Acórdão nº 2305/19.8T8VCT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 05 de Março de 2020

Magistrado ResponsávelJOSÉ AMARAL
Data da Resolução05 de Março de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I. RELATÓRIO O autor P. J.

intentou, em 01-07-2019, no Tribunal de Viana do Castelo, acção declarativa de simples apreciação negativa, sob forma de processo comum, contra o réu M. C.

.

Formulou o seguinte pedido: “…DEVERÁ A PRESENTE AÇÃO SER ACEITE E JULGADA PROCEDENTE, POR PROVADA E, EM CONSEQUÊNCIA, SER DECLARADO INEXISTENTE O SEGUINTE FACTO: “O SOBREDITO SINAL FOI INTEGRALMENTE DEVOLVIDO AO PROMITENTE-COMPRADOR EM TRIPLICADO DESIGNADAMENTE EM DEZ DE MAIO DE DOIS MIL E ONZE E TRÊS DE JUNHO DE DOIS MIL E ONZE, TENDO SIDO PAGO AO PROMITENTE COMPRADOR, SETE MIL E QUINHENTOS EUROS E TENDO ESTE DECLARADO NADA MAIS TER A EXIGIR À SOCIEDADE”, POR SER FALSO, NOS TERMOS DOS FACTOS E DO DIREITO SUPRA ALEGADO.” Como fundamentos, alegou, na respectiva petição inicial, resumindo, o seguinte: No dia 23-10-2009, entre o réu M. C. e C. S. foi celebrado um contrato-promessa de cessão de uma quota no valor nominal de 2.500€ (a resultar da divisão, em duas, de uma única pertencente àquele no capital social de certa sociedade “unipessoal”). Além do mais, foi convencionado que aquele se obrigava a ceder a este “ou a quem este indicar – por escrito, até à data da escritura –”, obrigando-se o mesmo a adquiri-la “ou fazer adquirir”, pelo preço de 2.500€, pago e quitado no acto da assinatura.

Mais foi estipulado que a escritura de cessão de quotas seria realizada no prazo a indicar livremente, em dia, hora e local, pelo aludido promitente cessionário (C. S.), por meio de carta registada com aviso de recepção a expedir para o domicílio do promitente cedente, com antecedência mínima de 15 dias.

Acrescentou que era e é pretensão do promitente cessionário que a cedência viesse a ser outorgada em favor de quem ele indicasse e, assim, no dia 17-07-2017, este deu conhecimento ao aqui réu (promitente cedente) que indicava o aqui autor como cessionário/adquirente para o qual deveria ser transmitida a quota a ceder por ele e, ainda, da marcação da escritura pública para o efeito, através do envio de três cartas registadas [1], recebidas, pois o réu sempre soube que a cessão de quotas (03-08-2017) seria realizada em favor de um terceiro, só não sabia, antes da recepção das supra citadas cartas, quem era e é o terceiro, em concreto, ou seja, o aqui autor. Mais lhe comunicou que a indicada pessoa (o autor) assumiria todos os direitos e obrigações relativamente à quota prometida ceder, em sua integral substituição.

Sucedeu que, no dia aprazado para a escritura, o notário exarou, além do mais que a mesma “não se realizou, segundo declara o referido mandatário, R. O.

[do réu cedente], uma vez que notificado para celebração da presente escritura pública, M. C. não procederá a qualquer venda ou cessão uma vez que o contrato promessa envolveu o pagamento de sinal de dois mil e quinhentos euros, pelo que não está sujeito a execução especifica”, que este “…sinal foi integralmente devolvido ao promitente-comprador em triplicado designadamente em dez de Maio de dois mil e onze [2] e três de Junho de dois mil e onze, tendo sido pago ao promitente comprador, sete mil e quinhentos euros e tendo este declarado nada mais ter a exigir à sociedade” e que juntava cópia das transferências e, ainda, que pelo aqui autor foi também declarado “que nos termos da cláusula segunda do contrato promessa de cessão de quotas celebrado no dia vinte e três de Outubro de dois mil e nove, foi por C. S. indicado […] para assumir essa qualidade bem como todos os direitos e obrigações relativa à quota prometida ceder para efeitos da outorga da escritura pública que não veio a ocorrer, pelos motivos exarados pelo representante do promitente cedente/vendedor supra identificado” e que juntava cópia das missivas trocadas com ele a tal propósito.

