Acórdão nº 5058/17.0T8VNF-C.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 19 de Março de 2020

Magistrado ResponsávelJOSÉ FLORES
Data da Resolução19 de Março de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Recorrente(s): E. P.; Recorrido(s): MINISTÉRIO PÚBLICO e CREDORES X, S.A. E Y- ETIQUETAS & RÓTULOS, LDA.

*Acordam os Juízes na 1ª Secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães: 1.

RELATÓRIO Os credores X, S.A. e Y- Etiquetas & Rótulos, Lda apresentaram o seu parecer, propondo a qualificação da insolvência como culposa da sociedade ... Color, SA e a afectação de E. P. e P. P..

A senhora administradora da insolvência apresentou o seu parecer, propondo a qualificação da insolvência como fortuita.

O Ministério Público apresentou também o seu parecer de qualificação da insolvência, propondo a qualificação como culposa da sociedade insolvente e a afectação de E. P. e P. P., sucessivamente seus administradores únicos.

Os requeridos apresentaram oposição, pugnando pela qualificação da insolvência como fortuita.

*Procedeu-se a julgamento, após o que foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: “Pelo exposto: a) qualifico como culposa a insolvência de ... Color, SA, declarando afectada pela mesma E. P. e P. P.; b) fixo em 7 (sete) anos o período da sua inibição para o exercício do comércio, ocupação de cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa e em igual período a inibição do requerido para administrar patrimónios de terceiros; c) determino a perda de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente detidos por E. P. e P. P. e condeno-os na restituição dos bens ou direitos já recebidos em pagamento desses créditos; d) condeno, ainda, os requeridos E. P. e P. P. a pagar aos credores o montante correspondente ao total dos créditos reconhecidos na lista apresentada pela senhora Administradora da Insolvência nos termos do art. 129º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, que não forem pagos pelo produto da liquidação do activo.

*Custas pelos requeridos E. P. e P. P.

.

” Inconformado com essa decisão, o Recorrente acima identificado apresentou recurso da mesma, que culmina com as seguintes conclusões.

I. O Apelante não se conforma com a douta sentença proferida e, por via do qual, foi qualificada com o culposa a insolvência da ... Color SA e, em consequência afectado, inter alia, o ora apelante pela declaração de insolvência, com as consequências ali melhor descritas.

II. A douta sentença recorrida padece de vícios, desde logo quanto à fundamentação em matéria de facto, já que a consideração de toda a instrução e demais acquis processual imporia conclusão diferente, dando-se por provados os factos L; M e N – e que se desse por não provado o vertido de E) a H).

III. O depoimento da testemunha P. J. infringe o disposto no artigo 500 º do CPC, na medida em que é autenticamente um depoimento por escrito, de espécie não admitida, sob a capa aparente de um depoimento verbal e presencial.

IV. Com efeito, como decorre dos vários passos do respectivo depoimento mencionados em sede de motivação, a razão de ciência para tudo o que refere é a remissão para um documento que o mesmo terá produzido, e enviado aos autos anteriormente (“carta”; “documento”), com auxílio de quem se desconhece, tornando impossível o contraditório.

V. Por cautela, desde já se invocando a inconstitucionalidade do artigo 500º do CPC se interpretado no sentido de se permitir o depoimento presencial por remissão continuada para documento escrito, fora dos casos legalmente previstos, por violação do disposto no art. 20º, nº 4 da CRP e por ofensa ao disposto no art. 6º da CEDH, ex vi do disposto no art. 8º, nº 3 da CRP.

VI. O depoimento é hesitante, defensivo (porventura, para afastar qualquer responsabilidade por omissão da prática de actos), não conseguindo a dita testemunha precisar que documentos deixou de receber, pelo que fica em aberto de quem será a responsabilidade pela desorganização contabilística – se da administração da insolvente; se da empresa contratada para organizar a contabilidade.

VII. Tal convicção é fortalecida pelo depoimento da própria administradora de insolvência, que refere, no passo apontado em motivação, do seu depoimento, que a testemunha a informara da falta de um único documento para se “fechar” o ano de 2015.

VIII. É alieno e contrário à experiência comum, que se considere que a falta de um único documento impossibilita o fecho de contas.

IX. Não se vislumbra, por outro lado, esforço inquisitório do tribunal a quo para perceber qual o documento em falta, ou quais as diligências empreendidas para o obter, pelo que sempre se revelaria – sem tais esclarecimentos – a conclusão da responsabilidade do ora apelante na inexistência de contabilidade organizada precipitada, e com ausência de fundamento de facto.

X.

Não se percebe como pode o ora Apelante ser considerado responsável, seja pela criação ou agravação artificial de passivos ou prejuízos, ou pela inexistência ou desarrumação da contabilidade.

XI. Emerge da matéria provada ter sido o ora Apelante administrador, de 11- 09-2015 a 14-01-2016, nada mais resultando nos autos quanto à sua participação na direcção da Insolvente.

