum do casa constituído pela A. e pelo 1º Réu a quantia de 20.000,00€ que este entregou ao 2º Réu nos termos do referido acordo datado de 06/01/2015 – artº 289º do C.C.. A presente acção funda-se, assim, além doutras, nas disposições dos artos 289º; 364º, nº 1; 875º; 892º; 1678º, nº 2, c) e nº 3; 1687º, nos 1 e 2, todos do Código Civil.

Indicou como prova: I – Depoimento de parte do 1º Réu à matéria dos artos 6º e 16º, 17º e 19º a 32º; II – Depoimento de parte do 2º Réu à matéria dos artos 26º, 27º e 30º; III – Testemunhas, cuja notificação se requer: 1- F. C., casado, agente imobiliário; 2- M. P., casada, solicitadora, bem como 8 documentos juntos.

Citado, o Réu J. R. apresentou contestação onde alega o seguinte: (…) O 2º Réu é luso-francês, tendo nascido em...

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