Acórdão nº 2381/19.3T8VCT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 17 de Dezembro de 2020

Magistrado ResponsávelANTÓNIO BARROCA PENHA
Data da Resolução17 de Dezembro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães: I. RELATÓRIO M. R.

intentou a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra Banco ..., S.A.

, através da qual pede que: a) Se condene o Banco réu a pagar ao autor de todas as quantias de capital e juros perdidos em troca das obrigações de caixa subordinada de que era titular (4.000) pelas ações ordinárias do Banco ..., a liquidar em execução de sentença, acrescidas dos juros legais, até efetivo e integral pagamento; b) Se condene o Banco réu a pagar ao autor a quantia de € 10.000,00, a título de danos de natureza não patrimonial.

Alegou para tanto, e em síntese, que através da presente ação pretende ser indemnizado pelo Banco réu, com fundamento em responsabilidade e incumprimento por parte deste relativamente a um contrato celebrado com o mesmo, em 28.05.2015, traduzido na troca de valores mobiliários subordinados por ações desta última. Alegou que em nenhum momento o contrato em apreço foi lido, dado a conhecer, explicado, informado e comunicado o teor, conteúdo e contornos das cláusulas contratuais gerais apostas no mesmo, ou sequer procedeu o Banco réu a uma explicação clara e adequada do conteúdo do contrato. A assinatura aposta pelo autor no doc. 2, por falta da comunicação, esclarecimento e leitura do seu texto, não comporta qualquer declaração confessória ou o reconhecimento por ele da veracidade do seu conteúdo, designadamente da sua efetiva comunicação e seu esclarecimento quanto à natureza e características das ações envolvidas no contrato em apreço. Nunca o autor foi informado e advertido, assim como não aceitou os riscos acrescidos que o contrato e investimento em causa envolviam. O Banco réu não cumpriu o seu dever de comunicação, de modo adequado e com a antecedência necessária, para que o autor tivesse conhecimento completo do teor e conteúdo das cláusulas, da sua importância, extensão e complexidade. Incumprimento doloso do Banco réu, que tinha interesse, para se financiar, em empurrar os clientes a converter as aplicações de capital garantido, com pagamento de juros, de que eram titulares, em ações do próprio Banco, cujo valor depende exclusivamente do jogo do mercado bolsista, de que o autor era e é, completamente desconhecedor. As cláusulas constantes do contrato não são cláusulas de leitura simples, tratam-se de textos técnicos, com alusões a conceitos jurídicos complexos e têm, inclusivamente, referências a disposições legais, o que, tudo junto, emprestam-lhe uma densidade técnica bastante complexa para quem não seja versado em direito contratual.

O Banco réu contestou, impugnando a versão dos factos alegados pelo autor, tanto mais que o autor bem conhecia o conteúdo do contrato celebrado em 28.05.2015, tendo para tal sido devidamente informado e elucidado por parte do Banco réu em relação, designadamente, aos riscos que corria com a subscrição daquele contrato e troca das obrigações subordinadas que possuía pelas ações do Banco réu, inexistindo assim qualquer incumprimento contratual ou cumprimento contratual ilícito por parte do Banco réu.

A título de exceção, invocou que o autor atua com abuso de direito, na vertente de venire contra factum proprium, na medida em que invoca uma falta de perfil que afinal tem. Mais invocou a exceção da caducidade do pretenso direito do A., na medida em que, quando a ação foi intentada, já se tinha verificado o prazo de caducidade consagrado no art. 243º do CVM, aplicável ex vi do disposto no art. 251º, do mesmo Corpo de Leis.

O autor respondeu às exceções, tendo concluído pela sua improcedência.

Foi dispensada a realização da audiência prévia, e proferido despacho de saneamento do processo, fixando-se, de seguida, o objeto do litígio e selecionando-se os temas de prova.

Procedeu-se à realização da audiência final.

Na sequência, por sentença de 19 de Março de 2020, veio a julgar-se parcialmente procedente a presente ação e, em consequência, decidiu-se “condenar o R. no pagamento ao A. de todas as quantias de capital e juros perdidos com a troca das obrigações de caixa subordinada de que era titular (4.000), pelas acções ordinárias do Banco ..., a liquidar em execução de sentença (cf. arts. 569.º CC e 556.º/1-b) e 609.º/2 CPC), acrescidas tais quantias dos juros legais, até efectivo e integral pagamento; e bem assim na quantia de € 1.000,00 a título de danos de natureza não patrimonial suportados pelo autor.

Inconformado com o assim decidido, veio o réu Banco ..., S.A.

interpor recurso de apelação, nele formulando as seguintes CONCLUSÕES 1º. O presente recurso tem por objeto convencer que a sentença recorrida deve ser revogada, seja para efeito de, em sua substituição, se sancionar a procedência da exceção de caducidade deduzida pelo Recorrente, com a sua consequente absolvição do pedido, seja para se obter a modificação do julgamento da matéria de facto, erradamente levado a cabo pela Instância.

  1. Da leitura que se faça do elenco dos factos provados constante da sentença recorrida, mostra-se que esta deu como provados os factos da causa tal como o Autor os alegou na petição e mostra-se, do elenco dos factos dados como não provados, que o Tribunal, justamente porque deu como provada a versão do autor, considerou, sem mais, como não provados os factos em que se consubstanciava a versão factual do Recorrido.

