Acórdão nº 1522/11.3TBFAF.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 23 de Janeiro de 2020

Magistrado ResponsávelCONCEIÇÃO SAMPAIO
Data da Resolução23 de Janeiro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I – RELATÓRIO A Autora M. F. instaurou a presente ação declarativa sob a forma de processo ordinário pedindo a condenação solidária dos Réus C. S. e TV – Televisão ..., S.A. no pagamento da quantia de € 50.000, a título de indemnização pelos danos causados, acrescida dos juros moratórios legais contados desde a citação até efetivo e integral pagamento.

Os Réus apresentaram contestação.

*Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente e condenou os Réus C. S. e TV – Televisão ..., S.A., solidariamente, a pagar à Autora M. F. a quantia de € 25.000 a título de compensação por danos não patrimoniais, acrescida de juros, fixando em 60% a responsabilidade da Ré, para efeitos de eventual exercício do direito de regresso.

*Inconformados com a sentença vieram os Réus interpor recurso.

*O Réu C. S. termina as suas alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem): I - Por sentença proferida pelo Juízo Central Cível de Guimarães - Juiz 1, a ação que correu termos sob o Processo n.º 1522/11.3TBFAF, foi julgada parcialmente provada e procedente, e, em consequência, condenou os Réus C. S. e TV – Televisão ..., S.A., solidariamente, a pagar à Autora M. F. a quantia de € 25.000,00 a título de compensação por danos não patrimoniais, acrescida de juros à taxa legal de 4% desde a presente data até integral e efetivo cumprimento, fixando em 60 % a responsabilidade da Ré, para efeitos de eventual exercício do direito de regresso.

II - Com a presente decisão não pode o Recorrente conformar-se, por entender que os elementos de prova constantes dos autos impunham decisão diversa da proferida, nos termos que, de seguida, melhor se exporão.

III - O Recorrente impugna, por considerar incorretamente julgados, a decisão proferida quanto aos factos dos pontos 7, 11, 12, 13, 14, 17, 21, 34, 35, 53, 54, 55, 56, 57, 61, 64, 65, 66, 68, 71, 80, 81, 82, 83, 84, 85, 86, 87, 88 e 89 da matéria de facto dada como provada.

IV - Impugna ainda, por considerar incorretamente julgados, a decisão proferida quanto aos factos alegados nos artigos 9º (segmento “o Réu foi” até “situação”), 18º e 19º da contestação do Réu, da matéria de facto considerada não provada.

V - Face aos depoimentos prestados pelas testemunhas em sede de audiência de discussão e julgamento, não ficou provado e demonstrado que alguma delas tenha assistido aos programas da TV e muito menos, que em algum momento, o ora Recorrente, tenha dito pessoalmente ou na televisão que a Autora (M. F.) era sua mãe.

VI - Os depoimentos das diversas testemunhas revelaram-se confusos e sem qualquer objetividade, tendenciosos e providos de interesses pessoais e familiares, imprecisos e sem o nível de detalhe que se impunha, relativamente a factos de que deveriam ter obrigatoriamente conhecimento.

VII - Por outro lado, do visionamento dos Cd’s que se encontram juntos aos autos, conclui-se que nunca o nome da Autora (M. F.), foi difundido pela TV nas peças televisivas em questão, e como tal o seu nome não foi divulgado publicamente.

VIII - O tribunal “a quo”, errou na apreciação e valoração de toda a prova que foi carreada para os presentes autos.

IX - Aliás, o tribunal “a quo” deveria ter em consideração que o aqui Recorrente, andava em busca da sua personalidade e das suas origens que desconhecia e que por isso a busca não podia partir do resultado final.

X - Não se provou que o Recorrente tenha andado “atrás” dos órgãos de comunicação social, ou de se ter “feito convidar” para qualquer programa televisivo.

XI - Face ao exposto, deve o Recorrente ser absolvido do pedido, revogando-se nessa conformidade a sentença recorrida.

*Por sua vez, a Ré TV - Televisão ..., S.A. termina as suas alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem): I. Vem o presente Recurso de Apelação interposto da Sentença de Fls., que julgou parcialmente procedente a ação declarativa sob a forma de processo ordinário que condenou a 2ª Ré a pagar à Autora, solidariamente, a quantia de € 25.000,00 a título de compensação por danos não patrimoniais, acrescida de juros à taxa legal de 4% desde a presente data até integral e efetivo cumprimento, fixando em 60% a responsabilidade da Ré, para efeitos de eventual exercício do direito de regresso.

II. Considerou o Tribunal a quo que “a invocação de uma relação de incesto, quer a palavra seja ou não empregue (falar avô/pai, mãe/irmã é também revelador do conceito) é invasiva da privacidade das pessoas potencialmente envolvidas e particularmente ofensiva quando a sua base não resulta confirmada.” III. Considerou ainda que “o impacto da televisão na difusão de notícias e opiniões, assim como alimento para comentários e emissão de juízos, é algo notório, tanto mais que qualquer estabelecimento comercial, nos tempos que correm (café, restaurante, cabeleireiro, barbeiro, supermercado etc.), tem um televisor ligado com os programas de elevadas audiências, proporcionando conversas e comentários”.

