Acórdão nº 277/12.9TBALJ-B.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 16 de Janeiro de 2020

Magistrado ResponsávelMARIA LUÍSA RAMOS
Data da Resolução16 de Janeiro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães M. J. e M. P., credores Reclamantes nos autos de “Reclamação de Créditos” em curso, que correm por apenso aos autos de Execução Comum em que é exequente a “Caixa ..., S.A.” e são Executados/Reclamados J. M. e outros, apresentaram nos autos uma reclamação de créditos pelo valor de €280.281,63, a qual veio a ser impugnada, a fls.211 e seguintes, pela Exequente Caixa ..., S.A., designadamente, relativamente à existência de um direito de retenção sobre os bens imóveis penhorados nos autos principais de execução (um apartamento destinado a habitação, tipo T3, no 2º andar, e uma loja destinada ao comércio, no rés-do-chão, de edifício então a construir (e ora construído) nos prédios – a que corresponderam as fichas 481, 613, 2150, 2329, 691 e 692 / ... – que deram origem (por anexação) ao prédio a que corresponde actualmente a ficha ... / ..., da Conservatória do Registo Predial ... e o artigo urbano ... desta freguesia, sito entre a Rua ... (fachada principal) e a Rua ... (fachada traseira) da vila, freguesia e concelho de ....

Realizado o Julgamento veio a ser proferida decisão nos seguintes termos: “Pelo exposto, julga-se reconhecido o crédito reclamado pelos Credores Reclamantes M. J. e M. P. no montante de €234.436,00, ao qual acrescem juros de mora, vencidos desde 31 de dezembro de 2012 e vincendos até integral pagamento, reconhecendo-se ainda a garantia real reclamada (direito de retenção) sobre as duas frações supra melhor identificadas (apartamento e loja)”.

Inconformada, de tal decisão veio a exequente/Impugnante “Caixa ..., S.A.” interpor recurso de apelação.

O recurso foi recebido como recurso de apelação, com subida nos autos e efeito meramente devolutivo.

Nas alegações de recurso que apresenta, a apelante formula as seguintes Conclusões: DA IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO. AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO E REAPRECIAÇÃO DA PROVA GRAVADA.

  1. Vieram os Reclamantes M. J. e M. P. peticionar lhes fosse reconhecido um crédito no montante de € 280.281,63 (duzentos e oitenta mil duzentos e oitenta e um euros e sessenta e três cêntimos), garantido por alegado direito de retenção sobre um apartamento e uma loja do imóvel penhorado à ordem dos presentes autos, sustentando tal pretensão no alegado incumprimento de contratos promessas de compra e venda, correspondendo o valor peticionado ao dobro do sinal alegadamente pago (cfr. artigo 442.º/n.º2 do Código Civil).

  2. Está assim a pretensão dos reclamantes dependente da verificação dos seguintes pressupostos: pagamento de sinal; incumprimento do contrato promessa; tradição da coisa prometida vender a consumidor.

  3. i) No que em especial respeita ao pagamento do sinal o Tribunal a quo deu como provado, no ponto 11) dos factos provados, que “na data da celebração dos contratos-promessa referidos (19/04/2022) em 7), os Reclamantes, promitentes-compradores, entregaram ao promitente-vendedor, que recebeu, como sinal e em pagamento parcial antecipado do preço combinado pela transmissão das duas referidas partes concretas (destinadas a constituir fracções autónomas) do referido edifício e prédio (destinado a fraccionamento em regime de propriedade horizontal), o valor de € 117.218,00 (€ 79.808,00 + € 37.410,00)”.

  4. Na fundamentação da resposta positiva dada à materialidade ora transcrita pode ler-se, na sentença sub iudice, que a convicção do Tribunal recorrido assentou, em exclusivo, nos depoimentos prestados por J. M., aqui executado, por M. P., Credora Reclamante e por S. P., filha dos Reclamantes.

  5. Com todo o respeito, tais depoimentos não se podem ter por suficientes para comprovar a entrega de tão elevado montante a título de sinal, tanto mais que nenhuma das testemunhas demonstrou ter conhecimento directo da factualidade em apreciação, circunstância a que se soma a de serem, todas, claramente interessadas e pouco credíveis.

  6. Quanto à testemunha J. M., aqui executado, revelou apenas ter conhecimento indirecto da materialidade ora em análise, sendo que, precisamente por tal motivo, questionado pelo mandatário dos reclamantes quanto à sua certeza no que respeita ao pagamento do sinal, afirmou apenas não ter “dúvidas nenhumas” do que ele próprio entregou, que foram as chaves.

  7. Como é certo, quanto ao alegado pagamento do sinal não tem certeza alguma, já que o mesmo não lhe terá sido pago a si, baseando a sua razão de ciência “nuns papéis” que o pai tinha, sendo que os mesmos não lhe terão, sequer, permitido precisar qual a quantia alegadamente entregue.

  8. Refira-se, aliás, que tais “papéis” não se acham, sequer, juntos aos autos, desconhecendo-se da sua veracidade, quer no que respeita à respectiva autoria, quer no que respeita ao respectivo conteúdo.

