Acórdão nº 301/18.1T8VNF-C.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 05 de Março de 2020

Magistrado ResponsávelROSÁLIA CUNHA
Data da Resolução05 de Março de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam em conferência na 1ª seção cível do Tribunal da Relação de Guimarães: RELATÓRIO Nos autos de insolvência relativos à sociedade X, Unipessoal, Lda., foi proferida sentença declaratória da sua insolvência.

*Em sede de assembleia de apreciação de relatório foi declarado aberto o incidente de qualificação de insolvência.

*O sr. Administrador de Insolvência apresentou parecer no qual se pronunciou no sentido de a insolvência ser qualificada como culposa e de tal qualificação dever afetar a gerente J. J..

*O Ministério Público pugnou igualmente pela qualificação da insolvência como culposa e considerou que tal qualificação deve afetar a gerente J. J..

*Citada, a gerente da insolvente deduziu oposição.

*Os autos principais foram encerrados por insuficiência da massa insolvente.

*Foram fixados os temas da prova e o objeto do litígio.

*Procedeu-se a julgamento e a final foi proferida sentença com o seguinte teor decisório: “Nestes termos e pelos fundamentos expostos, decido: - qualificar a insolvência da sociedade “X, Unipessoal, Lda.” como culposa, nos termos do artº 186º, nº 1, nº 2, al. h) e n.º 3, al. a)do CIRE; - determinar a afectação pela referida qualificação da gerente de direito J. J. [artº 189º, nº 2,al. a), do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas]; - fixar em 2anos o período de inibição da gerente para o exercício do comércio, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa [artº 189º, nº 2, al. c), do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas]; - condenar a gerente a indemnizar os credores da devedora declarada insolvente no montante dos créditos não satisfeitos, até às forças do respectivo património [artº 189º, nº 2, al. e), do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas].

Determino, ainda, o registo da inibição para o exercício do comércio junto da Conservatória do Registo Civil, com base em comunicação electrónica ou telemática da secretaria, acompanhada de extracto desta sentença [arts. 189º, nº 3, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, e 69º, nº 1, al. l), do Código de Registo Civil].”*A gerente da insolvente J. J. não se conformou e interpôs o presente recurso de apelação, tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões: “1 -. Escutando os supra transcritos depoimentos prestados em audiência de julgamento quer pela Demandada/Apelante, J. J., quer pelas 3 testemunhas, M. L., F. C., M. C., particularmente nas partes indicadas com precisão no corpo das alegações, e compaginando os mesmos com a supra citada prova documental que se encontra junta aos autos, 2 - É manifesto que a Demandada/Apelante, nunca exerceu de facto as funções de gerente daquela rudimentar unidade industrial que albergava, para além da sua Mãe, cerca de 10 antigas trabalhadoras de pequenas unidades de confecção que, sucessivamente, foram sendo declaradas insolventes.

3 - É manifesto que a própria indicação do nome da Demandada/Apelante para “gerente de direito” da rudimentar unidade industrial que viria a ser declarada insolvente, traduziu um acto simulado na medida em que desde o inicio o que foi solicitado à Demandada/Apelante foi o favor de fazer de conta que era gerente da sociedade, mas sem qualquer intervenção directa e efectiva na gestão da empresa.

4 - É manifesto que a indicação do nome da Demandada/Apelante como “gerente de direito” da empresa e a aceitação da mesma traduziu tão só, por um lado um dever de gratidão e amor filial para com a sua Mãe, e por outro, um dever de gratidão e uma desinteressada e benevolente ajuda às demais 8 ou 9 colegas da senhora sua Mãe que, desde há anos, vinham sobrevivendo juntas e em comunhão de esforços para evitarem serem lançadas no desemprego.

5 - Por tudo quanto supra se invocou e que, por brevidade e economia processual se deve ter por integralmente reproduzido: - Deve ser retirada ou eliminada do elenco da matéria de facto declarada “Provada” as als. e), i), l), m) e n) da relação dessa matéria de facto declarada Provada, as quais, e no que à Demandante/apelante diz respeito, deverão transitar para o elenco da matéria de facto declarada “Não Provada”; Do mesmo passo, - E atendendo ainda à supra invocada e supra citada prova documental e á supra citada e até transcrita prova testemunhal, deve ser levada à relação da matéria de facto “Provada” a factualidade que está incluída nas als. a), b), c), d), f), g), i) e j) da relação da matéria de facto declarada “Não Provada”.

6 - Tais alterações aqui propugnadas e reclamadas no que concerne à impugnação da decisão respeitante à matéria de facto e muito particularmente da inclusão da apontada factualidade na relação da matéria de facto “Provada” e da apontada factualidade no elenco da matéria de facto “Não Provada” impõe-se, salvo o devido respeito, dada a obrigação de análise critica da prova imposta ao julgador pelo disposto nos arts. 607º nº 4 do CPC, e o dever de apreciação e valoração da prova segundo as regras da experiencia comum e, no caso, do estado de necessidade com que foi confrontada a Demandada/Apelante em face da situação de carência e extrema dependência e necessidade de trabalho daquelas 10 pessoas que se estabeleceram em regime de verdadeira “auto-gestão” para se manterem activas e socialmente úteis.