IV. Porém, da prova documental que instrui os presentes autos, bem como da prova testemunhal produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, não resulta qualquer facto que seja bastante para preencher os pressupostos da Responsabilidade Civil Extracontratual, instituto que legitima, ainda que parcialmente, a procedência do pedido da Autora.

V. Ora, andou mal o Tribunal a quo em dar como provado que “a Ré sabia que o conteúdo dos programas e notícias que difundiu continha imputações de factos e juízos suscetíveis de ofender a Autora” e que “Os Réus sabiam que o meio utilizado, televisão, facilitava a divulgação dos factos, expressões e juízos de valor depreciativos veiculados nos programas e noticias identificados em 22), 37), 42) e 50). – Cfr. Factos provados da sentença em crise nos pontos 59 e 62.

VI. Ora, tal entendimento, resulta de evidente contradição com a prova produzida nos presentes autos, bem como resulta de contradição entre os pressupostos de facto e a conclusão decisória alcançada pelo Tribunal a quo, revelando-se o raciocínio dedutivo, ainda que por recurso às regras da experiência e critérios de normalidade, antinómico na sua coerência, validade e compatibilidade discursiva e fáctico-material, pelo que nessa medida se impugna a decisão recorrida.

VII. Andou mal o Tribunal a quo em dar como provado que “a Ré sabia que o conteúdo dos programas e notícias continha imputações de factos e juízos suscetíveis de ofender a Autora”.

VIII. Andou mal o Tribunal a quo ao fundamentar a sua convicção nos termos supra expostos, atento o facto de que, através do visionamento dos Cd’s, se conclui que nunca o nome da Autora, o nome “M. F.” foi difundido pela Ré nas peças televisivas em questão, ora Apelante, e como tal não foi divulgado publicamente, nem nunca o nome da Autora foi referenciado ou exibido em qualquer nota de rodapé, aquando da exibição das peças televisivas em questão.

IX. Andou também mal o Tribunal a quo ao considerar que as afirmações do apresentador do programa da Ré, ora Apelante, contrariam o conteúdo dos artigos 69º e 78º da contestação desta, na qual a Ré, ora Apelante alega que por diversas vezes, o apresentador M. L. fez questão de frisar que as afirmações realizadas no programa correspondiam a uma história alegada pelo Réu (sublinhado nosso).

X. Sustentando-se também o Tribunal a quo, na formação da sua convicção, no depoimento da Testemunha C. P., que quando questionada se viu as peças televisivas exibidas pela Ré, ora Apelante, diz ter visto o nome da M. F., ora Autora, “na lama”. Dizendo inclusive, quando questionada pela Mandatária da Ré, ora Apelante, sobre se durante a exibição das reportagens ouviu a palavra “alegadamente”, responde que “alegadamente pode ser muita coisa”.

XI. Na verdade, a ora Apelante utilizou as expressões “Alegadamente”, “pode ser”, “possível”, para informar os espectadores, sem pretender fazer qualquer juízo de valor.

XII. Não serve o mesmo vocábulo, embora o Tribunal a quo tenha valorado o depoimento da testemunha C. P. que a dada altura do seu depoimento diz “…o alegadamente pode servir para muita coisa”, para se fazerem afirmações, imputações ou acusações, porém, nunca, em momento algum, nas peças televisivas em questão, a Ré, ora Apelante, se referiu aos factos como verdade absoluta.

XIII. Na verdade, a Ré, ora Apelante, limitou-se a salientar em todas as peças televisivas em causa, a ansiedade manifestada pelo Réu em relação ao seu passado e as incertezas que este pretendia acima de tudo dissipar, sendo evidente a preocupação da mesma em relatar a situação do Réu, em manifestar as dúvidas do mesmo relativamente ao seu passado e às suas origens.

XIV. A este propósito cumpre salientar que a Ré, ora Apelante, jamais transmitiu aos espetadores, como facto certo e indubitável, que o Réu era fruto de uma relação incestuosa.

XV. Fundamenta o Tribunal a quo na sentença ora recorrida, que transparece do depoimento da testemunha V. S., a jornalista que se “deslocou ao terreno” em reportagem que “a mesma se sentiu incomodada pelo trabalho em causa, sobretudo, por não haver provas”.

XVI. Contudo, resulta claro do depoimento da testemunha, que embora fosse um assunto delicado, também por o ser, foi tratado com diligência, rigor e acuidade e em estrito respeito pelas legis artis aplicáveis ao trabalho jornalístico em causa.

XVII. Se este era um caso delicado, todos os dias chegam à redação da Ré TV – Televisão ..., S.A, ora Apelante, casos delicados, e todos são tratados com cuidado, rigor e sempre com respeito pela legis artis aplicáveis ao trabalho jornalístico em causa.

XVIII. Por outro lado, da prova produzida nos presentes autos, não resulta que alguma das testemunhas arroladas pela Autora, tenham efetivamente visualizado as reportagens emitidas pela Ré, ora Apelante, XIX. Chegando mesmo duas testemunhas a dizer, que quando o programa iniciou, mudavam de canal.

XX. Na verdade, nem do depoimento da testemunha J. T...

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