  9. Acresce que, não se pode deixar de apontar alguma inexactidão ao testemunho do executado, que redunda, necessariamente, em falta de credibilidade, pois que, para além do já exposto, questionado quanto ao recebimento de quaisquer quantias por conta dos contratos promessa de que falou afirma “(…)eu nunca recebi dinheiro de ninguém, eu daquele prédio (…)”, sendo certo que a testemunha C. M., afirma ter entregue ao mesmo a quantia de € 12.000,00 ou € 13.000,00 a título de sinal.

  10. Quanto à testemunha S. S., filha dos Reclamantes, com inequívoco interesse no desfecho da acção, não presenciou ou efectuou o pagamento alegadamente efectuado a título de sinal, tendo prestado um depoimento de “ouvir dizer”, o que não lhe permitiu demonstrar qualquer certeza ou razão de ciência, tão pouco, no que respeita ao concreto montante em questão ou à forma como o mesmo terá sido entregue.

  11. Quanto à testemunha C. N., cunhado dos Credores Reclamantes, não teve conhecimento directo da materialidade em apreço, tendo prestado um depoimento de “ouvir dizer”, revelando, de resto, claras discrepâncias e imprecisões no que respeita ao valor do “negócio”.

  12. Quanto à testemunha S. P., filha dos Reclamantes, com inequívoco interesse no desfecho da acção, não presenciou ou efectuou o pagamento alegadamente efectuado a título de sinal, tendo prestado um depoimento de “ouvir dizer”, o que não lhe permitiu demonstrar qualquer certeza ou razão de ciência, tão pouco, no que respeita ao concreto montante em questão ou à forma como o mesmo terá sido entregue.

  13. Quanto às declarações de M. P., aqui Reclamante, também esta não efectuou o pagamento do valor alegadamente entregue ao promitente vendedor a título de sinal, não demonstrando, a este respeito, qualquer razão de ciência directa, já que nada presenciou.

  14. Quanto às declarações de M. J., aqui Reclamante, o qual terá efectuado a transferência do preço para o promitente vendedor, além de certamente parcial, acham-se repletas de imprecisões e discrepâncias, seja quanto à data da celebração dos contratos, quanto à quantia alegadamente paga ou até ao modo como o pagamento terá sido efectuado, o qual de resto não se coaduna com a normalidade da prática bancária, o que permite, no mínimo, suscitar a questão da sua isenção e idoneidade.

  15. Ora, a acrescer aos testemunhos e declarações prestados, com vista à prova do pagamento do preço apenas foi junta aos autos cópia de caderneta da Caixa ..., S.A., documento que, de resto, i) foi impugnado pela Caixa ..., ii) não é valorado pelo Tribunal e que, por si só, iii) não permite comprovar qualquer pagamento ao promitente vendedor, já que do mesmo apenas constam menções a depósitos e levantamentos de dinheiro, sendo que iv) da mesma não consta qualquer pagamento coincidente com o preço acordado ou v) contemporâneo dos contratos promessa em questão.

  16. Assim, não podia/devia o Tribunal a quo ter dado como provado o pagamento da quantia de € 117.218,00 (cento e dezassete mil duzentos e dezoito euros) a título de sinal.

  17. É que, a prova de tal facto, ónus dos alegantes, necessitaria, cremos, de suporte documental bastante, o qual, como se vê, dos autos, não foi junto e nem foi requerida a sua junção ao Tribunal.

  18. Com efeito, o contrato promessa referido a contrato definitivo para o qual se exija documento autêntico ou particular – como sucede com o contrato de compra e venda de coisa imóvel – é um contrato formal, dado que deve constar de documento escrito assinado pelos promitentes – cfr. artigo 410.º, n.º2 do Código Civil.

  19. Trata-se de uma formalidade ad substatiam: a sua violação gera, nos termos gerais, a nulidade do contrato promessa – cfr. art. 220.º do Código Civil.

  20. Da imperatividade legal da forma escrita para os contratos em apreço decorre a aplicação do regime probatório previsto no n.º1 do artigo 394.º do Código Civil, face à remissão expressa do artigo 395.º do mesmo diploma legal, não permitindo a lei prova documental do facto extintivo da obrigação (pagamento).

  21. Pelo que, salvo o devido respeito, mal andou o Tribunal a quo ao considerar como provado o pagamento do preço, com sustento na prova testemunhal produzida em juízo, a qual, para mais, além de imprecisa, é, em toda a linha, parcial, porque certamente interessada.

  22. Deveriam os Reclamantes ter junto ou requerido a junção aos autos prova documental passível de demonstrar que o preço acordado foi efectivamente entregue ao promitente vendedor (veja-se nesse sentido, entre muitos outros, Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 09.06.2011 e de 11.20.2010 e Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 28 de Março de 2019, disponíveis in www.dgsi.pt, Pires de Lima e Antunes Varela in “Código Civil Anotado, Volume I, 4.ª edição, 1987, página 345), o que, de modo algum, fizeram ou procuraram fazer.

  23. Sendo certo que, ainda que se entenda, na senda dos ensinamentos preconizados pelo Professor Vaz Serra que a prova testemunhal é admissível nas seguintes circunstância excepcionais: a)quando exista começo ou princípio de prova por escrito, b) quando se demonstre ter sido moral ou materialmente impossível a obtenção de uma prova escrita e, ainda, c) em caso de perda não culposa do documento que fornecia a prova, a verdade é que igualmente caberá...

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