Acórdão nº 1575/10.1TBVRL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 12 de Março de 2020

Magistrado ResponsávelPAULO REIS
Data da Resolução12 de Março de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães A. Relatório F. F.

instaurou ação declarativa sob a forma de processo comum contra Companhia de Seguros X, S.A., agora «Seguradoras ..., S.A.

», pedindo a condenação da ré a pagar-lhe: a) a quantia de € 60.000,00 (sessenta mil euros), a título de indemnização pelos danos não patrimoniais que sofreu em consequência do acidente, mais os juros vencidos e vincendos, contados desde a citação até integral pagamento; b) uma indemnização pelos danos patrimoniais resultantes da(s) incapacidade(s), no montante que viesse a apurar-se com base no resultado dos exames médicos (peritagem médica), acrescida dos juros de mora, vencidos e vincendos, contados desde a citação até integral pagamento; c) todas as despesas hospitalares devidas por todos os tratamentos médicos que foram realizados à autora, cujo pagamento lhe viesse a ser exigido pelas instituições hospitalares; d) uma indemnização, a liquidar em execução de sentença, por todas as despesas com consultas, tratamentos e intervenções cirúrgicas, a realizar no futuro, nas sequelas que advieram à autora em resultado do atropelamento.

A autora formula o aludido pedido a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos em virtude de acidente de viação ocorrido a 27-02-2009, pelas 11h50m, quando atravessava a EM 313, consubstanciado no atropelamento da autora pelo veículo pesado com a matrícula AQ quando aquela travessava a referida estrada com o propósito de se dirigir ao autocarro que a transportaria para a escola. Sustenta, em síntese, que o veículo pesado é propriedade da sociedade Transportes ..., Lda., e era conduzido por M. P., funcionário da referida sociedade, o qual efetuava a condução no interesse e por conta da sua entidade patronal, a velocidade inadequada/excessiva à aproximação de um aglomerado de pessoas e pelo facto de existirem várias pessoas na via, incluindo crianças. Em consequência, imputa a culpa exclusiva na produção do acidente ao condutor do veículo pesado, alegando ainda que a proprietária de tal veículo tinha transferido para a ré a responsabilidade civil por danos causados a terceiros.

Mais alega que em consequência do atropelamento advieram-lhe danos não patrimoniais e uma incapacidade parcial permanente da qual desconhece o quantum, a determinar por peritagem médica a requerer no decurso da ação.

A ré contestou, impugnando parte da factualidade alegada pela autora. Sustenta, em síntese, que a autora, de um momento para o outro, iniciou o atravessamento da faixa de rodagem, fazendo-o em correria, ocupando a metade direita da via, atento o seu sentido de marcha, nem sequer olhando para a respetiva esquerda, metendo-se subitamente à frente do AQ quando este se encontrava a uma distância de não mais de 5 metros se si, cortando a linha de rumo do veículo, pelo que o condutor do veículo pesado nada pôde fazer para evitar que a menor fosse colhida com a dianteira do pesado, sensivelmente a meio deste. Termina pugnando pela improcedência da ação, imputando o acidente a conduta negligente e inconsiderada da autora, a qual foi a causa eficiente e adequada do sinistro, pelo que não lhe incumbe o dever de indemnizar. Invocou ainda a sua ilegitimidade parcial, mais requerendo a intervenção principal provocada do Hospital de S. João, EPE e do Centro Hospitalar ..., EPE, que viriam a ser admitidas.

O Centro Hospitalar ..., EPE, formulou pedido contra a ré. Invocou ter prestado serviços de saúde à autora, em consequência do acidente em causa, que importaram em € 4.506,91. Pediu a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de € 4.506,91, acrescida de juros, à taxa legal, contados desde a citação até integral pagamento.

Contestou a ré, impugnando a factualidade invocada pelo Centro Hospitalar ..., EPE, e imputando a culpa na produção do acidente à autora.

Dispensada a realização de audiência prévia, foi proferido despacho saneador, após o que se procedeu à indicação dos factos assentes e à enunciação da base instrutória, na sequência do que foram admitidos os meios de prova.

Realizou-se a perícia médico-legal, após o que veio a autora deduzir incidente de liquidação, autuado por apenso, pedindo a condenação da ré a pagar à autora uma indemnização pelos danos resultantes da incapacidade em € 256.837,77 (duzentos e cinquenta e seis mil oitocentos e trinta e sete euros e setenta e sete cêntimos), acrescida dos juros de mora vincendos, à taxa legal para juros civis, a calcular sobre o capital da indemnização, desde a presente data até efetivo e integral pagamento.

A ré apresentou oposição, defendendo-se por impugnação.

Por despacho então proferido foi determinado o aditamento aos temas da prova da matéria invocada sob os pontos 3 a 5 do requerimento inicial da liquidação, a ser objeto de produção de prova que haja a fazer aquando do julgamento da causa principal.

Realizou-se a audiência final, após o que foi proferida sentença, julgando a ação improcedente e absolvendo a ré dos pedidos formulados.

Inconformada, veio a autora interpor recurso da sentença proferida, terminando as respetivas alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem): «1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida nos autos por se entender que se impõe a modificação da decisão do tribunal “a quo” sobre a matéria de facto e de direito, a qual se impugna.

  1. A Recorrente impugna a decisão proferida sobre a matéria de facto vertida nos Pontos 3, 4, 11, 12, 15, 16, 17, 18, 22, 24, 25, 26, 27, 28, 29 e 33 da matéria de facto não provada, e nos Pontos 1, 4, 5, 6 e 7, dos factos não provados, insertos na douta sentença proferida nos autos, e, ainda, dos pontos 36, 37 e 38 da Base Instrutória, sobre os quais o douto Tribunal “a quo” não proferiu resposta 3. Como decorre do depoimento das testemunhas seguidamente transcritos e dos documentos juntos, a decisão sob a matéria de facto quesitada, e, consequente subsunção jurídica, a resposta à matéria de facto dada pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo” assentou em erro de apreciação de provas.

  2. A resposta que o Tribunal “a quo” deu ao ponto 6 dos factos provados (considerando como provado que o condutor do veículo, M. P. conduzida o veiculo AQ - cujo direito de propriedade estava registado a favor da Transportes ..., Lda. - enquanto funcionário (motorista) de tal sociedade, por conta, no interesse e sob a direcção da mesma), tem influência na aplicação das regras do ónus da prova e, consequentemente, na apreciação e decisão da decisão de facto.

  3. Conduzindo o motorista, condutor do veículo pesado, por conta de outrem, como ficou provado, é-lhe aplicável o estatuído na primeira parte do nº 3 do artigo 503º do C.C., interpretada pelo Assento S.T.J. de 28.06.83, isto é, responderá pela produção do acidente a título de culpa presumida, salvo se destruir, por prova em contrário, a presunção júris tantum resultante dos citados normativos e Assento do STJ.

  4. Competia à Ré alegar e provar factos que afastassem e presunção de culpa que recaía sobre o condutor do veículo AQ.

  5. O Tribunal “a quo” decidiu a resposta à matéria de facto de acordo com as regras da repartição do ónus da prova, sem considerar a inversão decorrente da presunção de culpa.

  6. Da prova testemunhal produzida em sede de audiência de julgamento - depoimentos das testemunhas V. S., J. S., P. F., I. C., M. P., D. R., A. S. e P. M.; dos documentos juntos – participação do acidente junto com a P.I., fotografias do local juntos com a contestação e documentação junta pela GNR em audiência de julgamento, apensa aos autos; e da inspeção ao local no que respeita à largura da via, com a medição constante na douta sentença recorrida; impunha-se uma decisão bem diversa aos pontos da matéria de facto de que aqui se recorre.

  7. O Tribunal “a quo” fundamentou a prova dos pontos 3, 4 e 11 a 29 da matéria da facto provada com base, essencialmente, nos depoimentos de V. S., P. F., I. C., M. P. e D. R., conjugados com a inspeção judicial realizada ao local, que permitiu verificar a sua configuração, a participação do acidente junta aos autos, as fotografias do local, o certificado de frequência escolar da Autora e a documentação junta aos Autos pela GNR em audiência de julgamento.

  8. A ponderação das provas a que o Tribunal se recorreu para a decisão desses pontos da matéria de facto, impunha uma decisão diferente.

  9. Em relação ao ponto 3 os factos provados, a velocidade a que seguia o pesado, a testemunha da Ré, R. L., perito de seguros, que analisou os elementos relacionados com o acidente, situou a velocidade do pesado ao momento do acidente em 60Km/hora, da qual, ainda assim, temos de ter reservas, porquanto se trata de pessoa que estava ao serviço da Ré.

  10. A testemunha A. G., militar da GNR que ocorreu ao acidente e ficou com o registo do tacógrafo, na sua análise que fez na audiência acabou por concluir que a velocidade mínima aí registada era de 50Km/hora e existia um “pico na linha” nos 70Km/hora.

  11. A testemunha D. R. referiu que não tinha noção da velocidade do pesado, porquanto se deslocava em sentido oposto.

  12. O depoimento do motorista, M. P. não tem qualquer credibilidade no que respeita a esta questão, nem a qualquer uma relacionada com a dinâmica do acidente, pois é evidente que faltou à verdade na identificação do local do acidente, na distância que o separava do local do embate quando a Autora atravessou a estrada e na distância do local do embate para o local onde imobilizou a viatura.

  13. O local onde o veículo ficou imobilizado, a cerca de trinta metros do local do embate e sem rastos de travagem não são indicadores que o pesado ia a velocidade de 40Km/hora, por várias razões: a primeira, nenhuma das testemunhas no local ouviu a travagem antes do embate.

  14. A travagem só foi sentida após atropelamento, e, por essa razão, não foi com o mesmo ímpeto de quem trava para evitar uma colisão.

  15. O Tribunal “a quo” não apurou que sistema de travagem dispõe o pesado (sistema anti...

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