Acórdão nº 1413/06.0TBFAF-B.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 13 de Fevereiro de 2020

Magistrado ResponsávelFERNANDO FERNANDES FREITAS
Data da Resolução13 de Fevereiro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

  1. RELATÓRIO I.- R. C., residente em …, Fafe, requereu os presentes Embargos de Terceiro contra a “Caixa ...”, com sede em Lisboa, e Outros, dentre os quais M. C., por apenso à execução comum, para pagamento de quantia certa, que aquela move a estes, pedindo que: a) seja declarado e reconhecido o seu direito de propriedade exclusivo sobre a quantia de € 20.000, aplicada em títulos da Caixa …, constantes da conta penhorada; e b) se ordene o levantamento da penhora que incide sobre a referida conta bancária e os títulos.

Fundamenta alegando, em síntese que a quantia penhorada na conta de depósitos à ordem da Caixa…, com a identificação nº ......., na quantia de € 20.000,00, aplicada em títulos, lhe pertence, sendo proveniente da conta nº 030002826...., do mesmo Banco, e representa as suas poupanças e a sua pensão de reforma, sendo que a executada M. C., sua filha, figura em tal conta bancária, mas nunca a utilizou, movimentou, nem depositou qualquer quantia própria na mesma, cujo saldo sempre pertenceu na totalidade à embargante.

A embargada “Caixa ... – Caixa...” contestou pronunciando-se pela total improcedência dos embargos ou, caso assim se não entenda, que os mesmos embargos sejam procedentes apenas na quota-parte do valor pertencente à Embargante, ordenando-se que esta venha aos autos indicar quem são os herdeiros do falecido J. A., para se apurar a quota-parte da Executada.

Procedeu-se ao julgamento que culminou com a prolação de douta sentença que julgando os embargos improcedentes, decidiu manter a penhora sobre os valores mobiliários na quantidade de 19.997.98, no valor de € 19.997,98, associado à conta PT .......

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Inconformada, traz a Embargante o presente recurso, pedindo a revogação daquela decisão e a sua substituição por outra que julgue os embargos procedentes ou, se assim se não entender, os julgue parcialmente procedentes, atendendo à presunção legal constante do art.º 516.º do C.C., mantendo-se a penhora apenas e somente sobre a quota-parte da co-titular, nos termos do disposto no art.º 780.º, n.º 5, do C.P.C..

Não foram oferecidas contra-alegações.

O recurso foi recebido como de apelação, com efeito devolutivo.

Colhidos, que se mostram, os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

**II.- A Apelante/Embargante formulou as seguintes conclusões: i. Recurso da matéria de facto: 1- A apelante discorda do tratamento fáctico-jurídico dado pelo Tribunal a quo aos aspetos contidos nas alíneas a) e b) dos factos dados como não provados.

2- No seu entender, tais factos estão ali erradamente inseridos, pelo que deveriam passar a constar dos factos dados como provados.

3- Da análise do material probatório produzido, existe evidência testemunhal e prova documental clara e autêntica de que os valores mobiliários que foram penhorados no valor de € 19.997,98, associado à conta PT ......., e que se tratam de obrigações subscritas por M. C. (filha da embargante), trata-se de dinheiro pertencente exclusivamente à embargante.

4- Acontece que, como a embargante não tem qualificações, apenas sabe escrever o seu nome e mal sabe ler, pediu à sua única filha, M. C., que ficasse a constar como titular nas contas bancárias, delegando tais assuntos nesta, para que esta aplicasse e movimentasse o seu dinheiro.

5- Tanto assim é que, como resultou provado no número 2), tal quantia, antes de ser aplicada naqueles títulos encontrava-se depositada na conta nº 0300 02826…, possuindo três titulares, designadamente, J. A., marido da embargante e pai da embargada executada, já falecido, a embargante e a embargada M. C..

6- Pelo que a conta bancária e os valores ali depositados e aplicados em títulos, são propriedade exclusiva da Embargante, ora recorrente, que exerce sobre as mesmas uma posse real e efetiva.