  2. A audição da prova gravada nos autos permite concluir que a convicção do Tribunal a quo procede do depoimento de testemunhas que confessadamente a nada assistiram dos factos da ação e das declarações de parte do autor, as quais, por procederem dele, não podem alicerçar convicção alguma, seja porque se mostram desacompanhadas de prova complementar que as consolide, seja porque se lhes opõe a prova testemunhal oferecida pelo Banco que, vinda das pessoas que viveram os factos, destroem completamente a nenhuma prova produzida pelo autor.

  3. A convicção do Tribunal recorrido apoiou-se, assim, na ponderação do que tomou por mérito de uma prova testemunhal que o não tinha e, mutatis mutandis. do que tomou por demérito da prova testemunhal produzida pelo Banco e esse foi o seu erro, violando a objetividade de avaliação contida no princípio da livre convicção do julgador.

  4. A audição da prova gravada em que se funda especificadamente o presente recurso é a que se identifica: M. J.

    (min. 14:30 a 15:19 e 17:57 a 18:19), C. L.

    (min. 06:24 a 07:00, 16:05 a 16:50, 16:52 a 17:03, 17:13 a 17:57 e 18:05 a 18:49), Dra. M. N.

    (03:06 a 09:15), R. B.

    (min. 06:49 a 09:30), Dra. S. C.

    (min. 06:23 a 07:01, 13:22 a 14:12 e 14:21 a 15:51) e A. L.

    (min. 00:58 a 02:41, 03:49 a 11:33, 17:09 a 23:25, 26:53 a 27:10, 32:15 a 33:44 e 42:51 a 43:47).

  5. Reapreciada a prova, não pode senão concluir-se que o Tribunal recorrido errou gravemente no julgamento que fez da matéria de facto e que, avaliando corretamente a prova testemunhal produzida nos autos, acompanhada da documental a eles junta, na procedência do recurso, deve ser havida como não provada a matéria dada por provada nos Pontos 1.14 (1º trecho) 1.15. 1.16. 1.17, 1.24, 1.25, 1.26, 1.27, 1.28, 1.29, 1.31, 1.32 (o advérbio “apenas”), 1.34, 1.35, 1.36, 1.37, 1.38, 1.39, 1.40, 1,42, 1.43 e 1.44 (o segmento “foi levado a investir”) da sentença e havida como provada a dos Pontos 2.1, 2.2, 2.3, 2.4, 2.5, 2.6, 2.7, 2.8, 2.9, 2.10, 2.11, 2.12, 2.13, 2.14, 2.15, 2.16, 2.17, 2.18, 2.19 e 2.20 dos não provados constantes da mesma sentença.

  6. No casso limite de este Tribunal, avaliada a prova, se ficar por um non liquet no que respeita aos factos que estão no centro da divergência entre as partes, sempre a solução de direito será a da absolvição do Recorrente por, sendo o caso de responsabilidade civil do emitente de valores mobiliários e não de responsabilidade civil do intermediário financeiro, a ilicitude sempre terá, por ausência de presunção, a prova a cargo do lesado e, do non liquet em que se ficasse, resultaria forçosa a absolvição do Banco.

    Por outro lado, 8º. Tendo o Banco ..., autorizado pela CMVM, lançado no mercado uma operação de reforço de capitais próprios mediante a Oferta Pública de Troca de Obrigações Subordinadas Banco ..., 1ª Série, por acções a emitir, representativas do seu próprio capital social e sendo o Autor titular, por subscrição, de 4.000 Obrigações sobre as quais recaía aquela Oferta Pública de Troca, o contacto pessoal que, pelos serviços do Banco e só por eles, promoveu junto do autor para efeito de saber se estava ou não interessado na troca, não pode ser qualificado como envolvendo intermediação financeira para efeito de, em caso de informação deficiente, se aplicar o regime de responsabilidade civil fixado no artº 304º-A do Código de Valores Mobiliários; 9º. Sendo verdade, como, sem erro, refere a sentença recorrida, que existem dois regimes específicos de responsabilidade civil por violação do dever de informação – o do intermediário financeiro pelo conteúdo da informação prestada ao seu cliente no âmbito da prestação de serviços de intermediação e o do emitente dos títulos objeto da oferta – ao caso dos autos, a ter havido violação de dever de informação, seria aplicável este ultimo por não ter havido prestação de serviços de intermediação financeira.

  7. E, aplicando-se as regras da responsabilidade civil do emitente e não as da intermediação financeira, quando a ação deu entrada em Juízo já o direito estava caducado por força do disposto na alínea b) do artigo 243.º do CVM, aplicável ex vi no artº 251.º deste mesmo Corpo de Leis.

  8. O erro da sentença recorrida é tanto maios lastimável quanto é certo que, em vez de qualificar os factos segundo o pensamento de quem julga, deu sem mais por boa a qualificação do autor vertida nos seus articulados, repetindo, ao menos por três vezes, que a questão estava posta pelo autor como de intermediação financeira, como se devesse ser neste quadro dogmático que tinha de ser trabalhada.

  9. E não tinha, porque a qualificação jurídica dos factos é trabalho do julgador, constituindo decerto a...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT