Acórdão nº 1223/19.4T8BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 17 de Dezembro de 2020

Magistrado ResponsávelAFONSO CABRAL DE ANDRADE
Data da Resolução17 de Dezembro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I- Relatório I. P.

, residente na Rua …, freguesia de …, Vila Nova de Famalicão, NIF ………, intentou a presente acção declarativa comum contra X - Companhia de Seguros, S.A., com sede no Largo …, Lisboa, tendo pedido que a ré fosse condenada: a) a reconhecer que a sociedade comercial por quotas denominada “Y – Mediação de Seguros, Lda.” exerceu, por conta da ré, a actividade de mediação de seguros e que, nessa sua actividade, celebrou diversos tipos de contratos de seguro com o autor, designadamente o contrato de seguro a que se alude nos arts. 15, 16 e 17 da Petição Inicial, tendo ficado vinculada aos direitos e obrigações decorrentes desses contratos de seguro.

  1. a pagar-lhe a quantia de €24.200,00, acrescida dos respectivos juros de mora vencidos e vincendos, contados desde 21/10/2017, à taxa de 1,5% ao ano, tendo liquidado os vencidos no valor de € 850,00.

    Para tanto, e em síntese, alegou que, através de um mediador de seguros da ré, veio a subscrever um contrato de seguro da ré denominado “... PPR”, na sequência do que entregou ao dito mediador o respectivo prémio de seguro, no valor de € 24.200,00, que por sua vez lhe entregou o respectivo título do produto, tendo o autor actuado na celebração daquele contrato, como nos demais contratos de seguro que celebrou com a ré, na confiança de que o dito mediador era um legítimo representante da ré, tal como sempre se apresentou perante si e todos os demais, não tendo representado que o mesmo pudesse carecer de poderes para vincular a ré.

    Que, tendo solicitado à ré o resgate daquela aplicação financeira, a mesma recusou-se a satisfazer a sua pretensão, alegando para tanto que não recebeu a proposta e não emitiu o título do produto entregue pelo mediador.

    Tendo sido citada, a ré seguradora veio repudiar a sua responsabilidade, tendo para tanto alegado que nunca recebeu a proposta subscrita pelo autor, nem a quantia de 24.200,00€, e nem emitiu qualquer documento comprovativo da operação de subscrição, sendo que a empresa mediadora que a recebeu apropriou-se do dinheiro que lhe foi entregue pelo autor, pelo que, não tendo tal empresa, nos termos do contrato de mediação celebrado entre as partes, poderes de representação da ré, não pode ter-se como celebrado em nome da ré o contrato de seguro fundamento da demanda, não estando assim a ré vinculada às suas obrigações, não podendo ainda ser responsabilizada pelos actos do seu mediador dado que este exercia com autonomia a sua actividade, sem estar sujeito a qualquer fiscalização ou supervisão da sua parte.

    Prosseguiram os autos com a realização da audiência prévia, no decurso da qual se proferiu o despacho saneador e se fixou o valor da causa, tendo-se ainda proferido o despacho a que alude o art. 596º,1 CPC.

    Realizou-se a audiência de discussão e julgamento. A final foi proferida sentença que julgou totalmente procedente a acção e, em consequência, condenou a ré: a) a reconhecer que a sociedade comercial por quotas denominada “Y – Mediação de Seguros, Lda.”, exerceu, por conta dela Ré, a actividade de mediação de seguros e que, nessa sua actividade, celebrou diversos tipos de contratos de seguro com o autor, designadamente o contrato de seguro a que se alude em K) a M) da factualidade assente, tendo ficado vinculada aos direitos e obrigações decorrentes desses contratos de seguro.

  2. a pagar ao autor a quantia de € 24.200,00, acrescida dos respectivos juros de mora vencidos e vincendos, até efectivo e integral pagamento, contados desde 21/10/2017, à taxa de 1,5% ao ano, liquidando-se os vencidos, à data da entrada da acção, no valor de € 850,00.

    Inconformada com esta decisão, a ré dela interpôs recurso, que foi recebido como de apelação, com subida nos próprios autos (art. 644º,1,a, e 645º,1,a CPC), com efeito suspensivo, atribuído atento o teor do requerimento com a RE 9887564, que não mereceu oposição da parte do autor (cfr. art. 647º,4 CPC), e sob condição de o recorrente, em 10 dias, prestar caução em valor equivalente ao da condenação, a prestar sob a forma de seguro de caução, nos termos requeridos.

    Finda a respectiva motivação com as seguintes conclusões: RECURSO EM MATÉRIA DE FACTO: Da contradição dos factos 1) Existe uma contradição insanável nos factos dados como provados; 2) Enquanto nas alíneas C), D, T) e U) se dá como provado que a Y – Mediação de Seguros, Lda. agia em nome da ré X, como sua representante jurídico negocial, na alínea Y dá-se como provado que “A sociedade Y - Mediação de Seguros, Lda., exercia uma actividade própria, levada a cabo de modo independente e autónomo da ré”; 3) Das duas uma: ou exercia autonomamente a sua actividade ou exercia uma actividade em nome da ré X; 4) Se o mediador de seguros era representante da ré não seria um profissional nem autónomo nem independente; 5) Não haveria uma actuação própria do mediador de seguros mas tão somente da seguradora.

