Acórdão nº 814/18.5T8PTL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 13 de Fevereiro de 2020

Magistrado ResponsávelMARGARIDA SOUSA
Data da Resolução13 de Fevereiro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães: I. RELATÓRIO: M. J. intentou contra M. G., M. C. e marido A. A. e D. P. a presente ação comum peticionando: a) Que o prédio identificado no artigo 1.º da p.i. se encontra dividido, por usucapião, em quatro lotes, melhor descritos no artigo 15.º desta petição inicial, que correspondem a quatro novos prédios autónomos e distintos; b) Que o lote ou parcela B, identificado no artigo 15º da p.i., pertence à Autora, por ter adquirido por usucapião; c) Que o lote ou parcela A, identificado no artigo 15º da p.i., pertence à 2ª Ré, M. C., por ter adquirido por usucapião; d) Que o lote ou parcela C, identificado no artigo 15º da p.i., pertence à 3.ª Ré, D. P., por ter adquirido por usucapião; e) Que o lote ou parcela D, identificado no artigo 15º da p.i., pertence ao 3ª Réu, M. G.; f) O cancelamento do registo que declara a compropriedade sobre o prédio identificado no artigo 1.º desta Petição Inicial.

Sustenta para tanto, no essencial, que autora e réus adquiriram, em iguais partes para cada um (1/4) – em compropriedade, portanto – o prédio identificado no artigo 1.º da petição inicial, por doação de seus pais ocorrida em 1981 e que desde, então, está tal prédio dividido em parcelas, passando tais parcelas, no seu entender, a constituir novos prédios, pois foram alvo de atos de posse exercidos em exclusivo por cada um deles (autora e réus), e de forma apta a que delas (parcelas) sejam declarados adquirentes originários, tendo, para além do mais, o Réu M. G. construído, há mais de 20 anos, casa de habitação na respetiva parcela.

Contestou apenas o 1.º réu sustentando, para além da ilegitimidade da 3.ª ré, que nem a área total do prédio é a indicada na petição inicial nem a divisão em parcelas tem a configuração alegada, mas antes outra, sendo que a sua casa se encontra construída em terreno que não integra o aludido prédio, tendo sido edificada em 1961.

No despacho saneador, a Autora foi declarada, quanto aos pedidos deduzidos sob as alíneas c), d), e e), parte ilegítima e, em consequência, quanto a estes pedidos, absolvidos os Réus da instância.

Relativamente aos demais pedidos – pedidos deduzidos sob as alíneas a), b) e f) – foi julgada improcedente a ação, deles tendo sido absolvidos os Réus.

Inconformada com a referida decisão interpôs a Autora recurso, em cuja alegação formulou as seguintes conclusões: 1 - O presente recurso versa sobre a questão de saber se a sentença recorrida, ao proceder à ponderação sobre se a eventual aquisição originária fundada na prescrição aquisitiva (usucapião) prevalece sobre as regras de fracionamento dos prédios rústicos ou não, efetuou uma errada interpretação da conjugação legal em relação aos artigos 1376.º, 1377.º, 1378.º, 1379.º, 1287.º todos do Código Civil, ao ter entendido que prevalece o regime das regras do fracionamento dos prédios rústicos.

2 - A decisão proferida pelo tribunal a quo pondera, com arestos jurisprudenciais, a questão da prevalência das normas relativas à aquisição com fundamento da usucapião (artigo 1287.º do Código Civil) por contraponto com as normas que plasmam, rectius, passaram desde o ano de 2015 e por força da alteração dos preceitos 1376.º a 1379.º do Código Civil levada a cabo pela Lei n.º 111/2015 de 29 de Agosto.

3 - Dessa ponderação, entendeu o M. Juiz a quo e considerando que “de acordo com os factos provados (ou ficcionados como provados) o prédio que se identifica no artigo 1º da petição inicial é um prédio rústico, na aceção do artigo 204.º n.º 2 do CC, apto a cultura”, “se retira portanto a inadmissibilidade legal do pretendido, por disposição imperativa expressa – a da norma do artigo 1376.º n.º 1 do CC, atento o entendimento exposto – que impede o fracionamento.” 4 – Sustentou o M. Juiz o seu entendimento nos seguintes argumentos: A) As normas do artigo 1376.º CC configuram a disposição em contrário que a norma do artigo 1287.º do CC acautelou; e ainda que, B) Segundo Orlando de Carvalho, em critica a Henrique Mesquita (que sufraga a tese de que o direito real tem de incidir sobre a totalidade da coisa), adianta o exemplo da indispensabilidade do jus in re sobre a totalidade da coisa precisamente quanto aos prédios rústicos, ressalvada a admissibilidade de fracionamento dos mesmos, e em consequência, não admite um jus in re sobre parte de coisa indivisível e consequentemente a posse sobre coisa indivisível.

