Acórdão nº 1186/18.3T8VRL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 12 de Março de 2020

Magistrado ResponsávelFERNANDO FERNANDES FREITAS
Data da Resolução12 de Março de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES A) RELATÓRIO I.- D. R., com os sinais de identificação nos autos, na qualidade de cabeça-de-casal e única beneficiária da herança aberta por óbito de T. B., intentou a presente acção, com processo comum, contra A. F., também devidamente identificada, pedindo que esta seja condenada a pagar à referida Herança a quantia global de 16.578,08 euros (dezasseis mil quinhentos e setenta e oito euros e oito cêntimos), acrescida de juros de mora vincendos, até efectivo e integral pagamento.

Fundamenta alegando, em síntese, ter, na qualidade de procuradora de T. B., celebrado um contrato de compra e venda de um imóvel urbano propriedade desta, pelo preço total de € 55.000. Porém, somente lhe foi paga, através de dois cheques, a importância de € 40.000, faltando pagar os restantes € 15.000,00, que a Ré, apesar de ter sido interpelada por carta que lhe foi enviada, ainda não liquidou.

Regularmente citada, a Ré contestou alegando ter efectuado o pagamento total do preço da compra, emitindo, a pedido da Autora, três cheques: um e nome da proprietária do imóvel, no valor de € 20.000, outro de igual valor emitido em nome da Autora, e o terceiro, do montante de € 15.000 emitido em nome de C. F., também presente no acto da escritura. Posteriormente à assinatura e entrega destes cheques, a Autora outorgou e assinou a escritura de compra e venda da qual ficou a constar ter esta recebido “o preço de cinquenta e cinco mil euros por cheque”, nada devendo, por isso à Autora.

Termina pedindo a condenação da Autora como litigante de má fé, em indemnização não inferior a € 1.500, por alterar dolosamente a verdade e omitir factos relevantes para a decisão da causa, fazendo do processo um uso manifestamente reprovável com o fim de conseguir um objectivo ilegal.

Respondendo a este pedido a Autora defendeu-se alegando ter-se limitado a fazer valer um direito que entende assistir à herança que representa, motivo por que a referida pretensão deve ser desatendida.

Os autos prosseguiram os seus termos vindo a proceder-se ao julgamento que culminou com a prolação de douta sentença que, julgando a acção totalmente procedente, condenou a Ré a pagar à Autora, na qualidade de única beneficiária da herança aberta por óbito de T. B., a quantia de € 15.000,00 (quinze mil euros) acrescida de juros já vencidos e calculados à taxa de 4% até à presente data, no valor de € 2.151,78, e vincendos, até efectivo e integral pagamento, absolvendo-a do demais peticionado.

Mais decidindo julgar totalmente improcedente o pedido de condenação da Autora como litigante de má-fé, absolvendo-a de tal pedido.

Inconformada, traz a Ré o presente recurso pedindo que seja “anulada a sentença recorrida” e a sua substituição por outra “que a absolva” dos pedidos formulados pela Autora, e condene esta como litigante de má-fé, em multa e numa indemnização, a favor dela, Recorrente, em montante a liquidar em execução de sentença.

Contra-alegou a Autora propugnando para que se mantenha a decisão impugnada.

O recurso foi recebido como de apelação, com efeito devolutivo.

Colhidos, que se mostram, os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

**II.- A Apelante/Ré formulou as seguintes conclusões: 1. Vem, a Ré, recorrer das respostas, sobre a matéria de facto, vertidas nos pontos 5) e 7) dos factos provados; da resposta, também sobre a matéria de facto, plasmada no ponto a) dos factos não provados; e da sua condenação no pagamento, à A., na qualidade de única beneficiária da herança aberta por óbito de T. B., da quantia de € 15.000,00, acrescida de juros já vencidos e calculados à taxa de 4% até à data da sentença, no valor de € 2.151,78, e vincendos, até efectivo e integral pagamento.

  1. Os referidos factos dados como provados e não provados não respeitam a prova produzida em audiência de julgamento, sendo que a Meritíssima Juiz a quo, para os dar como tal, se baseou em argumentos, alguns incorrectos, outros desajustados e, ainda outros, obtidos através de precipitadas e estranhas conclusões.

  2. Designadamente, não respeitam o que consta dos depoimentos das testemunhas, indicadas pela Ré, C. R., J. L. e C. F., as únicas que, com a A., estiveram na sala de escrituras aquando da celebração da escritura de compra e venda em causa.

  3. Estas três testemunhas depuseram com conhecimento de causa e por forma credível e coerente, conforme se pode ver dos seus depoimentos que vêm transcritos, no essencial, no corpo destas alegações.

  4. No essencial, afirmam que viram e ouviram a A. a pedir ao representante da Ré, C. R., que, em pagamento do preço do imóvel – € 55.000,00 – lhe entregasse três cheques: um, de € 20.000,00, em nome dela, A.; outro, também de € 20.000,00, em nome da representada desta, a vendedora, T. B.; e, um terceiro, de 15.000,00, em nome de C. F., também presente na escritura.

  5. E assim aconteceu: o procurador da compradora, ora Ré, passou os três cheques, com números sequenciais e com os beneficiários indicados pela A., mandou tirar fotocópia dos mesmos – junta aos autos – e entregou os três cheques à A..

  6. A seguir fez-se a escritura, na qual a A. declara, expressamente, que vende o imóvel em causa pelo preço de cinquenta e cinco mil euros, que já recebeu por cheque.

  7. Estes depoimentos, não mereceram, como deveriam ter merecido, por parte da Meritíssima Juiz a quo, o acolhimento devido.

  8. Foram os depoimentos das duas testemunhas indicadas pela A. – o marido e a companheira do filho desta, que não estiveram na escritura – que, incompreensivelmente, convenceram a Meritíssima Juiz.

  9. E fizeram-no, trazendo para juízo, factos que nem sequer a própria A. havia alegado, nos seus articulados, como é o caso da alegada doença daquela, querendo fazer crer que a mesma não tinha tido a noção do que fizera, ao outorgar a escritura em causa.

  10. Esqueceram, porém, que o marido da A. estava no cartório, aquando da realização daquela escritura, mas não viu necessidade de entrar na sala de escrituras, com a A., para a ajudar, o que confirma que, na opinião deste, a A. estava em perfeitas condições de perceber e outorgar aquele documento.

  11. De qualquer forma, a tese da A. e dos seus familiares não tem qualquer fundamento, já que é totalmente inverosímil que a A. confiasse que pessoas, segundo eles, desconhecidas, mais tarde (não se diz quando) lhe enviassem (não sabem como) a quantia de € 15.000,00.

  12. E, realmente, só mais de dois anos e meio após a escritura é que entrou em juízo a presente acção.

  13. E só cerca de nove meses (!) após a escritura, é que o procurador da Ré, C. R., tinha sido contactado por uma advogada da A., com escritório em Almada, a qual o informou que a A. não tinha recebido o preço total do imóvel, estando em falta a quantia de € 15.000,00.

  14. Com base na prova produzida em audiência de julgamento, o ponto 9) dos factos provados deverá passar a ter uma redacção semelhante a esta: “9) Com data de 08 de Agosto de 2016, o representante da Ré, C. R., remeteu à advogada da A. a missiva que consta a fls 51, cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.”.

  15. Com o mesmo fundamento, a matéria do ponto a) dos factos não provados, deverá passar para os factos provados, levando a que o ponto 5) dos factos provados fique com esta redacção ou semelhante: “5) No dia da escritura, através do seu representante, Sr. C. R., a R., a pedido da A., efectuou o pagamento da quantia de € 55.000,00 (cinquenta e cinco mil euros), entregando à A. três cheques, no valor, respectivamente, de € 20.000,00, € 20.000,00 e € 15.000,00, sendo o primeiro em nome da proprietária, T. B., outro do mesmo valor, em nome da Autora e o terceiro, de € 15.000,00, em nome de C. F..

  16. Com esta factualidade dada como provada, deverá, a Ré, ser absolvida dos pedidos formulados pela A. e, esta, condenada como litigante de má-fé, em multa e indemnização, a favor da Ré, a liquidar em execução de sentença.

  17. Na verdade, verifica-se que a Meritíssima Juiz a quo, como se disse, não valorou devidamente os depoimentos das testemunhas indicadas pela Ré, em flagrante infracção do disposto no art. 607º do NCPC.

  18. De qualquer forma, a Meritíssima Juiz a quo não aplicou ao caso presente, como devia, o disposto nos arts. 355º, n.ºs 1 e 4 e 358º do Código Civil, já que a declaração de quitação, feita pela A. na escritura em causa, porque constando de documento autêntico e tendo sido feita à parte contrária – aqui, a A. –, ou ao seu representante, constitui confissão extrajudicial, com força probatória plena.

  19. Não deveriam, pois, ter sido ouvidas testemunhas sobre a declaração da A., até porque, ao contrário do que escreveu a Meritíssima Juiz, não existe qualquer princípio de prova que o avalizem.

  20. E a prestação efectuada pelo procurador da Ré – a testemunha C. R. –, em três cheques de € 20.000,00, € 20.000,00 e € 15.000,00, respectivamente, extingue a obrigação do pagamento do preço, já que essa forma de pagamento foi estipulada pelo credor – a A. – art. 770º, a), do Código Civil.

  21. Acresce que, ao contrário do que refere a Meritíssima Juiz, na tese da A., a obrigação do pagamento não tinha prazo certo. Aliás, os familiares e testemunhas desta asseveraram que a A. lhes teria comunicado que o pagamento dos € 15.000,00 seria efectuado posteriormente, não sabendo quando, como e por quem 23. A decisão ora em recurso violou, entre outras, as disposições dos artigos 355º, n.ºs 1 e 4, 358, n.º 2 e 770º, a), todos do Código Civil e o art. 607º do NCPC.

    **III.- Como resulta do disposto nos art.

    os 608.º, n.º 2, ex vi do art.º 663.º, n.º 2; 635.º, n.º 4; 639.º, n.

    os 1 a 3; 641.º, n.º 2, alínea b), todos do C.P.C., sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.

    De acordo...

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