Acórdão nº 3938/11.6TVNF-C.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 06 de Fevereiro de 2020

Magistrado ResponsávelCONCEIÇÃO SAMPAIO
Data da Resolução06 de Fevereiro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I. RELATÓRIO: N. M., credor reclamante nos presentes autos de insolvência, não se conformando com a sentença de verificação e graduação de créditos, que lhe reconheceu o crédito como correspondente ao sinal e seus reforços em singelo, dela vem interpor recurso, concluindo as suas alegações da seguinte forma: A - O recorrente com o presente recurso não pretende por em causa o reconhecimento do seu crédito como graduado com a garantia de direito de retenção que lhe foi reconhecido, mas não se conforma com a sua quantificação, se deve ser reconhecido como reconheceu a sentença recorrida o sinal e seus reforços em singelo ou, se deve ser reconhecido o credito como correspondente ao dobro do sinal e seus reforços. Ora, B - Mas que crédito tem o recorrente? O direito à restituição do que já pagou, em singelo? O direito à indemnização prevista no artº 102º, nº 3, al.s c) e d) e 104º, nº 5, ex vi artº 106º, nº 2, do CIRE? Ou aplica-se o artº 442º, nº 2, do Cód. Civil, tendo o A. direito ao sinal em dobro ou ao aumento do valor da coisa? C - Na verdade, por força do disposto no artº 441º do Cód. Civil, as quantias entregues pelo recorrente, e referidas no número 1. dos factos provados, foram consideradas como “sinal”.

D - E havendo incumprimento imputável aos promitentes vendedores, neste contrato (referidos no factos provados sobre a alínea F) e número 2 – as cartas de interpelação e os certificados de não comparência é, para todos os efeitos, uma declaração de incumprimento definitivo), de efeitos meramente obrigacionais mas com traditio da coisa prometida vender, perante consumidores, coloca-se a questão de se saber se tem aplicação ao caso o disposto no artº 442º, nº 2, do Cód. Civil.

E - Temos consciência que a jurisprudência do STJ encontra-se dividida: E1 - em sentido da não aplicação do artº 442º, nº 2, do Cód. Civil, por exemplo o acórdão do STJ de 21-06-2016, in www. dgsi.pt, onde se afirma que: “Não é, assim, aplicável ao caso vertente de um contrato promessa com eficácia meramente obrigacional no contexto da insolvência o artigo 442.º do Código Civil. E o próprio artigo 755.º n.º 1 alínea f) que para ele remete terá que ser interpretado com cautela tendo em conta a radical diferença de situações”; E2 - em sentido da aplicação, por exemplo, o acórdão do STJ de 17/11/2015, in www.dgsi.pt, onde se lê: “mesmo em caso de recusa pelo administrador da insolvência em cumprir o contrato-promessa de compra e venda, só no caso do promitente-comprador tradiciário ser consumidor é que goza do direito de retenção e tem direito a receber o dobro do sinal prestado ou aumento do valor da coisa – nºs 2 e 3 d o art. 442º do Código Civil”.

F - O STJ, no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 4/2014 vem, na fundamentação, indicar que: “Começaremos por referir que a norma do artigo 102º do CIRE acima transcrito se aplica, como se vê do próprio texto, “sem prejuízo do estatuído nos artigos seguintes”, conferindo de certa forma autonomia ao estatuído no artigo 106º; e aqui a lei é expressa ao referir que “no caso de insolvência do promitente vendedor, o administrador da insolvência não pode recusar o cumprimento se já tiver havido tradição da coisa a favor do promitente-comprador; a isto acresce que nada apontando, a nosso ver, para o facto de ter havido intuito de modificar com a entrada em vigor do CIRE a orientação legislativa a o nível das consequências de incumprimento da promessa do contrato e suprindo pelo recurso ao regime da compra e venda com reserva de propriedade, a omissão da regulamentação do contrato promessa com efeito obrigacional e tradição do objeto, ficará o nº 2 do artigo 106º aplicável apenas ao contrato promessa com efeito meramente obrigacional e em que não tenha havido aquela tradição ao promitente-comprador. Só aqui, e a menos que uma das partes tenha cumprido integralmente a sua obrigação, poderá o administrador optar por cumprir ou recusar a execução do contrato”.

E prossegue o mesmo acórdão, mais à frente “em suma, concluímos que não sendo afetado o contrato promessa, mantêm-se os efeitos do incumprimento a que se reporta o artº 442º, nº 2, do Código Civil”.

G - Este promitente comprador a que alude o acórdão de fixação de jurisprudência é apenas o promitente comprador que seja consumidor, como se refere no dispositivo do mesmo acórdão.

H - Nesse mesmo acórdão de uniformização, considera-se que o legislador, no artº 106º, nº 1, do CIRE, estabeleceu uma previsão para a situação do contrato promessa, com eficácia real, com tradição da coisa. Mas não se referiu nunca à situação concreta do contrato promessa com efeitos meramente obrigacionais, com tradição da coisa, existindo aqui uma lacuna legal.

I - Existe aqui, segundo o acórdão, uma lacuna legal, recorrendo-se à analogia com o artº 104º, nº 1, do CIRE, que dispõe que “no contrato de compra e venda com reserva de propriedade em que o vendedor seja o insolvente, a outra parte poderá exigir o cumprimento do contrato se a coisa já lhe tiver sido entregue na data da declaração de insolvência”.

J - Esta mesma disciplina será então de aplicar ao caso do contrato promessa de compra e venda, sem eficácia real mas com tradição da coisa, não tendo, nesse caso, o Administrador de Insolvência o direito de, licitamente, se recusar ao cumprimento do contrato promessa.

L - E por isso se afirma no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 4/2014 que “tal omissão é ultrapassada fazendo apelo ao “lugar paralelo” resultante da conjugação dos artigos 106º nº 2 e 104º nº 1 do CIRE (respeitante à venda com reserva de propriedade) aplicável no caso em análise, já que as razões determinantes do que ali vem exposto quanto ao que lá se regula (compra e venda a prestações) são idênticas às que aqui estão em causa. Subjacente a esta tomada de posição está a forte expectativa que a traditio criou no “promitente-comprador” quanto à solidez do vínculo. Cimentada esta confiança, e “corporizada” destarte a posse, existe, na prática, do lado do adquirente um verdadeiro ânimus de agir como possuidor, não já nomine alieno mas antes em nome próprio”.

M - Face ao valor reforçado da jurisprudência fixada, os Tribunais só em situações excecionais dela podem divergir.

N - É verdade que, como aliás é explícito o acórdão do STJ de 21/06/2016, supra referido, a fundamentação do acórdão de fixação de jurisprudência não faz parte do segmento uniformizador.

Todavia, - assumindo-se como assente a jurisprudência do acórdão uniformizador de que o promitente comprador com traditio “goza do direito de retenção nos termos do estatuído no artigo 755º nº 1 alínea f) do Código Civil” e - uma vez que o direito de retenção, previsto no ar tº 755º, nº 1, al. f), do Cód. Civil, pressupõe, tal como expressamente é afirmado na lei, o “não cumprimento imputável à outra parte, nos termos do artigo 442º”.

O - Com todo o respeito, não vemos como possível afastar a aplicação do artº 442º do Cód. Civil, como o faz o acórdão do STJ de 21/06/2016, supra referido.

P - Ou então estaremos perante uma total incoerência jurídica.

Q - Por isso, por coerência jurídica, aderimos à fundamentação presente no acórdão uniformizador de jurisprudência 4/2014 e no acórdão do STJ de 17/11/2015.

R - Parece-nos ser também a posição maioritariamente seguida pelos Venerandos Tribunais da Relação.

S - Por outro lado, o incumprimento definitivo por parte da insolvente, deverá ser considerado culposo.

T - Como também se refere no mesmo Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 4/2014 “Não se aduza ainda, contra o entendimento exposto, que não há imputação de culpa a fazer em caso de insolvência porque com a declaração desta última, a relação jurídica existente, então reconfigurada, não a poderá comportar, já que ao insolvente se substitui e passa a figurar em juízo apenas a massa falida e o administrador; é para nós claro o cariz redutor deste entendimento; a insolvência não surge do nada, radicando antes e à partida no comportamento de uma entidade que se mostrou não ter cumprido as suas obrigações. Nestes casos já foi decidido e bem, neste Supremo Tribunal de Justiça, que se verifica uma imputabilidade reflexa considerando o comportamento da insolvente na origem do processo falimentar; acresce que, seria sempre a esta última que cumpriria afastar a culpa, que se presume, em matéria de responsabilidade civil contratual – artigo 799º nº 1 do Código Civil”.

T1 - Neste processo, provou-se que o Sr. AI recusou a celebração do contrato prometido, do que se extrai o incumprimento definitivo.

T2 - E não foi afastada a culpa da promitente vendedora incumpridora, sendo que esta culpa se presumia.

T3 - Logo, é a insolvente devedora do valor do sinal prestado, em dobro (cfr. artº 442º, nº 2, do Cód. Civil). (…) T4 - Desta forma, é assim aplicável ao caso o disposto no artº 442º, nº 2, do Cód. Civil.

U - Provou-se que o recorrente entregou, a título de sinal e seus reforços, o valor de € 115.000,00 (cento e quinze mil euros) - cfr. número 1. dos factos provados).

U1 - Por conseguinte, por força do disposto no artº 442º, nº 2, do Cód. Civil, terá assim o recorrente direito ao sinal prestado em dobro (assim o peticionaram), ou seja, ao valor de € 230.000,00 (duzentos e trinta mil euros).

U2 - A este direito de crédito acresce o direito de retenção sobre a fração prometida vender, para pagamento do seu crédito”.

U3 - Concordamos e subscrevemos na integra esta argumentação jurídica.

V - Acrescentamos que o STJ vem seguindo jurisprudência uniforme no sentido que “Deste modo, embora os tribunais sejam livres de seguirem a jurisprudência que julgam mais adequada, já que o STJ não “faz lei”, parece estultice tomar outro caminho que não o acolhido no Pleno do STJ, a não ser que se invoquem argumentos novos, não considerados na decisão que fixa a jurisprudência, ou que, considerando a legislação no seu todo, a jurisprudência fixada se mostre já ultrapassada”.

X - O não acatamento da...

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