5 – Por seu turno, entende a recorrente que deve então prevalecer sobre o regime da proibição de fracionamento, pelas seguintes razões: 6 - “o reconhecimento judicial da mencionada usucapião deve sobrepor-se e prevalecer sobre o fracionamento ilegal do prédio, que, porventura, tenha estado na respetiva génese, já porque em causa está um direito não transmitido, mas constituído ex novo, já porque, esgotado o decurso do tempo necessário à respetiva verificação, com o inerente alheamento da autoridade pública ou interessado a quem incumba a prevenção/repressão ou arguição da correspondente violação, deixou de fazer sentido, afrontando as conceções dominantes na comunidade, a tardia salvaguarda do subjacente interesse público, devendo a Ordem Jurídica absorver a situação ocorrente e consolidada” e que “a jurisprudência tem entendido que sendo a usucapião uma forma de aquisição originária de propriedade, não deve ela ser condicionada por limitações ao direito de propriedade que antes dela e independentemente dela oneravam a propriedade” pois, “como forma originária de aquisição, faz com que a coisa passe para a esfera jurídica do adquirente, com as mesmas características da posse que este, durante certo lapso de tempo, exerceu sobre ela – é essa posse prolongada que justifica a usucapião e não faria sentido que uma disposição genérica de disciplina do fracionamento ou do emparcelamento limite um direito do titular que se constituiu ao longo de 15, 20 ou 30 anos.” 7 - “Porque a usucapião se funda direta e imediatamente na posse, a invalidade formal, que afastou quaisquer efeitos da aquisição derivada e a ilegalidade do fracionamento (falta de escritura pública e área inferior à unidade de cultura), carecem de potencialidade ou idoneidade para interferir na operância daquela forma de aquisição da parcela”.

8 - Antunes Varela e Pires de Lima, Código Civil Anotado, Vol. III, 2.ª edição, pág. 269, que a este propósito referem o seguinte: “Se, através de um negócio jurídico nulo (v.g., por falta de forma) se realizar um fracionamento ou uma troca contrários ao disposto nos art.ºs 1376.º e 1378.º, e se, na sequência disso, se constituírem as situações possessórias correspondentes, aqueles preceitos não obstam a que estas situações se consolidem por usucapião, logo que se verifiquem todos os requisitos legais. Embora as regras sobre fracionamento e troca de terrenos aptos para cultura sejam determinadas por razões de interesse público, os negócios que as infrinjam só são impugnáveis dentro de um prazo bastante curto (o prazo indicado no n.º3). Decorrido este prazo, a violação da lei deixa de relevar seja para que efeito for, não podendo, por conseguinte, impedir a aquisição de direitos por usucapião)".

9 - Como afirma Abílio Vassalo Abreu, “o direito adquirido por usucapião surge ex novo na esfera jurídica do sujeito, pois não depende geneticamente de um direito anterior, depende tão só, do facto aquisitivo em que o processo de usucapião se analisa”, ou por outras palavras, acrescentamos nós, na senda do referido habitualmente, que o direito adquirido com fundamento na usucapião não provém de direito anterior que eventualmente exista, mas nasce independentemente do mesmo.

10 - Conforme se dá conta, entre outros, no Acórdão do STJ de 27 de junho de 2006, “irrelevam quaisquer irregularidades precedentes e eventualmente atinentes à alienação ou transferência da coisa para o novo titular, sejam vícios de natureza formal ou substancial. O que passa a relevar e a obter tutela jurídica é a realidade substancial sobre a qual incide a situação de posse. Concorrendo, aferidas pelas características desta, os requisitos da usucapião, os vícios anteriores não afetam o novo direito, que decorre apenas da posse, em cujo início de exercício corta todos os laços com eventuais direitos e vícios, incluindo de transmissão, anteriormente existentes.” 11 - Como também se aponta, as regras em que assenta a usucapião também são determinadas por razões de interesse público radicadas a relevância social da necessidade de asseverar a certeza da existência e da titularidade dos direitos reais de gozo sobre as coisas.

12 - Como ensinava Manuel de Andrade “o princípio de que a nulidade absoluta, pode por via de ação, ser invocada a todo o tempo, não prevalece sobre a doutrina da prescrição aquisitiva”, do mesmo modo afirmando Mota Pinto que “a possibilidade da invocação perpétua da nulidade, pode ser precludida pela verificação da prescrição aquisitiva (usucapião).” 13 - “A expressão «disposição em contrário» ressalvada pelo art. 1287º do C. Civil, não abarca a situação prevista no art. 1376º do mesmo código, na medida em que inexiste qualquer norma excecional que estabeleça, taxativamente, que a posse mantida sobre parcela de terreno com área inferior à unidade de cultura não conduz à usucapião.” 14 – E ainda pelo seguinte: 15 - Para a apreciação das presentes alegações de recurso deverá ter-se em perspetiva que há mais de 30 anos, conforme alegado em sede de petição inicial e ficcionado como provado, que o referido prédio id. em 1.º da p.i., se se encontra dividido materialmente entre A. e RR.

16 - É consabido que a prescrição aquisitiva (usucapião), uma vez considerada, faz os seus efeitos retroagirem ao inicio da posse, ex vi art. 1288.º CC.

17 - À data em que entraram em vigor as alterações legislativas levadas a cabo pela Lei n.º 111/2015 de 29 de Agosto, que, ademais, alterou a redação do art. 1379.º do CC, passando a plasmar a nulidade de atos de fracionamento ao invés de determinar a anulabilidade, já se...

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