Acórdão nº 3534/18.7T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 06 de Fevereiro de 2020

Magistrado ResponsávelJOS
Data da Resolução06 de Fevereiro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I. RELATÓRIO O autor G. M.

intentou, em 12-06-2018, no Tribunal de Guimarães, com apoio judiciário, acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra a ré Companhia de Seguros X – Europe Limited – Seguros.

Na respectiva petição, alegou que, em 14-12-2015, já noite, no entroncamento de uma via de Serzedo, Guimarães, por onde então circulava, o seu veículo UJ, ao mudar de direcção para a esquerda, foi “abalroado”, na traseira, pelo PR, descontrolou-se de seguida e foi projectado contra o muro de uma casa no lado contrário, do que lhe resultaram estragos e consequentes prejuízos diversos. O “acidente de viação” ocorreu conforme “declaração amigável”, preenchida e subscrita por ambos os condutores, que juntou e para a qual remeteu.

Por isso, formulou o seguinte pedido: “…deve a presente ação ser julgada procedente e, consequentemente, a ré […], condenada a pagar ao autor a quantia de 12.750,00 €, acrescida de juros a taxa legal desde a citação até integral pagamento, sendo: a) 4.500,00 € da reparação do veículo; b) 5.000,00 € pela paralisação do veículo; c) 250,00 € por perdas de tempo e gastos; d) 3.000,00 € pela desvalorização do veículo.

Mais relega para execução de sentença o valor a pagar pela ré, relativamente ao aparcamento do UJ na oficina onde o mesmo se encontra desde o acidente, uma vez que não é possível ao autor quantificar esse pedido, já que não sabe a data em que que o veículo irá ser reparado, não lhe sendo, por isso, possível quantificar esse pedido, ou seja, o custo inerente ao aparcamento do UJ.

Assim como relega para execução de sentença eventuais alterações que possam surgir quanto a valor da reparação do veículo, atendendo ao lapso de tempo entretanto decorrido.” Juntou cópia da referida “declaração amigável” e do “orçamento” dos estragos e do custo da respectiva reparação elaborado pela oficina por acordo com o perito da ré.

Na contestação, a ré impugnou os factos relativos à pelo autor descrita “dinâmica” do alegado acidente, bem como os documentos juntos por aquele (designadamente, a “declaração amigável”), estes por “totalmente ilegíveis”.

Com efeito, acrescentou que, após ter mandado averiguar o sinistro e obter o relatório, não o aceitou “porque face à dinâmica descrita, danos nos veículos em resultado do alegado sinistro, incongruência nos depoimentos prestados pelos intervenientes, relação de proximidade entre as partes envolvidas, ausência de participação policial, formou-se uma convicção clarividente que o acidente descrito nos presentes autos jamais se poderia ter dado conforme alegado” e que “estará em causa uma situação de conluio entre as partes”.

Assim, em face das circunstâncias objectivas e dos resultados, o embate teria de ser “fortíssimo e em cheio”. Porém, o condutor do PR declarou ao perito que foi “ligeiramente”. As “imagens” do local e “sem necessidade de recurso às regras da física” mostram que “a única forma do veículo UJ ser projectado para o muro, sempre seria por via de um embate fortíssimo e em cheio na sua retaguarda como se de uma «pancada de bilhar» com medidas tiradas a régua e esquadra se tratasse”.

Por sua vez, os danos nos veículos e no muro não são “consentâneos” com a descrita (mas inverosímil) dinâmica. Enquanto que os do muro eram “irrisórios” e carentes apenas de “rápida limpeza”, os da frente do UJ, conforme fotos deste, são “avultados e dignos de um embate de extrema violência”. Enquanto que os da frente do PR foram “muito reduzidos” ou é “clarividente a ausência de danos”, os da traseira do UJ não se “enquadram” com aqueles, pois foram sobretudo “pára-choques, porta da mala, bagageira, reforço e ópticas”. Os danos em ambas as viaturas “teriam de ocorrer na mesma proporção ou com gravidade semelhante” e ser “avultados” os da frente do PR, ao menos no capô e símbolo (Opel). Porém, “não se pode admitir que os danos no UJ são compatíveis quer com o embate do PR (na sua retaguarda) quer com o embate no muro (dianteira).”.

De resto, as circunstâncias relativas ao aluguer da viatura PR, a vizinhança e amizade entre o condutor desta e o autor, o parentesco entre este e o mediador de seguros e entre o condutor do PR e o dono da oficina, sendo que esta (“… Park” onde o UJ se encontra mas entretanto declarada insolvente) “estabelece relações pessoais e familiares com ambos os intervenientes”, levam a concluir que “o sinistro dos autos não passa de um sinistro “montado”, com eventual auxílio do rebocador, cujos contactos nunca foram facultados aos peritos.” Impugnou, por fim, os alegados danos, nomeadamente por serem “impossíveis”, estranhando que o autor não quantifique o custo do parqueamento e salientando o exagero dos pedidos pela privação da viatura.

Concluiu pela total improcedência e sua absolvição do pedido.

Juntou, entre outros documentos, a apólice do seguro e o relatório de peritagem a que tal alegação se reportou (que inclui, além do mais, diversas fotos do local e de ambos os veículos).

O autor impugnou-os (salvo a apólice).

Foi, de seguida, proferido despacho a fixar o valor da causa, a sanear tabelarmente os autos, a identificar o objecto do litígio, a enunciar os temas da prova, a apreciar os requerimentos a tal destinados e a designar a audiência final.

Esta realizou-se nos termos e com as formalidades que defluem das respectivas actas, no seu decurso tendo sido ouvidas testemunhas (incluindo o condutor do veículo PR) e tomadas declarações de parte ao autor (condutor do UJ).

Com data de 16-06-2019, foi proferida a sentença que culminou na decisão de julgar a acção totalmente improcedente, por não provada, e de absolver a ré dos pedidos, condenando o autor nas custas.

O autor não se conformou e interpôs recurso para esta Relação, apelando à revogação daquela e condenação da ré. Apresentou alegações e conclusões (70 páginas). Dada o número (69), extensão (13 páginas), complexidade e demais deficiências destas últimas, foi convidado, ao abrigo do artº 639º, nº 3, CPC, a apresentar outras mas aperfeiçoadas, tendo-o feito (em 9 páginas) do seguinte modo (50 conclusões): “1- Face à prova produzida e conjugada, nomeadamente o depoimento de parte do autor, da testemunha H. N., C. P. e da testemunha M. A., deveriam de ter sido dados como provados, concretamente as alíneas a) a t) dos factos não provados na douta sentença, com as inevitáveis consequências quanto ao julgamento de direito e ao pedido formulado pelo autor.

2- A sentença aqui posta em crise não habilita o recorrente a perceber e a fazer uma avaliação segura e objetiva do porquê da decisão e do processo lógico mental que serviu de suporte ao conteúdo decisório para o Tribunal a quo descredibilizar os depoimentos das testemunhas H. N. e M. A., bem como as declarações de parte do autor e, por isso dar como não provados os factos a) a t) indicados na douta sentença. Pelo que não foi, no modesto entender do recorrente, dado cumprimento ao disposto no n.º 1 do artigo 615º do C.P.Civil, sendo a sentença nula.

3- Os meios probatórios constantes do processo, indicados no ponto 1, juntamente com as fotos dos veículos tiradas no dia acidente, relatório de peritagem juntos aos autos, são suscetíveis, no modesto entender do recorrente, de fundamentar uma resposta positiva às alíneas a) a t) dos factos não provados na douta sentença, factos esses que se especificam nos termos e para os efeitos da alínea a) do artigo 640º do C.P.Civil, desde logo o depoimento da testemunha H. N., condutor do veículo que embateu no UJ. Esta testemunha, única testemunha presencial do sinistro e, diga-se, único causador do mesmo, assumido pelo mesmo, foi descredibilizada pelo Tribunal a quo.

4- Atendendo ao principio basilar do direito, o princípio da livre apreciação da prova por parte do julgador, e não o querendo desrespeitar entende, contudo, o recorrente que não basta o Tribunal a quo dizer que determinada testemunha estava nervosa e com falta de segurança é preciso especificar os motivos pelos quais o Tribunal a quo se apercebeu do nervosismo e da falta de segurança da testemunha, caso contrário o julgador não está a fazer uma livre apreciação da prova, mas antes está a fazer uma apreciação arbitrária da prova.

5- Aliás, no modesto entender do recorrente, não é pelo facto de uma testemunha estar nervosa que pode ser descredibilizada pelo julgador, mal seria se assim fosse, uma vez que grande parte das testemunhas, como é senso comum, que se apresentam em Tribunal ficam nervosas/ ansiosas, isso é o normal de acontecer, tanto mais quando é a primeira vez que se apresentam em Tribunal, como foi o caso da testemunha H. N.

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6- Se a apreciação da prova é discricionária, esta discricionariedade tem, como é evidente, os seus limites. Como ensina Figueiredo Dias a “ livre” ou “ “íntima” convicção do juiz não pode ser uma convicção puramente subjetiva, emocional e, portanto, imotivável.

7- Não é, no modesto ponto de vista do recorrente, consentâneo com as regras estradais e da experiência comum, que nos acidentes de viação o Tribunal a quo ache estranho que no local não tenha comparecido nenhuma autoridade; 8- Isto porque, de facto, a declaração amigável foi criada para que as partes quando estejam de acordo acerca de qual dos condutores envolvidos no acidente teve culpa na ocorrência no acidente de viação, ou seja, acerca sobre a forma como se deu o acidente e quem foi o único ou principal causador do acidente preencham essa dita declaração sem necessidade de que as autoridades sejam chamadas ao local.

9- O que foi o que aconteceu no acidente dos autos, uma vez que, em nenhum momento, o condutor do PR teve dúvidas da forma como se deu o acidente e de quem foi o único causador do mesmo, assumindo, desde logo, a sua culpa.

10- A acrescer a esse aspeto o facto de ambos os condutores serem há muitos anos amigos é, no modesto entender do recorrente, mais um motivo para que não houvesse necessidade de se chamar as autoridades, uma...

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