XII. No ponto G da matéria dada por provada afirma-se a existência (a 31-12-2015 – dentro do consulado do ora Apelante, portanto) de um saldo a débito de clientes no valor de 93 540,91 €, de um saldo de caixa no valor de 36 338,75 € e de activos fixos tangíveis no valor de 70 954,92 €.

XIII. Não resulta da matéria dada por provada se, ou quando, algum do saldo de débitos a clientes foi recebido, ou por quem.

XIV. Nada se sabe nem quanto ao destino do saldo de caixa, nem quanto ao do activo.

XV. Menos se sabe sobre a actuação – se alguma houve – do Apelante quanto a tais realidades.

XVI. Tendo em conta, que de acordo com o balancete referido na matéria dada por provada, a 31-12-2015, existiam os “activos tangíveis” e o saldo de caixa, desafia a lógica que tenha sido nos catorze dias subsequentes que o Apelante os tenha feito desaparecer.

XVII. É aberrante a conclusão de ser o ora Apelante responsável pela inexistência de contabilidade organizada.

XVIII. Ainda que se tivesse por indesmentível (por mera hipótese) que “desde o início de 2016 aqueles (cada uma a seu tempo) deixaram de entregar (....) os documentos necessários à sua organização, designadamente recibos e extractos bancários”, ponto é perceber como é que poderia o ora Apelante ter contribuído para a situação, dado que os extractos bancários chegam ao cada fim de mês e é usual nas empresas com contabilidade externa os documentos serem também enviados mensalmente ao “provider”, como resulta da experiência comum.

XIX. Tendo de se concluir que todos os documentos respeitantes ao ano de 2015 foram entregues (ou não existiria o já referido balancete, reportado a 31-12-2015), que apenas em início de 2016 se verificou a omissão de entrega de documentos, a já referida “cadência mensal”, e a circunstância de logo em 14 de Janeiro ter o Apelante deixado de ser administrador, facilmente se conclui que não lhe pode ser assacada qualquer responsabilidade pelo não envio de documentos.

XX. A igual conclusão se chega quanto à prestação de contas, às IES, aos modelos 22 do IRC e aos depósitos de contas relativos aos exercícios de 2015 e subsequentes, dado que o prazo para a respectiva realização se situaram para lá do termo do mandato do ora Apelante.

XXI. Tendo em conta o (curtíssimo) “tempo” em que o Apelante foi administrador da empresa, jamais poderia ser o autor de qualquer desvio ou descaminho ou do propalado desarranjo contabilístico.

XXII.

Assim, viola flagrantemente a douta decisão recorrida o disposto nos artigos 607º, nº 4 do CPC; o n.º 1, do art. 186º, do CIRE, as alíneas a) e h), do n.º 2 e ainda nº 3, do mesmo dispositivo, bem como o n.º 2, do 189º, do mesmo diploma.

XXIII.

O tribunal a quo não cuida de aprovar a medida quantitativa da produção ou agravamento do estado de insolvência, imputável à actuação do ora Apelante, não se sabendo que parte dos activos foram pelo mesmo descaminhados, sabendo-se apenas que, nas conhecidas alienações de viaturas, mencionadas quer nos factos provados, quer nos não provados, nula intervenção tem o ora Apelante.

XXIV.

Não se sabe, pois, qual o prejuízo atribuído à conduta do Apelante - e só perante o mesmo se poderia apurar a eventual responsabilidade mesmo, tendo em conta que a determinação concreta das inibições a que aludem as alíneas b) e c) do nº 2 do artigo 189 º do CIRE reclamam critérios de proporcionalidade, os quais radicam essencialmente na gravidade do comportamento em causa, num juízo de censurabilidade, não bastando o nexo de causalidade entre comportamento e consequência (insolvência, ou agravamento de situação de insolvência), havendo de concluir qual a real dimensão do prejuízo - de outra forma, não faria sentido a possibilidade de modelação, entre 2 e 10 anos.

XXV. Ora, como sobre isso nada se diz, é a matéria de facto insuficiente para apuramento da inibição aplicada, com a consequente nulidade, nos termos do artigo 615º, nº1 b) do CPC (cfr., a propósito, os Acórdãos da RP de 15.03.07, 13.09.97,07.01.08, 23.06.09, 15.07.09 e 22.06-10, da RL de 22.01.08, e da RC de 24.03.09,21.04.09 e 23.06.09, todos em www.dgsi.pt; cfr., outrossim; Raposo Subtil, Matos Esteves, Maria José Esteves e Luís Martins,” CIRE Anotado,” 2ª edição, págs. 265 e 266).

XXVI.

A condenação em sete anos de inibição é excessiva, desproporcionada, e desrazoável, tanto de um ponto de vista absoluto, como relativo.

XXVII. De um ponto de vista absoluto, tendo em conta a necessidade de “doseamento” da inibição em função da gravidade do comportamento do afectado, e sua relevância no efeito verificado (cfr. douto Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 20-09-2018, disponível em www.dgsi.pt).

XXVIII. Ainda que pudesse ser assacada a prática de algum facto lesivo e censurável ao ora apelante (o que não se descore na matéria dada por provada), o mesmo necessariamente teria de ter ocorrido no seu curto consulado – pelo que nunca...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT