Acórdão nº 5253/18.5T8BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 12 de Março de 2020

Magistrado ResponsávelPURIFICAÇÃO CARVALHO
Data da Resolução12 de Março de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Recurso de Apelação em processo comum e especial - Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães – I.

RELATÓRIO M. J.

, solteira, maior, NIF ……, residente em Rue …, em França, instaurou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra: - M. M.

, solteiro, maior, NIF ……, residente em Rue …, em França, pedindo que o réu seja condenado a pagar-lhe: a) uma indemnização no montante de 83.017,00 Euros, referente à culpa na gestão de negócios alheios; b) assim não se entendendo, deverá sempre ser condenado a entregar a quantia de 80.517,00 Euros, referente ao montante com que se locupletou na qualidade de gestor de negócios; c) nos juros vencidos e vincendos à taxa legal de 4% desde a citação até integral pagamento/restituição.

Para tal alega, em suma, que o réu agiu a 29.08.1986 como seu gestor de negócios na aquisição de metade da fracção autónoma identificada no art. 5.º da petição – fracção designada pela letra “F” do prédio descrito na C.R.Predial sob o n.º ..., e na matriz sob o art. ..., correspondente ao ..º andar … da Rua ..., em …, Braga, o que não foi por si autorizado, até porque na época vivia em França e não mantinha sequer contacto com esse familiar, pelo que apenas tomou conhecimento da aludida aquisição após a morte da sua mãe, ocorrida a 7.09.2014, e através de um primo comum – J. R..

Foi a autora quem procedeu ao registo dessa aquisição a 23.10.2015, sendo que após o réu iniciou a acção de divisão de coisa comum que correu termos sob o n.º 3094/16.3T8BRG, onde a autora, após apresentação de propostas em carta fechada, veio a adquirir a metade da mesma fracção que pertencia ao irmão, pelo preço de 35.000,00 Eur., o que sucedeu no Verão de 2017.

Sucede que, quando entrou na posse da fracção, constatou que a mesma estava completamente destruída e ainda hoje não tem chave de entrada no edifício e do correio, apenas detendo a chave do apartamento, porquanto em 3 de Agosto de 2017 alterou a fechadura, para ali poder entrar, o que fez depois de enviar ao réu duas cartas (docs. 24 e 25 de Abril de 2017), sem que o mesmo anuísse em facultar-lhe o acesso.

O réu privou a autora do uso da fracção e de aceder aos rendimentos que este lhe podia proporcionar durante cerca de 30 anos, o que correspondeu a uma perda de ganho de 23.400,00 Euros, considerando a progressão de rendas anuais de 1986 a 2016, período em que o tio de autora e do réu, A. R., ali manteve domicílio fiscal e morou, sem que o réu retirasse da fracção qualquer rendimento.

Para que a autora possa habitar ou fazer uso do apartamento terá de realizar obras no valor de 57.117,00 Euros, valor pelo qual o réu deve ser responsabilizado já que não geriu bem a parte da autora, e porque deixou a fracção degradar-se.

Toda esta situação causou à autora profunda dor e desilusão sobretudo pelo valor sentimental que a fracção tem, já que a mesma se apercebeu que foi enganada pelo irmão e por ele afastada dos bens da família, pelo que deve ainda ser condenado a pagar-lhe uma indemnização por danos não patrimoniais que computa em 2.500,00 Euros.

Subsidiariamente, caso o Tribunal entenda que não houve exercício culposo na gestão, alega a autora que o réu enriqueceu todos estes anos, recebendo o preço equivalente à totalidade das rendas de uma fracção que não era só sua, e que das mesmas prescindiu foi porque quis ou porque delas não precisava, pelo que terá de ressarcir a autora no valor correspondente a 23.400,00 Euros..

Além disso, a autora adquiriu a metade do réu pelo valor supra referido, porém, a fracção no estado em que se encontra não vale 70.000,00 Euros, mas sim metade desse valor, estando agora a autora obrigada a fazer obras no montante já mencionado, pelo que deve o réu restituir-lhe o valor com que injustamente se locupletou, a título de enriquecimento sem causa.

*O réu contestou de fls. 36 e seguintes dos autos, alegando, em suma, que adquiriu a dita fracção para si e para a autora, na qualidade de gestor de negócios desta.

De facto, como começou a trabalhar e a exercer a sua actividade profissional desde muito novo, encontrando-se radicado em .../Franca, há cerca de 40 anos, com capacidade financeira, acedeu, por razões de solidariedade familiar e humanitária, ao pedido de sua mãe para adquirir a fracção indicada, com vista a ali a receber a sua avó materna, G. R., que até então residia no Brasil.

Assim, por volta do ano de 1986, passou aquela a habitar de forma graciosa o apartamento, juntamente com o filho, A. R., tio da autora e do réu, e irmão da mãe destes, M. R..

O apartamento foi mobilado com a participação dos pais das partes, a expensas, na medida do possível, do citado tio e com alguns parcos haveres da avó destes.

As despesas de utilização foram suportadas vários anos pelo aludido tio, designadamente os consumos com a água, energia eléctrica, condomínio, IMI e outras.

Quando o apartamento foi comprado, em segunda mão, já apresentava algumas deficiências, tais como infiltrações e outras humidades por ser muito antigo. Razão pela qual foi o telhado reparado pelo condomínio, tendo o réu pago a sua quota parte do inerente custo.

A citada avó das partes residiu no apartamento com o filho, o tio A. R., que a amparou e acompanhou até à sua morte, após o ano 2000. Posteriormente, o A. R. continuou a ocupar graciosamente o apartamento, pois que o réu e os seus pais lhe manifestavam a sua gratidão pela prestação dos cuidados à referida progenitora.

Era a mãe do réu e da autora quem orientava as questões relacionadas com a utilização do predito apartamento, por estar aquele emigrado.

Por isso, era a sua mãe que conversava com a autora, a quem transmitiu e comunicou a situação do apartamento, bem como as circunstâncias que motivaram a aquisição do mesmo. Porém, o réu desconhece, como e o que a sua mãe combinou com a autora quanto à forma do reembolso do preço e demais encargos que suportou e pagou aquando da aquisição do apartamento, na parte em que assumiu a gestão de negócios.

Em 1986 o réu pagou, para além dos respectivos encargos adicionais, a quantia de 4.650.000$00 PTE, pelo que sempre terá a autora de pagar a este, pelo menos, de acordo com a evolução do índice de preços ao consumidor, a quantia de 40.675,00 Euros [81.350,31 €:2], correspondente à metade indivisa que registou a seu favor.

Para salvaguardar o crédito proveniente da gestão, entendeu o réu exercer o direito de retenção sobre o apartamento, que manteve até ao dia em que se concretizaram os efeitos da divisão de coisa comum.

A partir do óbito da mãe da autora e do réu, ocorrido em 7.09.2014, aquela incompatibilizou-se com o pai, D. M., pelo que o réu decidiu afastar-se por completo dela, e avançou com a mencionada acção de divisão de coisa comum. Naquele processo, e antes da apresentação das propostas, a ré, através de representantes seus, visitou o apartamento e verificou o estado de conservação em que o mesmo se encontrava. Ambas as partes apresentaram então as suas propostas tendo cada qual levado em conta quer a respetiva vetustez, quer a necessidade de o apartamento carecer de obras de manutenção.

A autora sempre conheceu as condições e as circunstâncias que motivaram a aquisição do apartamento, nomeadamente por via das informações que a sua mãe em vida lhe transmitiu, e decidiu, pouco tempo antes da acção de divisão de coisa comum, proceder, por sua exclusiva vontade, ao registo definitivo de aquisição junto da 1.ª Conservatória do Registo Predial ..., quer a seu favor, quer a favor do réu, na proporção de metade para cada um.

Donde resulta que a autora ratificou inequivocamente aquela gestão, maxime por forca do disposto nos arts. 268.º, n.º 1 e 471.º, ambos do Código Civil.

E se ratificou também aprovou a gestão de negócios pelo que, em consonância com o citado art. 469.º do Cód. Civil, renunciou a qualquer direito de indemnização pelos danos alegadamente causados por culpa do gestor.

Constituindo, por isso, manifesta má-fé por parte da autora, ao deduzir, conforme deduziu, a sua pretensão cuja falta de fundamento não deveria ignorar, quando nunca pagou um cêntimo que fosse face à gestão do réu, nem tão-pouco deixou de visitar e avaliar o apartamento antes da apresentação da sua proposta aquisitiva.

Ademais, deduzindo a autora a sua pretensão conforme o faz, age em manifesto abuso de direito pois nunca levantou quaisquer das questões ora suscitadas na p.i. até ou aquando da referida acção de divisão de coisa comum, não podendo ignorar o fim a que o apartamento se destinou, nunca perguntou ao réu qual o montante do crédito decorrente da gestão.

*Por despacho proferido a 24.01.2019 – cfr. fls. 48 – solicitou-se a remessa, para consulta, da acção especial de divisão de coisa comum mencionada.

E, após, por despacho de 27.02.2019 ordenou-se a notificação da autora para juntar aos autos certidão a extrair daquela mesma acção – cfr. fls. 56 e fls. 58 a 70. A 04.04.2019 foi proferido o despacho–saneador, dispensando-se a realização da audiência prévia, definindo-se o objecto do litígio e os temas da prova, e admitindo-se os meios de prova apresentados pelas partes. – cfr. fls. 71 e 72.

A 05.04.2019 foi remetida aos autos, a pedido do Tribunal, nova certidão com peças extraídas da acção especial de divisão de coisa comum. – cfr. fls. 73 a 75.

Na sequência dos requerimentos de 26.04.2019 e de 14.05.2019, o Tribunal proferiu despacho a 13.06.2019 – cfr. fls. 87, a admitir alteração dos requerimentos probatórios, entre o mais.

*Foi remetida aos autos informação da C.R.Predial a 2.07.2019 – cfr. fls. 93 a 99, A autora requereu ainda a alteração do seu rol de testemunhas e as suas próprias declarações de parte. – cfr. fls. 100 e 101, o que foi admitido por despacho de 10.07.2019.

A 10.07.2019 o réu requereu a junção aos autos do termo de autenticação que serviu de base ao averbamento da rectificação da gestida – cfr. fls. 103 a 108.

A audiência final decorreu com observância do formalismo legal como consta da acta de fls. 112 a 114.

...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT