Acórdão nº 7620/19.8T8VNF.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 03 de Dezembro de 2020

Magistrado ResponsávelJOSÉ DIAS
Data da Resolução03 de Dezembro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães.

*I- RELATÓRIO J. P., residente na Casa …, Braga, instaurou em 14/12/2019, a presente ação declarativa, com processo comum, contra T. B., Lda.

, com sede na Rua … Braga, pedindo que se: a- declare que a vontade do Autor se encontra viciada por erro; b- conceda a exoneração ao Autor relativamente à Ré; c- condene a Ré a restituir ao Autor uma quantia equivalente ao valor real da sua quota, em função do estado da sociedade ao tempo do seu pedido de exoneração.

Para tanto alega, em síntese, ser sócio da Ré, detendo 30% do capital social desta, sendo os restante 70% detidos pelo seu pai, que é o atual único gerente; Toda a estrutura empresarial da Ré foi delineada pelo Autor que, em 2000, apercebendo-se que a área de negócios em que o seu pai se encontrava instalado e que a sociedade deste se encontrava em situação de insolvência técnica, decidiu que a Ré passaria a dedicar-se ao setor imobiliário para arrendamento e entrar nesse projeto empresarial; Por via dessa estratégia, a Ré é atualmente proprietária de vários imóveis, dos quais advém rendas na ordem dos 8.000,00 euros mensais, das quais resultam receitas que rondam 80% desse valor; Em 2008, o sócio-gerente da Ré, pai do Autor, decidiu pagar os mútuos contraídos pela Ré, nos quais tinha responsabilidades pessoais, e deixar de pagar os empréstimos em que não tinha essas responsabilidades pessoais, os quais tinham piores valores de amortização; Para fazer face a esse esforço económico, desde 2011, a Ré deixou de pagar o salário ao Autor; Em 2013, o Autor foi convencido pelo seu pai e sócio-gerente da Ré, a renunciar à gerência desta, de forma, ao que lhe foi explicado, a evitar o encargo de ter de pagar um salário e os consequentes descontos para a Segurança Social, face a uma suposta situação difícil que a Ré atravessaria e à possibilidade de manter-se como gerente desta o pai do Autor, o qual, na altura, por se encontrar reformado, não teria de proceder a descontos para a Segurança Social, e mediante a promessa que, no prazo de um ano, se possível, ainda antes de 2014, o Autor voltaria a beneficiar do salário de mil euros, livre de impostos, e regressaria à gerência da Ré; Apesar do Autor ter renunciado à gerência, continuou a exercer as funções de gerente de facto da Ré; Acontece que as mencionadas promessas feitas ao Autor não foram cumpridas e a estratégia da Ré foi alterada, dado que o atual gerente desta, pai do Autor, optou por não adquirir mais imóveis para arrendamento e por manter o status quo da sociedade Ré, ou seja, pela estagnação desta, apesar de a última ter disponibilidades de caixa que permitiam o crescimento do seu negócio; Após 2017 a Ré passou a pagar ao Autor o salário mínimo nacional, sem lhe atribuir funções de gerência e sem distribuir lucros e negando àquele, de forma consecutiva, o acesso a toda a informação da empresa; Em desespero, o Autor instaurou ação, que correu termos no Juízo de Comércio de Vila Nova de Famalicão, Juiz 4, sob o n.º 1834/19.8T8VNF, para exercer os seus direitos; Nesse processo foi lavrada transação, homologada por sentença transitada em julgado, nos termos da qual a Ré se obrigou a entregar ao Autor a quantia de 8.500,00 euros, livre de taxas e impostos, a título de adiantamento de lucros; Subentendido a essa transação estava que a quantia de 8.500,00 euros seria apenas um adiantamento sob o montante real dos lucros a que o Autor tem direito, devendo o remanescente desses lucros ser melhor acordado por via do acesso à informação indicada na petição inicial apresentada no âmbito dessa ação; Também estava subentendido que a Ré regressaria à normalidade que se vivia em 2011, com o pagamento de um salário condigno ao Autor, que se antevia ascender a 1.700,00 euros mensais, e o pagamento ao último dos montantes dos salários em falta; Acontece que a Ré apenas pagou ao Autor a mencionada quantia de 8.500,00 euros, mas nada mais distribuiu ao último a título de lucros, sequer lhe facultou acesso à informação da empresa, apesar deste lhe ter solicitado esse acesso, sequer lhe pagou os salários dos anos de 2011, 2012 e 2013, que ascendem à quantia global de 42.000,00 euros, continuando a Ré a pagar ao último o salário mínimo nacional; Acresce que a Ré não recebeu as duas cartas juntas aos autos que o Autor lhe enviou, apenas recebendo a 3ª carta, enviada em 13/11/2019; Nessa última carta, o Autor tentou agendar a consulta dos documentos da Ré e marcar uma assembleia geral para inícios de 2019, com a seguinte ordem de trabalhos: a) pagamento imediato do valor de 1.700,00 euros pela qual foi penhorada a quota do sócio e que se reporta a pagamento de portagens de viagens, muitas delas efetuadas no interesse da própria Ré; b) distribuição dos lucros, em caixa, ao sócio J. P.; c) distribuição dos lucros do presente ano; d) atribuição de salário compatível com as funções e peso societário; e e) aprovação da cisão da sociedade; A Ré informou-o, por carta, que com o pagamento da quantia a que se havia vinculado na transação celebrada no Tribunal de Vila Nova de Famalicão, se sentia desobrigada; que aceitava pagar ao Autor, a partir de janeiro de 2020, um vencimento mensal de 1.100,00 euros, e recusou-se a realizar a assembleia geral com a alegação de que “na ordem de trabalhos não estão apontados assuntos que digam respeito ao interesse da sociedade”; Em face de tal resposta, o Autor concluiu que em 2013, a Ré atuou em reserva mental quando o convenceu a desistir da gerência, com a promessa de que regressaria a essa gerência antes de 2014, com um salário, e que atuou igualmente com reserva mental quando em setembro de 2019, evidenciou que o Autor passaria a beneficiar de distribuição de lucros, tendo, para reforçar tal convicção, aceite e pago ao último a quantia de 8.500,00 euros, a título de adiantamento de lucros, e quando consignou que o Autor teria acesso à informação, mas quando sempre lhe dificultou esse acesso, ou nem sequer lhe permitiu o acesso à informação da empresa; O Autor foi induzido em erro pela Ré, designadamente, no acordo celebrado em setembro de 2019, posto que nunca teria constituído a sociedade Ré nos termos em que a constituiu caso tivesse perfeito conhecimento das circunstâncias supra descritas, ou tê-lo-ia feito em termos diferentes, reservando para si a maioria do capital e nunca sem poderes de gerência; Se soubesse que apenas ser-lhe-ia pago o salário mínimo, ou mesmo dois salários mínimos, nunca o Autor teria constituído a empresa Ré, com a quota minoritária que aceitou e com o sócio que adotou, tendo o mesmo sido induzido em erro; Encontra-se conferido ao Autor o direito de se exonerar da sociedade Ré, com o direito a ser-lhe restituída uma quantia equivalente ao valor da sua quota em função do estado da Ré ao tempo da desoneração.

Citada em 20/12/2019, a Ré contestou, defendendo-se por exceção e por impugnação: Invocou a exceção perentória do pagamento quanto aos créditos salariais reclamados pelo Autor, alegando que lhe pagou esses salários; Invocou a exceção perentória da prescrição do direito à exoneração de sócio, com fundamento em justa causa por invocado erro na formação da vontade, que o Autor intenta exercer nos presentes autos, alegando que tendo a sociedade Ré sido constituída em 30/08/2001, o último dispunha do prazo de um ano a contar dessa data para instaurar a presente ação de exoneração de sócio com fundamento em vício na formação de vontade, prazo esse que se encontrava há muito decorrido aquando da sua citação para os termos da presente ação; Excecionou alegando que apesar do Autor ter renunciado à gerência da Ré, aquele sempre atuou como gerente de facto desta, tendo, desde sempre, livre e pleno acesso a toda a documentação da Ré; Impugnou parte da facticidade alegada pelo Autor, sustentado que por discordar da gestão que o seu pai imprimia à sociedade Ré, aquele, há cerca de dois anos, deixou de participar na vida societária, designadamente, de comparecer nas assembleias gerais, apesar de devidamente convocado para o efeito, afirmando pretender que a Ré adquirisse a sua quota, para com o dinheiro que daí resultasse “ir à sua vida”, e quando a Ré, tal como foi comunicado ao Autor, não dispõe de liquidez para adquirir a quota daquele.

Conclui pela improcedência da ação, pedindo que seja absolvido do pedido.

Notificou-se o Autor para se pronunciar, querendo, quanto à exceção da prescrição invocada pela Ré.

O Autor respondeu concluindo pela improcedência dessa exceção, alegando que a constituição de uma sociedade não é um negócio que se esgote no momento da respetiva constituição e que aquele, em sede de petição inicial, alega que os comportamentos que sustentam os vícios se mantêm no momento em que deu entrada em juízo da petição inicial.

Notificou-se o Autor para juntar aos autos o contrato de constituição da sociedade Ré, o que cumpriu.

Dispensou-se a realização de audiência prévia, fixou-se o valor da presente causa em 30.000,01 euros, proferiu-se despacho saneador tabelar e conheceu-se da exceção perentória da prescrição do direito exercido nos autos pelo Autor pedindo a sua exoneração da Ré, julgando essa exceção procedente, constando esse saneador-sentença do seguinte: “Da invocada prescrição do direito de pedir a exoneração de sócio A R. veio invocar a prescrição do direito que o A. pretende defender na presente ação por o direito de exoneração de sócio com fundamento em vício de formação da vontade ter de ser requerido no prazo de um ano, prazo que se teria iniciado com a constituição da sociedade Ré a 30-8-2001 e terminado a 30-8-2002. Nesse prazo o A. teria que ter intentado esta ação pedindo a exoneração com fundamento no vício de formação da vontade, nos termos do artigo 287º do Código Civil.

Notificado para se pronunciar sobre a invocada exceção, veio o A. alegar que a constituição da sociedade não é um negócio que se esgote no momento da sua constituição, podendo o pacto social ser alterado ao...

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