Acórdão nº 1426/19.1T8VCT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 21 de Maio de 2020
Magistrado Responsável | JOSÉ AMARAL |
Data da Resolução | 21 de Maio de 2020 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I. RELATÓRIO Os autores M. C.
e marido A. L.
, intentaram, em 15-04-2019, no Tribunal de Viana do Castelo, acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra a ré R. P..
Peticionaram que seja: a) declarado que o prédio urbano, composto de rés-do-chão, por eles identificado, “pertence” à autora; b) condenada a ré a reconhecer “tal direito”; c) condenada a ré a entrega-lo à autora, livre de pessoas e bens; d) condenada a ré a pagar-lhe a quantia mensal de €200,00, desde Março de 2018 até efectiva entrega “do rés-do-chão do imóvel” em causa; Para tanto alegaram, em suma, na petição, que, por usucapião e sucessão hereditária, adquiriram a “pertença” do referido imóvel, a seu favor registado na Conservatória, e que, apesar de (ambos) o terem dado de arrendamento à ré, o contrato foi denunciado (pela autora mulher) com efeitos a 01-03-2018.
Apesar de, por tal via, ele “se ter extinguido na referida data de 01-03-2018”, esta não o entregou e mantém a respectiva ocupação “ilícita e abusiva”, assim os impedindo de o arrendar. Para tal efeito “o prédio” tem o “valor” de 200,00€/mês, pelo que reclamam indemnização, desde aquela data.
Juntaram documentos e, entre eles, a habilitação, da autora, à herança de cujo acervo fazia parte o prédio; o registo, a favor dela (casada com o autor, no regime de comunhão de adquiridos) na Conservatória; a caderneta predial (de onde se vê, em conjugação com a descrição, que o prédio é composto de rés-do-chão, 1º andar e anexo); e a notificação judicial avulsa – NJA – à ré, requerida pela autora (da qual consta a invocação do disposto no artº 1101º, alínea c), do CC, e que a pretendida “denúncia” seria “com efeitos a partir do dia 1 de Março de 2018” e “devendo a mesma, nesse dia, deixar o dito imóvel…”).
Na contestação, a ré aceitou o alegado quanto à titularidade do imóvel e à celebração do contrato de arrendamento.
Impugnou, por falsa, a demais factualidade, mormente a relativa aos termos e efeitos da notificação da alegada denúncia e ao valor da eventual renda.
Assim, além de corrigir que o referido contrato (de duração limitada) foi celebrado pela “antecessora dos autores”, sustentou que este se foi automaticamente renovando mas ainda permanece em vigor (estando a depositar, desde Março de 2018, as rendas cujo recebimento a autora recusou) porque, apesar da notificação feita e de este tipo de contratos cessar mediante oposição à renovação nos termos dos artºs 1095º, 1097º e 1098º, CC, a verdade é que “em momento algum os AA comunicaram legalmente que se opunha à renovação…”.
É que, o que dela consta é a pretensão de a autora “denunciar o contrato…nos termos da alínea c), do artº 1101º, do CC…” (com efeitos a partir do dia 1 de Março de 2018), acto este que “reporta-se apenas aos contratos de duração indeterminada” antes denominados “sem duração limitada”, pelo que tal figura “não tem aplicação no presente contrato”, nem é susceptível de lhe por termo.
O único meio para tal teria sido a “oposição à sua renovação (artºs 1097º e 1098º, CC). Porém, até agora, “nenhuma das partes se opôs …à renovação”.
A alegada denúncia, portanto, “não produziu qualquer efeito”.
Logo, a ocupação é legítima, inofensiva do direito de propriedade e não prejudicial. De resto, dado o estado degradado em que o prédio se encontra, não vale os 200€ para efeitos de arrendamento.
Juntou documentos relativos aos depósitos (rendas desde Março de 2018 a Agosto de 2019) e fotos alusivas ao estado do imóvel.
Em resposta, os autores, além de manterem a sua alegada versão, refutaram tabelarmente a da ré e impugnaram genericamente os documentos, requerendo que a contestação seja “julgada improcedente”.
Após notificação para tal, os autores juntaram o documento relativo ao contrato de locação – celebrado em 03-04-2006, entre a mãe dela e a ré e uma outra pessoa – e, no respectivo requerimento, aproveitaram para “esclarecer” que, atenta a data de outorga do mesmo, lhe é aplicável o RAU e não o NRAU nem, portanto, o regime de denúncia naquele previsto [1].
Em mais um articulado, a ré contrapôs que ao contrato em apreço (e, consequentemente, à respectiva cessação) é aplicável o NRAU, nos termos dos artºs 59º e 26º, nºs 1 e 2, da Lei 6/2006.
Em 21-11-2019, realizou-se a audiência prévia e, então, após a fixação do valor da causa (37.930,55€) e verificação dos pressupostos processuais, entendendo-se que “o estado do processo habilita, sem necessidade de mais provas, a apreciação do pedido”, foi proferida a sentença, que culminou na seguinte: “DECISÃO: Por tudo o exposto, o tribunal decide julgar a presente acção parcialmente procedente e, em conformidade, declarar que o prédio supra descrito no ponto 1 dos factos provados pertence à A. e condenar a R. a reconhecer tal direito.
