Acórdão nº 760/13.9TBPTL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 17 de Dezembro de 2020
Magistrado Responsável | RAQUEL BAPTISTA TAVARES |
Data da Resolução | 17 de Dezembro de 2020 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I. Relatório A. L.
intentou ação declarativa em processo comum contra J. R. e M. R.
, pedindo seja proferida sentença que produza os efeitos da declaração negocial do promitente-vendedor, ordenando-se o cancelamento de todos e quaisquer registos que obstam a realização desse direito.
E, se assim não se entender, pedem que sejam os Réus condenados a reconhecerem o direito de propriedade do Autor por usucapião e a entregarem ao Autor os Prédios livres e desocupados de pessoas e bens e sem quaisquer ónus ou encargos.
Se ainda assim não se entender que sejam os Réus condenados a pagar ao Autor a quantia igual ao dobro do sinal, ou seja a quantia de €10.000.00.
Os Réus contestaram pugnando pela absolvição, quer da instância quer do pedido, e ainda pela condenação do Autor como litigante de má-fé.
Foi realizada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador que julgou improcedente a exceção de ineptidão da petição inicial e foi proferido despacho destinado à identificação do objecto do litígio e à enunciação dos temas da prova.
A mulher do Autor R. L. declarou em audiência prestar consentimento ao Autor para interposição da acção.
Veio a efectivar-se a audiência de discussão e julgamento com a prolação de sentença nos seguintes termos, no que concerne à parte dispositiva: “Pelo exposto, julga-se a presente ação procedente, por provada e, consequentemente, decide-se declarar, em substituição dos réus, que estes: A - Vendem ao autor, pelo preço de €2.493,99 (dois mil quatrocentos e noventa e três euros e noventa e nove cêntimos), já pago, os seguintes prédios rústicos situados em ..., Ponte de Lima:
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Bouça ..., constituído por terreno de mato e pinheiros, sito no Lugar de ..., com a área de 3680 m2, a confrontar do Norte com Ribeiro, do Sul com Freguesia, do Nascente com M. C. e do Poente com caminho, então inscrito na matriz predial da Freguesia de ... sob o artigo n.º ... e com descrição na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º .../20000119, freguesia ....
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Terreno de mato e pinheiros na Bouça ... com a área de 3200 m2, a confrontar do Norte com a Freguesia e A. F., do Sul com ribeiro e rego, do Nascente com Junta de Freguesia e do Poente com A. F., inscrito na matriz predial sob o artigo n.º ..., e com descrição na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º .../20000119, freguesia ....
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Vendem ao autor, pelo preço de €2.493,99 (dois mil quatrocentos e noventa e três euros e noventa e nove cêntimos), já pago, o prédio rústico denominado “Bouça do ...”, constituído por terreno de mato e pinheiros, com a área de 3000 m2, a confrontar do Norte com A. F. e Freguesia; do Sul com J. G. (herdeiros), do Nascente com J. M. (herdeiros) e do Poente com A. F., inscrito na matriz predial sob o artigo …, e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º .../20000119, freguesia ....
As custas processuais serão a cargo dos réus, que à ação deram causa – artigo 527.º do CPC.
Custas do incidente de litigância de má-fé também correm pelos réus, que se fixam em 2 UC.
Notifique, registe e, após trânsito, comunique ao Serviço de Finanças”.
Inconformados, apelaram os Réus da sentença, concluindo as suas alegações da seguinte forma: “III - CONCLUSÕES 1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida nos autos, na parte em que foi desfavorável aos Réus (procedência da acção).
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O presente recurso visa a impugnação da decisão da matéria de facto e de direito e pressupõe a reapreciação da prova gravada.
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O Réu discorda do julgamento da matéria de facto contida nos pontos A, C, E e F dos factos provados, pois entende que a mesma deveria ter sido dada como não provada.
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Os meios de prova que impunham a prolação de decisão diversa são as declarações de parte prestadas pelo Réu marido na sessão de 15/02/2018, no excerto de minutos 01:00 a 05:15, doc. n.º 4, junto com a p.i. (mera fotocópia, com letras e assinaturas impugnadas pelos Réus) e o ofício remetido pelo Exmo. Senhor Dr. J. B., actualmente Notário, que deu entrada nos autos em 21/04/2017.
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O contrato-promessa que tem por objecto a transmissão ou constituição de direitos sobre bens imóveis (como sucede no caso dos autos) é um negócio formal, já que, para ser válido, tem necessariamente de ser sujeito a forma escrita e de conter a assinatura da parte ou partes que se obriguem.
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Por força do disposto no art. 364.º, n.º 1 do Cód. Civil, uma vez que a lei exige que o contrato-promessa que respeite à transmissão de direitos sobre imóveis seja reduzido a escrito, o mesmo só pode ser demonstrado mediante a apresentação de tal documento.
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Para que pudesse provar a celebração do contrato-promessa de 29/05/1995, o Autor teria, em alternativa, de exibir esse contrato, juntando aos autos o seu original, demonstrar a celebração desse contrato através de documento com valor probatório superior – documento autêntico ou documento particular autenticado – ou obter dos Réus a confissão quanto à sua celebração.
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Nenhuma dessas hipóteses se verificou no caso dos autos.
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A mera fotocópia simples, quando impugnada pela contraparte, não tem o mesmo valor probatório do documento original.
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Não tendo o Autor junto aos autos o original do contrato e tendo os Réus impugnado a autenticidade da fotocópia junta pelo Autor, estava vedado ao Tribunal recorrido dar como provado a celebração de tal contrato e, por inerência, a factualidade contida nos pontos A, C, E e F dos factos provados.
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Não tendo o Autor demonstrado a existência de documento escrito (em virtude de a mera fotocópia não se revestir de igual valor probatório), o art. 364.º, n.º 1 do Cód. Civil vedava ao Tribunal recorrido que desse como provada a celebração desse contrato.
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Por força de restrições de cariz substantivo, estava vedado ao Tribunal recorrido dar como provada a factualidade contida nos pontos A, C, E e F dos factos provados, o que é quanto baste para determinar a procedência do recurso, com a consequente alteração da decisão da matéria de facto, dando-se essa factualidade como não provada.
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Os Réus, nos arts. 38.º a 41.º da sua contestação, impugnaram expressamente esse documento – doc. n.º 4, junto com a p.i. - quanto à autenticidade do seu conteúdo e das assinaturas nele contidas, negando a celebração do negócio titulado pelo mesmo –com os efeitos previstos no art. 444.º, n.º 1do Cód. Proc. Civil.
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Por estar em causa um documento particular, o ónus da prova da sua autenticidade impendia sobre o Autor, tal como resulta expressamente do art. 374.º, n.º 2 do Cód. Civil.
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O Tribunal recorrido deveria ter sancionado a não apresentação do original do contrato de 29/05/1995 com a aplicação do regime do art. 417.º, n.º 2 do Cód. Proc. Civil, aplicável por remissão do art. 430.º do mesmo diploma, designadamente, levando em conta tal conduta para efeitos probatórios e concluindo pela não demonstração do facto que se pretendia demonstrar (celebração do contrato datado de 29/05/1995) por facto imputável aos Réus.
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As declarações de parte do Autor não tinham nem têm o condão de, singelamente e desacompanhadas de qualquer outro meio de prova, cumprir comas exigências probatórias em matéria de ónus da prova e concretamente, permitir a prova da autenticidade do contrato-promessa de 29/05/1995.
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Face à exiguidade da prova produzida, deveria o Tribunal recorrido ter considerado como não cumprido o ónus probatório que impendia sobre o Autor, dando como não provada a factualidade contida nos ponto A, C, E e F dos factos provados.
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Daí que se imponha julgar procedente o presente recurso, alterando-se a resposta a esses pontos da decisão da matéria de facto, que deverão ser dados como não provados.
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Os Recorrentes discordam do julgamento dos pontos B, D, E e F dos factos provados, pois entendem que tais factos deveriam ter sido dados como não provados.
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Os meios de prova que impunham a prolação de decisão diversa são a perícia realizada pelo Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária em 29/02/2016 e as declarações de parte prestadas pelo Réu marido na sessão de 15/02/2018, no excerto de minutos 01:00 a 05:15.
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Uma vez que os Réus impugnaram o as assinaturas e conteúdo do contrato-promessa de 25/07/1996, o ónus da prova da sua autenticidade impendia sobre o Autor, tal como resulta expressamente do art. 374.º, n.º 2 do Cód. Civil.
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A única prova produzida pelo Autor a esse respeito foram as suas próprias declarações - que, para além de obviamente interessadas, não tinham nem têm o condão de, singelamente e desacompanhadas de qualquer outro meio de prova, cumprir com as exigências probatórias em matéria de ónus da prova e, concretamente, a autenticidade do documento por ele apresentado.
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Face à exiguidade da prova produzida, deveria o Tribunal recorrido ter considerado como não cumprido o ónus probatório que impendia sobre o Autor, dando como não provada a factualidade contida nos ponto B, D, E e F dos factos provados.
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Daí que se imponha julgar procedente o presente recurso, alterando-se a resposta a esses pontos da decisão da matéria de facto, que deverão ser dados como não provados.
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Com a procedência do recurso da decisão da matéria de facto proceda - como se impõe -, fica por demonstrar a celebração dos contratos-promessa invocados pelo Autor como causa de pedir.
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Não se mostrando provada a celebração de tais contratos, carece de fundamento legal a procedência dos pedidos, nos termos decididos na douta sentença recorrida.
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Ao decidir como decidiu, o Tribunal recorrido violou, além de outras, as disposições dos arts. 410.º, n.º 1 e 2 e 830.º, n.º 1 do Cód. Civil.
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Daí que se imponha a procedência do presente recurso, com a consequente revogação da douta sentença recorrida e prolação, em sua substituição, de Douto Acórdão que julgue a acção totalmente improcedente.
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Em caso de improcedência do recurso da decisão da matéria de facto, a douta sentença recorrida não ficará, ainda assim, isenta de censura.
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O...
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