7- Assim sendo, a recorrente não se conforma com o facto dado como não provado na alínea a), nomeadamente, que não tenha resultado provado que a quantia de 20.000,00€ (mais concretamente € 19.997,98), aplicada em títulos e a conta bancária penhorada, lhe pertencem exclusivamente, e que tal dinheiro tenha provindo de poupanças efetuadas pela própria e da sua pensão de reforma.

8- A este propósito, atente-se ao depoimento da testemunha V. C., que prestou um depoimento genuíno e esclarecedor da maior parte dos factos.

Explicou ao Tribunal a quo que, na referida conta bancária apenas estavam depositados montantes provenientes das poupanças da sua avó durante a vida, bem como de uma herança que havia recebido, no montante de 15.000,00€. (Extrato de depoimento [00:03:24 a 00:04:43]); 9- Dúvidas não subsistem, de que do saldo de € 19.997,98 existente na conta bancária, € 15.000,00 advieram à posse da embargante por via de uma herança que recebeu, sendo certo que, no que toca ao restante montante, muito embora a testemunha não tenha especificado a proveniência de tais poupanças, pela lógica e senso comum, facilmente se chega à conclusão que resultam da sua pensão de reforma, pois eram os únicos proventos que recebia.

10- Acresce que, o depoimento da referida testemunha, tem ainda relevância no esclarecimento dos factos, pois como clarificou ao Tribunal recorrido, a embargada M. C., só fazia parte da conta bancária como titular da mesma, devido à idade avançada da sua mãe, e pelo facto desta apenas saber escrever o seu nome e ler muito mal, pelo que, devido a tais limitações, era aquela que a acompanhava na sua vida diária, nomeadamente em todas as questões relativas ao banco, tais como gerir e movimentar o seu dinheiro. (Extrato de depoimento [00:06:30 a 00:07:04]); 11- É importante que se refira que a questão da propriedade do dinheiro depositado é distinta e independente do regime de movimentação dos depósitos.

12- A abertura de uma conta solidária confere a todos os titulares a faculdade de mobilizar os fundos depositados na conta, mas não pré-determina a propriedade dos ativos contidos nesta, que poderão ser da exclusiva propriedade de um ou de alguns titulares de conta, ou inclusive, de um terceiro.

13- Da análise do depoimento da testemunha, constata-se que no caso dos autos estamos perante uma conta bancária de uma pessoa muito idosa, que já não reúne condições físicas para tratar dos seus assuntos bancários e da gestão do seu dinheiro, que insere como contitular a única filha, e também em consonância com aquilo que é uma finalidade comum, que é facilitar e garantir o acesso aos valores em caso de urgência. Já em vida do seu marido, a filha havia sido incluída como contitular com esse propósito e não para os valores depositados passarem a ser, também, desta contitular. Foi dada continuidade a esse modo de proceder e não existe um único indício contrário que belisque a prova produzida.

14- Consequentemente, e por força do sobredito, o facto dado como não provado na alínea a), deve passar a constar da matéria de facto dada como provada.

15- De igual modo, não pode a recorrente concordar com o facto dado como não provado na alínea b), pois não decorre da prova produzida que a embargada M. C., tenha procedido a qualquer depósito de dinheiro nas referidas contas bancárias.

16- Mais uma vez, o depoimento da testemunha V. C., foi prestado de forma serena e humilde, revelando-se crucial para a apreciação da aludida factualidade, pois assegurou ao Tribunal que a sua mãe M. C. (embargada) e o seu pai não tinham quaisquer poupanças ou depósitos bancários, e que o dinheiro que tinham era apenas o que auferiam dos vencimentos, não possuindo outros bens.

17- Aliás, a dita testemunha explicou a situação económica precária dos seus progenitores, nomeadamente o facto de a mãe não possuir emprego fixo (anual), e que o seu pai era afinador de máquinas, mas que já tinha atravessado um processo de insolvência de uma empresa. (Extrato de depoimento [00:04:45 a 00:06:26] e [00:07:04 a 00:07:54]); 18- Ora, esta situação precária da embargada M. C. e do seu marido, foi corroborada pela testemunha I. R., que prestou um depoimento objetivo e coerente, confirmando ao Tribunal recorrido a situação de ambos.

19- No que concerne ao marido da...

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