Acórdão nº 4794/16.3T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 30 de Janeiro de 2020
Magistrado Responsável | PAULO REIS |
Data da Resolução | 30 de Janeiro de 2020 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I. Relatório P. S., melhor identificado nos autos, instaurou ação declarativa sob a forma de processo comum contra X - Companhia de seguros, S.A., agora Y - Companhia de Seguros, S.A., pedindo a condenação da ré a pagar-lhe o montante global de € 91.393,01, correspondente € 66.666,67 ao veículo MH, € 2.842,58 pela devolução do prémio de seguro indevidamente cobrado, € 7.900,20 pela privação do uso, € 13.983,56 a juros vencidos desde 19 de janeiro de 2014 a 1 de setembro de 2016 ao dobro da taxa legal, tudo acrescido dos juros vincendos ao dobro da taxa legal até efetivo e integral pagamento.
Para tanto, alegou, em síntese, que a 19 de dezembro de 2011 celebrou com a ré um contrato de seguro de responsabilidade civil obrigatória com cobertura de danos próprios do veículo ligeiro de passageiros Ford Mustang com a matrícula MH, entre elas, furto ou roubo; a ré mandou um dos seus funcionários inspecionar o veículo e acordaram o valor de € 75.000 mediante o pagamento do prémio anual de € 2.581,80; o referido veículo foi furtado entre as 18h00 do dia 13 de novembro de 2013 e as 10h30 do dia seguinte, em Nice, tendo sido encerrado o processo que correu trâmites pela Justiça francesa, pretendendo, assim, que a ré lhe pague a quantia a que se obrigou, atento o contrato de seguro que havia celebrado com a mesma, referente ao veículo adquirido por compra em setembro de 2011 e que na data estava seguro na ré pela quantia de € 66.666,67, devendo ainda ser compensado em € 7.900,20 por não poder utilizar o MH sem receber um veículo de substituição, que compreende o montante diário de € 131,67 correspondente ao valor de aluguer de um veículo com as mesmas características do MH, até ao limite máximo de 60 dias; e no valor de € 2.842,58 pela devolução do prémio de seguro indevidamente cobrado, tal como melhor consta da petição inicial.
A ré contestou, contrapondo que a proposta de seguro foi encaminhada por uma sua mediadora e tramitada por um colaborador desta, o qual se deslocou à Póvoa de Lanhoso, onde foi preenchida e assinada a proposta de acordo com as indicações expressas do segurado e com os elementos fornecidos por este, designadamente, o capital de € 75.000; aquando da ocorrência do furto, o autor não contactou o escritório da mediadora, competindo-lhe anular o contrato; o veículo foi importado pelo autor em agosto de 2011 de França, em estado de usado, sendo um veículo construído em 2005 tendo declarado que o seu valor era de € 7.000 e, ainda com a matrícula francesa, teve um acidente em Portugal, pelo que, em qualquer caso, deve operar-se a redução do contrato de seguro, no sentido de se considerar que o valor do capital seguro é de € 7.000 ou igual ao valor que vier a apurar-se ter o veículo seguro.
Exercido o contraditório, e dispensada a audiência prévia, foi então proferido despacho saneador e fixado o valor da causa, após o que foi definido o objeto do litígio, com enunciação dos temas da prova, e admitidos os meios de prova.
Realizou-se a audiência final, após o que foi proferida sentença, que decidiu o seguinte: « (…) Em face do exposto, o Tribunal, julgando a ação parcialmente provada e procedente, condena a Ré Y – Companhia de Seguros, S.A. a pagar ao Autor P. S. o seguinte: a) o que vier a ser liquidado relativamente à perda total do veículo ligeiro de passageiros Ford Mustang, matrícula MH, decorrente do seu furto a 16/17 de Novembro de 2013, tendo em consideração o conteúdo dos pontos 6), 25), 26) e 28) da fundamentação de facto; b) o que vier a ser liquidado relativamente ao valor correspondente a 41 dias de veículo de substituição, a calcular de acordo com os critérios plasmados nos pontos 9) e 11) da fundamentação de facto; c) a quantia de € € 950,14, a título de estorno do prémio correspondente ao período entre 17 de Janeiro e 27 de Maio de 2014; d) juros à taxa legal de 4% sobre as quantias aludidas em a), b) e c) supra, desde 19 de Janeiro de 2014 até integral e efetivo cumprimento; e) a quantia de € 1.421,29 a título de restituição do prémio do semestre iniciado a 28 de Maio de 2014, acrescido de juros à taxa legal de 4% desde 23 de Novembro de 2016 até integral e efetivo cumprimento.
Custas a cargo do Autor e da Ré na proporção de 6/10 e 4/10, respetivamente.
Registe e notifique».
Inconformado, o autor apresentou-se a recorrer, pugnando no sentido da revogação da sentença, terminando as respetivas alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem): «1.ª – Com todo o respeito (que é muito), o Autor não pode concordar com o decidido na sentença de que ora se recorre.
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– Salvo melhor entendimento, da aplicação das normas e princípios jurídicos expostos pelo Autor e bem como na Jurisprudência infra citada, resulta que o presente recurso deverá ser considerado procedente, mesmo tendo por base a matéria de facto tal como decidida pelo Tribunal a quo.