No mais, decide-se absolver a R. dos demais pedidos formulados pela A.
Custas a cargo de ambas as partes na proporção do respectivo decaimento (art. 527º, do CPC).
Registe e notifique. ” Os autores não se conformaram e apelaram à revogação do assim decidido, tendo alegado e apresentado como conclusões o seguinte texto: “I. Interpõe-se recurso da decisão proferida pelo Tribunal a quo que em sede de audiência prévia proferiu despacho saneador, conhecendo do mérito da causa e bem assim julgando parcialmente procedente os pedidos formulados pelos Autores.
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O petitório considerado como improcedente era precisamente o essencial na acção intentada, já que, era aí que se peticionava a desocupação do bem dado de arrendamento pelos Recorrentes/Autores à Recorrida/Ré, com o consequente arbitramento de uma quantia pecuniária desde o momento em que devia ter desocupado a propriedade dos Autores e o momento da entrega do imóvel.
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Nesta medida, mais não resta aos Recorrentes a não ser lançar mão do recurso que se interpõe.
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Em primeiro lugar, entendem os Recorrentes que a sentença proferida encontra-se ferida de nulidade, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 615.º, n.º 1, als. d) e e), ex vi art. 195.º todos do CPC, atendendo a que o Tribunal a quo proferiu uma decisão surpresa sobre matéria que não se encontrava debatida nos articulados, nem alegado pela Ré, e bem assim sobre matéria à qual não foi conferida qualquer possibilidade de exercício de direito do contraditório às partes.
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No mais, e porque nada há relevar no que concerne ao conjunto de factos dados como provados, sempre dirão os Recorrentes que, ainda que os Venerandos Desembargadores entendam que a sentença não é nula – o que apenas academicamente admitimos – sempre deverão levar em linha de consideração que o Tribunal a quo errou na apreciação de direito e na subsunção realizada dos factos dados como provados ao direito aplicável.
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Com isto queremos dizer que errou o Tribunal a quo ao considerar como considerou que a notificação judicial avulsa realizada pelos Recorrentes para findar a relação contratual de arrendamento é ineficaz por ter sido realizada com “demasiada” antecedência, relativamente à data da renovação do contrato, factualidade que iremos perscrutar, demonstrando os pontos de discordância e por que motivo entendem os Recorrentes que o Tribunal a quo extravasou a livre apreciação que lhe é permitida nesta sede, ao decidir como decidiu.
Sem prescindir, VII. No que concerne à nulidade de sentença, o artigo 615.º, n.º 1, als. d) e c) do CPC, prescreve que a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devia conhecer ou conheça de questões que não podia e devia tomar conhecimento, sendo ainda nula, quando condene em quantidade superior ao peticionado.
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Pensamos seriamente ser este o caso dos autos, uma vez que o Tribunal a quo se pronuncia precisamente sobre questões que, como referimos supra, não podia ou devia tomar conhecimento.
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Os Autores, aqui Recorrentes, lança mão de uma acção de reivindicação, peticionando a final o reconhecimento da sua propriedade; que a Ré reconheça a propriedade invocada e que seja declarado que a mesma tem de abandonar o prédio.
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A Ré, aqui Recorrida, contestou, invocando que o contrato de arrendamento foi celebrado antes da entrada em vigor do NRAU, pese embora, nos termos do art. 26.º do NRAU aquela lei passe a ser aplicada mesmo aos contratos pendentes.
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Com isto pretendia a Ré, aqui Recorrida dizer que, tendo sido o contrato de arrendamento celebrado com efeitos a partir de 01.04.2006, e sendo a notificação judicial avulsa realizada pela Autora em 22 de Fevereiro de 2016 para desocupação em Março de 2018, não devia ser considerada, porquanto naquela notificação a Autora fazia referência a uma denúncia do contrato de arrendamento, quando, ao abrigo do NRAU estaríamos perante uma oposição à renovação. [Ref.
Citius 2478835].
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Os Autores, aqui Recorrentes, após terem sido convidados a juntar o mencionado contrato de arrendamento, procederam à sua junção e explicitaram que, não obstante se poder considerar ou não a produção de efeitos do NRAU para os contratos celebrados antes da sua vigência, na verdade, nos contratos celebrados ao abrigo do RAU [como é o caso deste] a destrinça entre oposição à renovação e denúncia não existia. [Ref.
Citius 2540392], a qual obteve resposta da Ré/Recorrida com o requerimento Ref.
Citius 2552658. XIII. Esta foi a matéria debatida em sede de peças processuais/articulados.
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Não obstante, em sede de audiência prévia, foram as partes surpreendidas com uma decisão surpresa que veio incidir sobre matéria não alinhada e não alegada pela Ré, e sobre a qual nenhuma das partes foi chamada a exercer o respectivo direito de contraditório.
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O Tribunal a quo entendeu assim que, estava em condições de proceder à decisão do mérito da causa, entendendo com base na aplicação do art. 1097.º do CC, que em virtude das alterações e submissão às regras do NRAU [vide arts. 59.º, n.º 1 e 26.º, n.º 1 e 3 do NRAU] deveria ser de aplicar o artigo 1097.º do CC que estabelece que o senhorio tem 120 (cento e vinte)...
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