Acórdão nº 5030/15.5T8BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 21 de Maio de 2020

Magistrado ResponsávelJORGE SANTOS
Data da Resolução21 de Maio de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I - RELATÓRIO M. F.

instaurou a presente acção declarativa sob a forma de processo comum contra M. L. e M. R.

em que pede que seja declarado que é filha de G. R. (falecido no estado de casado com a 1ª R e pai da 2ª R) e ordenados os consequentes averbamentos ao assento de nascimento da A.

Alega, para o efeito, que a mãe foi empregada doméstica na casa pertencente à família do falecido G. R., aí o conheceu e com ele manteve, pelo menos durante o ano de 1961, um relacionamento amoroso e de cariz sexual, em consequência do qual engravidou e nasceu a A em 18.06.1962.

Mais alega que o falecido G. R. não assumiu a paternidade e, por sua iniciativa, colocou a A, com três anos de idade, numa creche em Braga, depois em colégios internos e na casa de uma senhora que se intitulava sua “madrinha”, para não se tornar pública a sua existência e o relacionamento havido entre a mãe da A e o falecido G. R., sendo todas as despesas suportadas pelo falecido e pela sua família.

Alega, por fim, que sempre cresceu com a noção de que o falecido G. R. era seu pai, o que lhe foi dito pela sua mãe que lhe contou tudo o quanto se havia passado, e, na localidade da sua residência, comentavam diante da própria A que a mesma era filha do “Senhor G. R.”.

As RR M. L. e M. R. apresentaram as respectivas contestações em que alegam ter caducado o direito de propor acção de investigação da paternidade e impugnam a factualidade alegada.

Foi realizada audiência prévia e aí foi proferido despacho saneador que relegou para a decisão final o conhecimento da excepção de caducidade invocada.

Foi realizada prova pericial.

Procedeu-se a julgamento com observância do formalismo legal que a respectiva acta documenta.

Foi proferida sentença, na qual se decidiu julgar a acção procedente e consequentemente: a) declarar que a Autora M. F. é filha do falecido G. R.; b) ordenar a remessa de certidão da presente sentença à Conservatória do Registo Civil de Braga a fim de ser averbado ao assento de nascimento da M. F. (com o nº …, do ano de 2010 – resultante de informatização do assento nº …/1962) a paternidade ora declarada bem como a referência aos avós paternos.

Inconformada com a sentença, dela veio recorrer a Ré M. L., formulando as seguintes conclusões: 1.

A sentença recorrida, ao não aplicar o nº 1 do artº 1817º, julgando-o inconstitucional, ao arrepio da jurisprudência uniformizada fixada pelo Acórdão 401/2011 do Plenário do Tribunal Constitucional que se pronunciou pela sua conformidade com a Constituição, viola o direito substantivo, carecendo de qualquer fundamento legal e constitucional a interpretação feita dos normativos legais em causa.

  1. Nos termos do disposto no nº 3 do art. 280º da CRP e al) f do nº1 e nº2 do Estatuto do M.P, impunha -se a este ter recorrido da sentença, como é seu dever legal, do que até à presente data a recorrente não tem notícia.

  2. O incumprimento de tal dever, obrigatório, pelo MP constituí violação da Constituição e da lei ( al) f) do nº1 e nº2 do artº 3º do Estatuto do M.P ), consubstanciando infração disciplinar de cuja notícia a recorrente vem dar aos autos a fim de ser participada ao CSM para os efeitos previstos no aludido Estatuto.

  3. Os fundamentos interpretativos da Lei Constitucional invocados para recusar a aplicação do nº1 do art. 1817º do C.Civil foram já amplamente analisados pelo Tribunal Constitucional em sede de fiscalização concreta, não suscitando qualquer questão inovadora ou diversa no tocante à interpretação e harmonização dos preceitos Constitucionais aplicáveis.

  4. Para o tribunal a quo, as normas constitucionais que justificam a recusa da aplicação do art. 1817º são o nº 1 do Art 25º, o nº 1 do art. 26º e o nº 1 do artº 36º da CRP.

  5. Os princípios constitucionais em conflito com tais normas são, na perspectiva do tribunal a quo, o princípio da certeza e segurança jurídicas ( art. 2º da CRP), no sentido explanado na sentença, circunscrito à sua vertente patrimonial.

  6. O tribunal a quo defende, erradamente, em defesa da desconformidade constitucional da norma do art. 1817 do CC, a existência de uma linha jurisprudencial e doutrinal evolutiva nesse sentido.

  7. A evolução do pensamento doutrinal e jurisprudencial em matéria de caducidade do direito de reconhecimento da paternidade posterior à entrada em vigor da Lei 14/2009 é contrária, ou inversa, à que vinha sendo produzida antes da referida lei que alongou de dois para dez anos o prazo de caducidade.

  8. No que toca à invocada violação do nº1 do Artº.25º da CRP, tal como já foi apreciado e julgado pelo Tribunal Constitucional, a fundamentação da sentença carece de razão.

  9. O bem jurídico que tal normativo visa acautelar, a integridade física e moral da pessoa humana, não é posto em causa pelo estabelecimento de um prazo de caducidade para o reconhecimento da paternidade.

  10. Os arts. 26º, nº 1 e 36º, nº 1 da CRP têm vindo a ser recorrentemente invocados como fundamento de recusa da aplicação do artº 1817º do C.Civil, gerando conflito das decisões das secções do Tribunal Constitucional.

  11. No Acórdão n.º 401/2011 o Tribunal decidiu o conflito jurisprudencial nos seguintes termos, cuja fundamentação subscrevemos na íntegra: “a norma do artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil, na redação da Lei n.º 14/2009, de 1 de abril, na parte em que, aplicando-se às ações de investigação de paternidade, por força do artigo 1873.º, do mesmo Código, prevê um prazo de dez anos para a propositura da ação, contado da maioridade ou emancipação do investigante, não se afigura desproporcional, não violando os direitos constitucionais ao conhecimento da paternidade biológica e ao estabelecimento do respetivo vínculo jurídico, abrangidos pelo direitos fundamentais à identidade pessoal, previsto no artigo 26.º, n.º 1, e o direito a constituir família, previsto no artigo 36.º, n.º 1, ambos da Constituição” 13.

    O prazo de caducidade de dez anos previsto no artº1817º do C.Civil não viola o direito fundamental à identidade pessoal nem o direito a constituir família consagrados nos arts. 26º e 36º da CRP.

  12. Após as alterações introduzidas pela Lei n.º 14/2009, que procurou dar resposta à evolução verificada na jurisprudência constitucional, através do alongamento da duração dos prazos de caducidade, o Tribunal voltou a apreciar a constitucionalidade do novo regime de prazos de propositura da ação de investigação de paternidade, mantendo o juízo de conformidade com a lei fundamental.

  13. Neste sentido, entre muitos outros, estão os Acórdãos nºs. 106/2012, 247/2012, 515/2012, 350/2013, 750/2013, 383/2014, 373/2014, 547/2014 e 704/2014, 680/2015, 306/2016.

  14. De todas as decisões de inconstitucionalidade que versaram sobre a anterior redação do artº 1817º CC, podemos concluir que o Tribunal nunca assumiu que a imprescritibilidade era o único regime constitucionalmente conforme, tendo as mesmas sido sempre tomadas por razões atinentes à exiguidade do prazo estabelecido (à época de dois anos) e/ou ao caráter objetivo do termo inicial.

  15. A recorrente entende, de acordo com a doutrina e jurisprudência maioritárias, que a solução legal actual é proporcional e acautela os direitos fundamentais em conflito.

  16. Os princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança assumem-se como princípios caracterizadores do Estado de Direito Democrático, e que implicam um mínimo de certeza e segurança nos direitos das pessoas e nas expectativas juridicamente criadas a que está imanente uma ideia de protecção da confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica e na actuação do Estado.

  17. Tais princípios revestem-se também de relevante dimensão pessoal, com repercussão na proteção de bens eminentemente pessoais, tais como, no que ao caso em apreço importa, a estabilidade afectiva e emocional ligada aos vínculos familiares constituídos e a reserva da intimidade e estabilidade da vida familiar.

  18. Quer a recorrente, quer a Ré M. R., viram a sua vida privada e familiar profundamente perturbada com o conhecimento da existência da recorrida.

  19. Os interesses de ordem pública invocados na sentença recorrida em defesa da desaplicação da norma do art. 1817º do CC não justificam a imprescritibilidade do direito em questão mas, ao invés, reclamam o estabelecimento de um prazo de caducidade por força da necessidade de uma célere definição do estado e vínculos familiares pessoais.

  20. A douta sentença, ao proferir juízo de inconstitucionalidade do artº 1817º do C. Civil, afastando a sua aplicação ao caso dos autos, é nula, tendo violado, além do art. 1817º do C. Civil, os arts. 2º ( princípio da segurança jurídica e proteção da confiança) e 3º da CRP ( princípio da legalidade do Estado de Direito Democrático), devendo ser revogada, proferindo-se acórdão que julgue procedente a excepção de caducidade invocada pela recorrente nos termos da lei e da Constituição da República Portuguesa e a ação improcedente.

    Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente, declarando-se a caducidade do direito da recorrida e revogando-se a sentença proferida.

    Houve contra-alegações, nas quais se pugna pela improcedência do recurso e manutenção da sentença recorrida.

    Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir II – OBJECTO DO RECURSO A – Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pela recorrente, bem como das que forem do conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, importando notar que, em todo o...

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