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– Não obstante assim ser, o Autor não pode deixar de impugnar, expressamente, a decisão da matéria de facto nas partes que não correspondem à verdade e que, segundo algumas interpretações do Direito aplicável (nomeadamente a realizada pelo Tribunal a quo), podem ter influência na solução jurídica do presente litígio.
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– Com todo o respeito, o ora Recorrente considera que houve erro na decisão da matéria de facto, pois o Tribunal a quo não podia ter dado como provada a matéria factual constante no ponto 6 na parte “pelo preço de” e no ponto 24 na parte “dados expressamente indicados por este”.
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– “o concreto valor pelo qual o veículo foi adquirido não constitui informação significativa para a apreciação do risco pelo segurador, por isso não sendo relevante para o valor a segurar” – Acórdão TRL, de 06-04-2017, processo n.º 1422/14.5TJLSB.L1-2, acessível em www.dgsi.pt.
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– Na decisão de que ora se recorre, o Tribunal a quo entendeu que não era possível determinar o valor do veículo do Autor.
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– No que refere a este ponto da matéria de facto, (não obstante a veracidade do seu depoimento, que sobressai inclusive de algumas dúvidas do Autor que demonstram que o mesmo não era ensaiado) tendo em conta as dificuldades inerentes da imediação e o facto de o meio provatório produzido corresponder a declarações de parte, o Autor não vem requerer que se dê, desde já, como provado que o veículo foi adquirido pelo valor de € 60.000,00 (apesar de isso corresponder à realidade).
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– Na realidade, o que o Autor contesta é que se tenha dado como provado que o Mustang foi adquirido por € 29.763,50. Pois tal não corresponde à realidade dos factos.
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– Atente-se que, conforme consta documentalmente dos autos (cfr. fls. 85 a 96) só a reparação dos danos que o veículo sofre na lateral esquerda e traseira foi avaliada em € 12.828,38… 10.ª – E que, com todo o respeito, a fatura não é meio suficiente para que se dê como provado, sem mais, o valor pelo qual o Autor adquiriu o veículo Mustang.
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– Se na data da celebração do contrato de seguro, o veículo valesse apenas € 29.763,50 isso significaria que o Autor teria aceitado pagar um prémio (cerca de € 3.000,00) que correspondia a 10% do suposto valor do veículo. O que depois se ia repetindo, prémio após prémio… 12.ª – Ora, com todo o respeito, isso não faz qualquer sentido e viola as mais elementares regras da normalidade e da experiencia.
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– Aliás, com todo o respeito, dar como provado que o Autor adquiriu o Mustang em questão “pelo preço de” € 29.763,50 corresponde a inserir conceitos jurídicos na matéria de facto. O que não se pode aceitar.
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– E como (ao não valorar as declarações do Autor) o Tribunal a quo não tinha prova suficiente para dar como provado a matéria atinente ao modo de pagamento e à quantia que o Autor entregou ao stand onde adquiriu o veículo, o que deveria ter dado como provado (e que, aliás, é verdade) era que: “6. O veículo identificado em 1), a gasolina, com 4.600 cc, foi adquirido pelo Autor em 4 de Agosto de 2010, tendo sido emitida uma fatura no valor de € 29.763,50 [resposta ao artigo 13º da petição inicial]”.
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– Devendo a douta sentença de que ora se recorre ser anulada/revogada e substituída por decisão que, alterando a decisão da matéria de facto, dê como provado que: 6. O veículo identificado em 1), a gasolina, com 4.600 cc, foi adquirido pelo Autor em 4 de Agosto de 2010, tendo sido emitida uma fatura no valor de € 29.763,50 [resposta ao artigo 13º da petição inicial].
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– Por outro lado, mais relevante do que saber quem indicou inicialmente o valor segurado (que, conforme infra expomos, foi a Ré) é que foi celebrado pelas partes – através de declarações de vontade claramente expressas – um contrato de seguro que foi pontualmente cumprido pelo Autor e acerca do qual a Ré nunca levantou qualquer questão, inclusive quanto ao valor segurado, sobre o qual a mesma inclusive realizou actualizações (quer antes, quer depois do sinistro).
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– A prova apresentada nos presentes autos e produzida em sede de audiência de julgamento não permitia dar como provada, a parte do ponto 24: “dados expressamente indicados por este”.
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– Conforme supra se transcreve, em sede de audiência de julgamento a testemunha da Ré J. M. (que foi o pessoa que interagiu directamente com o Autor na celebração do seguro in casu) inclusive disse que o valor do capital seguro “foi proposto pela companhia” de seguros, ou seja pela Ré.
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– Contudo, o Tribunal a quo acabou por dar mais credibilidade a umas declarações (a fls. 321) desta testemunha realizadas sem a presença do Autor, ou de qualquer entidade minimamente imparcial e relativamente às quais a testemunha tentou avisar o Tribunal a quo acerca da forma como as mesmas tinham sido realizadas, ao dizer que as mesmas foram ditadas por um perito da Ré.
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– Por outro lado, na proposta junta como documento n.º 1, da contestação, no que diz respeito à cobertura “Furto ou Roubo”, constam três asteriscos (ou seja “***”), sendo que no fundo da proposta na legenda dos “***” a Ré...
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