    A ausência de prova que fundamente a actuação da Y - Mediação de Seguros, Lda. em nome da ré X 6) Em nenhum documento junto aos autos ou em algum dos depoimentos testemunhais, tanto das testemunhas do autor como das testemunhas ré, se alude, uma única vez, a que a Y - Mediação de Seguros, Lda. actuou em nome da ré X na celebração do “contrato” “... PPR” ou em qualquer outro contrato; 7) Nem existe em nenhum documento junto aos autos ou em algum dos depoimentos testemunhais, tanto das testemunhas do autor como das testemunhas ré evidência mínima que seja que a Y - Mediação de Seguros, Lda, alguma vez se haja apresentando aos seus clientes como “representante da ré”; 8) Nem tão-pouco que “sempre agiu como se fosse representante da ré”; 9) Tudo o que existe são vagas e genéricas alusões à qualidade de “representante da companhia” no contexto da actividade de mediação de seguros, mas nunca, nunca, quanto ao contrato que o autor reclama haver celebrado com a ré ou a qualquer outro contrato.

    10) Deste modo: -Na alínea C) da matéria de facto deve eliminar-se a parte onde se afirma “E apresentava-se como representante da Companhia ré”; -Na alínea D) da matéria de facto na parte onde se afirma “Nesses locais, em nome da ré, recebia clientes”, deve eliminar-se “em nome da ré” -Na alínea T) da matéria de facto deve eliminar-se a frase “Tal mediadora sempre agiu como se fosse representante da ré”; -Na alínea U) da matéria de facto deve eliminar-se a frase “Exercendo a sua actividade em nome e por conta da ré”.

    RECURSO EM MATÉRIA DE DIREITO O sistema português de mediação de seguros 11) O mediador de seguros é um profissional juridicamente autónomo, não sujeito a supervisão ou fiscalização da seguradora; 12) O mediador de seguros, não a seguradora, responde pelos danos causados a terceiro no exercício da sua profissão, estando obrigado legalmente a contratar seguros de responsabilidade civil profissional; 13) Na ausência de procuração outorgada pela seguradora, o mediador de seguros não tem poderes de representação jurídico-negocial desta, sendo juridicamente ineficaz quanto a ela o contrato celebrado em seu nome pelo mediador sem poderes de representação, nos termos do art. 266.º do Código Civil e do art. 30.º, n.º 1 do DL n.º 72/2008; 14) A Y Mediação de Seguros, Lda., não tendo poderes de representação da ré X, não podia vincular esta seguradora ao contrato indicado nos autos, que não lhe foi proposto, que não aceitou, do qual não recebeu qualquer montante e o qual nunca ratificou; A pretensa representação aparente no caso dos autos 15) Há representação aparente quando alguém se arroga a qualidade de representante de outrem e o “representado”, desconhecendo embora a situação, haja contribuído para fundar a confiança do terceiro contraente na existência de poderes de representação; 16) A prática pelo mediador de actos típicos ou comuns de mediação de seguros, só por si, não pode fundar confiança alguma do tomador de seguro na existência de poderes de representação do mediador de seguros; 17) De outra forma, qualquer tomador de seguro que se relacione com um mediador de seguros, nomeadamente, na contratação de um seguro ou de outro produto, pode sempre invocar a representação aparente do seu mediador para obter a vinculação da seguradora, haja ou não esta “contribuído para fundar a confiança do tomador do seguro” na existência de poderes de representação, como a lei exige (art. 30.º, n.º 3 in fine do RJCS); 18) Uma tal consequência está em manifesta contradição com o sistema da lei portuguesa, que não vê o mediador de seguros como um representante da seguradora, carecendo sempre de uma procuração escrita desta para que tal aconteça (art. 29.º, alínea a) do DL n.º 144/2006) 19) Entregar à seguradora propostas de contratos subscritas pelos seus clientes, entregar ao tomador de seguro documentação contratual (apólice, carta verde ou outros documentos), receber prémios ou pagar estornos é o que faz um qualquer mediador de seguros, não havendo nada nessa actividade para fundar no tomador de seguro a confiança na existência de poderes de representação do mediador; 20) De outro modo, todos os mediadores de seguros ganhariam “legitimidade representativa” da seguradora com o mero exercício da actividade de mediação de seguros; 21) Na cobrança de prémios de seguro, como no pagamento de estornos do prémio trata-se de uma prestação de serviços facultada ao mediador de seguros, e para conveniência dos clientes, como se decidiu no Ac. STJ de 31.03.2016, Proc. n.º 432/08.6 TASCR.L1.S1 (em www.dgsi.pt); 22) Por outro lado, a seguradora que disponibiliza ao mediador de seguros, por via informática ou física, documentos contratuais (formulários de propostas de seguro, condições gerais, condições especiais ou outros), para que este angarie clientes no exercício da sua profissão, e que permite a ele receber prémios de seguro ou pagar estornos não cria no tomador de seguro qualquer aparência da existência de poderes de representação no mediador de seguros; 23) Se não for assim, insiste-se, no modo como...

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