7 - Padecendo a douta decisão aqui impugnada, pelos fundamentos supra invocados, na parte impugnada respeitante à questão de facto no que concerne às acima citadas alineas do elenco da matéria de facto, conforme o também supra explicado e demonstrado:

  1. Do vicio de erro de julgamento, na medida em que, a decisão do Tribunal relativamente à matéria de facto impugnada, vai contra o que é razoável extrair dos supra citados documentos que se encontram nos autos, tal como vai contra o que se pode extrair dos depoimentos supra citados, designadamente, na partes identificadas e até transcritas, e tudo devidamente conjugado com as regras da experiência comum .

    8 - Tal vício de erro de julgamento que afectou a fundamentação e sobretudo o conteúdo da decisão relativa à matéria de facto impugnada, deve ter como consequência que este Tribunal “ad quem”, em obediência ao disposto nos arts. 607º nº 4 e 662º nº 1 do C.P.Civil, e tendo em conta tudo o supra invocado, altere a mesma segundo o que e quanto a cada uma, foi especificadamente proposto e reclamado pela Demandada/Apelante.

    ISTO POSTO E SEM PRESCINDIR, 9 - E do que fica dito, pode-se, desde já concluir que a Demandada/Apelante, que apenas formal e aparentemente ficou com o titulo de “gerente de direito”, mas que efectivamente nunca exerceu as funções correspondentes a tal nomeação, tendo-se limitado a corresponder a um pedido da senhora sua Mãe e das demais colegas de trabalho da mesma, não contribuiu, quer para a desorganização que se manifestou na contabilidade daquela pequena e rudimentar unidade industrial, tal como não partiu dela o retardar do encerramento da unidade produtiva.

    10 - A Demandante/Apelante, atentas as sua especiais ligações familiares e de dependência emocional e afectiva quer da senhora sua Mãe, quer das sua familiares directas, quer das suas vizinhas , todas elas trabalhadoras que a conheciam desde a idade de criança, não conseguiu recusar dar a mão a quem, numa situação de extrema necessidade, lhe pediu auxilio para tentarem manter os postos de trabalho e, desse modo, manterem-se activas e válidas, quer no âmbito de captação de rendimentos para as respectivas famílias, quer no âmbito da sua actividade social, com repercussões directas no próprio estado de saúde, quer físico ,quer psíquico das mesmas.

    11 - Não foi possível apurar, e também ao caso não interessa, porque não foi a própria Mãe da Demandante/Apelante quem assumiu a gerência da sociedade insolvente.

    12 - O certo é que, e como na douta Sentença proferida no tribunal “a quo” expressamente se reconheceu, a efectiva e verdadeira gerente da sociedade insolvente sempre foi a Dª F. C..

    13-Ficou também bem expresso e igualmente claro que a Dª F. C. e as suas 8 ou 9 colegas e amigas de mais de 20 anos de “caminhar juntas” actuavam naquela rudimentar unidade industrial dentro de um verdadeiro sistema de “auto-gestão”.

    14 - A filha, aqui Demandada/Apelante, ajudou mas nunca comandou nem dirigiu a gestão dessa unidade rudimentar.

    15 - Em bom rigor a sua indicação e a colocação do seu nome como “gerente de direito” da sociedade representou um acto simulado dado que, nem quem a indicou, nem ela própria, queriam que ela exercesse efectivamente tais funções.

    16-A lei estipula a nulidade do negócio simulado, no caso simulação inocente – animus decipiendi - o que significa, consequentemente, que a simulação pode ser arguida por qualquer interessado e declarada oficiosamente, tal como que o vicio do negócio simulado pode ser invocado a todo o tempo, tanto por meio de acção como de excepção e que não pode ser sanado por confirmação da declaração.

    17 - Ora, como se viu e está demonstrado no processo, a Demandada/Apelante não tinha interesse nem vontade de ser gerente daquela rudimentar unidade industrial, tendo-se limitado a fazer o favor de substituir a senhora sua cunhada, a qual, aliás, também não tinha sido a verdadeira gerente da mesma rudimentar unidade industrial.

    18 - Na sentença recorrida não se atendeu, na sua integralidade, à situação factual reflectida nos autos na parte em que ficou evidenciado o mero favor e a falta de vontade da Demandada/Apelante para ser “gerente de direito” da sociedade.

    19 - A Demandada/Apelante, para além de ter invocado e demonstrado que não era gerente de facto, também invocou e demonstrou que apenas aparentemente ficou sendo “gerente” da sociedade.

    20 - Explicou e provou que quem comandava os destinos daquela rudimentar unidade industrial era a sua Mãe e as demais colegas de trabalho.

    21 - E sempre que ela tentou fazer jus ao titulo de “gerente de direito”, quem...

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