O então e ali alegado facto de que o sinal fora devolvido ao promitente- comprador (C. S.) em triplicado e de que este declarara nada mais ter a exigir “nunca aconteceu”, sendo que o próprio esclareceu, quando questionado, que o valor por si recebido “não tinha relação nenhuma com o contrato promessa”, antes respeitou a dois empréstimos que lhe foram concedidos pelo réu, conforme confissões de dívida juntas, de que, por vicissitudes da sua vida, a certa altura necessitou.

Nunca o réu procedeu à divisão da quota que lhe pertencia, como era pressuposto da cessão prometida, pelo que nunca teve intenção de a realizar. Aliás, os actos de transferência não mostram que os respectivos valores respeitassem à devolução em triplo do sinal. Tratou-se, sim, de “facto ficcionado pelo R., não passou de um “estratagema” para obstaculizar as pretensões do A., concretamente, a cessão de quotas respeitante ao contrato promessa”, cuja inexistência o tribunal deverá declarar.

Considerou, pois, que a acção se justifica dada a “arrogância extrajudicial por parte do réu” sobre aquele facto que considera inexistente, estando, em face do exarado no certificado notarial, criada uma situação de “incerteza objectiva e grave” cuja indefinição o impede de “auferir todas as vantagens normalmente proporcionadas pela relação jurídica material” e que lhe impinge” um “dano patrimonial apreciável”, ou seja, “em razão da nomeação do A., no âmbito do contrato promessa, os prejuízos, em concreto, a não realização da escritura de cessão de quotas, foram de per si assumidos pelo mesmo”, sendo que – como rematou – “discute-se nos presentes autos a natureza jurídica do montante recebido” pelo primitivo promitente cessionário “ao qual o réu atribuiu, falsamente, como sendo a devolução em triplicado do sinal prestado no âmbito do contrato promessa” mas “na verdade, tratava-se de um empréstimo pessoal” deste àquele.

Juntou documentos [3].

O réu, na contestação, excepcionou a ilegitimidade ou falta de interesse em agir do autor, percutindo que os prejuízos invocados, segundo o autor, lhe adviriam do incumprimento do contrato promessa e não da incerteza sobre o alegado “estratagema”, sendo irrelevante a declaração pretendida (inexistência da devolução do sinal), pois que tal é apenas “indiciário ou instrumental” da recusa. Do aludido incumprimento não há nenhuma “incerteza”.

Salientou, ainda, que se trata de caso paradigmático daquela falta de interesse, uma vez que o autor poderia obter o mesmo resultado mediante acção de condenação.

Impugnou parte da factualidade (e dos documentos, nomeadamente da invocada confissão de dívida) e defendeu que, a não ser decidida a absolvição da instância, deve a acção ser julgada improcedente, por falta de qualquer direito do autor, pois o aludido C. S. nunca adquiriu a qualidade de sócio, a quota nunca foi dividida, embora saliente que, em 03-05-2011, por documento particular, ele cedeu ao aqui réu a quota mencionada como adquirida pelo contrato de 23-10-2009 por 2.500€ e mais 5.000€, e declarando nada mais ter a haver da sociedade. A ter havido sociedade ela teria, então, sido dissolvida por vontade dos dois sócios, pelo que ao “ceder”, em 2017, a sua posição nessa sociedade depois de ter renunciado expressamente a quaisquer direitos relativamente à sociedade em 2011, jamais o autor poderia invocar o contrato para pessoa a nomear, outorgado em 2009, porque aquele C. S. o teria revogado, antes de ratificação pelo nomeado.

Juntou documento [4].

Respondendo à excepção dilatória, o autor manteve que a declaração de inexistência é fundamental para depois aquilatar sobre o direito que lhe assiste quanto à cessão da posição no âmbito do contrato promessa (cujo não outorga a seu favor não discute) e que a situação de incerteza (essa sim, discutida) criada pela declaração (falsa) feita ante o Notário é que lhe provocou prejuízos materiais, designadamente os da não realização da escritura de cessão de quotas.

Impugnou a versão fáctica aduzida pelo réu e o documento por ele junto.

Em despacho de 19-11-2019, foi fixado (em 7.500€) o valor da causa, dispensada a audiência prévia e, saneando os autos, declarado o tribunal competente e o processo válido. De seguida, sob o título “da ilegitimidade/falta de interesse em agir do autor”, depois de tecidas considerações sobre o conceito daquele primeiro pressuposto processual e...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT