Acórdão nº 2959/18.2T8BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 17 de Dezembro de 2020

Magistrado ResponsávelFERNANDA PROENÇA FERNANDES
Data da Resolução17 de Dezembro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I. Relatório.

N. F., contribuinte n.º ………, e mulher M. G., contribuinte n.º ………, residentes na Rua …, freguesia de …, concelho de Vila Verde, intentaram a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, no Juízo Central Cível de Braga, Juiz 2, Comarca de Braga, contra M. N., contribuinte n.º ………, e mulher M. J., contribuinte n.º ………, residentes na Rua …, freguesia de …, concelho de Braga, pedindo a condenação dos réus a pagar-lhes a quantia de €70.000,00 (setenta mil euros), acrescida dos juros de mora, à taxa legal, que se vencerem desde a citação.

Para tanto, alegaram, em síntese, que, no dia 12 de Março de 2018, autores e réus celebraram, por escrito, um contrato promessa de cessão de quota e de compra e venda, nos termos do qual os autores prometeram ceder aos réus a quota de que o autor marido era titular na sociedade X, Lda., bem como a sua metade indivisa do prédio urbano sito na Rua …, inscrito na matriz sob os artigos ...º, ...º e ...º e descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial com o n.º …, pelo preço global de €20.000,00, sendo €2.500,00 respeitante à quota social e €17.500,00 referente ao prédio urbano.

Mais invocaram que, conforme estabelecido no contrato, o preço seria pago no prazo de 60 dias, a contar da realização do contrato, sendo que os contratos definitivos seriam realizados logo que os autores sejam desonerados das obrigações assumidas nos contratos de empréstimo e de abertura de crédito em conta corrente perante a Caixa ..., emitindo esta instituição a correspondente declaração por escrito e dando sem efeito a livrança avalizada pelos autores para titulação e garantia das responsabilidades emergentes do referido contrato de abertura de crédito, na posse da Caixa ..., competindo ao réu marido essa desoneração, obrigando-se a diligenciar, de imediato, pela mesma.

Acontece que, decorridos mais de 60 dias sobre a data da realização do contrato promessa, os réus não liquidaram a quantia de €20.000,00, nem o réu marido tratou da desoneração dos autores das referidas obrigações assumidas perante a Caixa ..., e só agora, no final do prazo estabelecido, é que começou a diligenciar perante esta entidade bancária por essa desoneração, incumprindo, desta forma, o contrato firmado.

Sustentaram ainda que, entre as partes ficou estabelecida uma cláusula penal, para o caso de incumprimento das disposições previstas no contrato promessa sub judice, no montante de €50.000,00, valor que a parte faltosa se obrigou a pagar à parte não faltosa, como resulta da cláusula décima oitava do referido contrato.

Têm, assim, os autores direito a haver dos réus a importância de €70.000,00, sendo €20.000,00 relativo ao preço não pago e €50.000,00 a título de cláusula penal pelo incumprimento do contrato, acrescida dos juros legais que se vencerem a partir da citação.

*Válidos e regularmente citados, os réus apresentaram contestação, onde, em suma, confirmaram a celebração do contrato promessa junto com a petição inicial, embora defendendo que o mesmo só foi assinado no dia 16/03/2018, daí que, apenas a partir dessa data, as declarações negociais e obrigações nele contidas ganharam plena eficácia e validade.

No mais, impugnaram o incumprimento que lhes é imputado, alegando que cumpriram escrupulosamente o contrato e quiseram pagar aos autores, dentro do prazo estabelecido, o preço acordado, enviando-lhes, para o efeito, no dia 15/05/2018, uma notificação escrita, na qual comunicaram que as condições contratualmente previstas já se mostravam verificadas, designadamente que as garantias pessoais prestadas em nome da sociedade X, Lda. já tinham sido revogadas pela Caixa ..., e notificaram o autor marido para proceder, de imediato, à marcação de dia, hora e local para celebração dos contratos definitivos, designadamente a escritura pública de compra e venda da metade indivisa do prédio e da cessão da quota, objecto do contrato promessa. Pelo que é falso que os réus não tenham diligenciado pela exoneração da responsabilidade dos autores junto da Caixa ... e não tenham querido proceder ao pagamento do preço estipulado.

Não obstante a interpelação efectuada pelos réus, os autores não procederam à marcação da escritura, impedindo dessa forma a celebração dos contratos definitivos e o recebimento do preço acordado, agindo, por isso, com má-fé, bem sabendo que procede de culpa sua a não realização da escritura pública e a consequente recusa de não recebimento do preço acordado, sendo esta acção mera habilidade para tentar receber a cláusula penal fixada.

Acresce que o descrito comportamento dos autores está eivado de manifesto abuso de direito, representando um venire contra factum proprium a justificar a intervenção do artigo 334.º do Cód. Civil, ou seja, a paralisação do exercício de qualquer eventual direito, por excesso manifesto dos limites impostos pela boa-fé.

Concluem referindo que o incumprimento do contrato promessa a que se alude na petição inicial só teve origem no comportamento dos autores, razão pela qual têm direito ao recebimento do valor de €50.000,00, fixado a título de cláusula penal, pelo incumprimento do contrato causado pelos autores.

Deduziram, portanto, os réus pedido reconvencional, peticionando a condenação dos autores a pagar-lhes a quantia de €50.000,00 (cinquenta mil euros), acrescida de juros de mora desde a citação até efectivo e integral pagamento.

*À reconvenção deduzida pelos réus, os autores responderam por meio do articulado réplica, impugnando o alegado em contestação/reconvenção, reafirmando a versão veiculada na petição inicial, ou seja, que os réus não cumpriram com a única prestação que tinha prazo certo, consistente no pagamento da importância de €20.000,00, assim como descuraram as diligências a realizar, junto da Caixa …, com vista à desoneração dos autores das obrigações bancárias em causa.

Terminaram, concluindo pela improcedência da reconvenção, e peticionando condenação dos réus como litigantes de má-fé em multa e indemnização a favor dos autores, em montante nunca inferior a €5.000,00, pois deduziram pretensão, cuja falta de fundamento não podem ignorar, alegando factos que sabem não serem verdadeiros.

*Os réus responderam ao pedido de condenação como litigantes de má-fé, defendendo a sua improcedência, uma vez que actuaram dentro das normas legais, traduzindo a verdade os factos, por si, alegados na contestação.

*Prosseguindo os autos seus trâmites, foi convocada e realizada audiência prévia, onde foi proferido despacho saneador, constante de fls.52-54, no qual se admitiu liminarmente a reconvenção deduzida pelos réus, se fixou o valor da causa em €70.000,00 (setenta mil euros), se afirmou a validade e regularidade da instância, se procedeu à identificação do objecto do litígio e à enunciação dos temas da prova, e, por fim, se diligenciou pela programação da audiência final.

*Realizado o julgamento, foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo: “V. DECISÃO Pelos fundamentos expostos, decide-se:

  1. Julgar procedente a presente ação e, em consequência, condenar os réus M. N. e esposa M. J. a pagar aos autores N. F. e esposa M. G. a quantia de €70.000,00 (setenta mil euros), acrescida de juros de mora, à taxa supletiva legal de 4%, desde a citação até efetivo e integral pagamento.

  2. Julgar improcedente a reconvenção deduzida e, em consequência, absolver os reconvindos N. F. e esposa M. G. do pedido formulados pelos reconvintes M. N. e esposa M. J..

  3. Julgar improcedente o pedido de condenação, como litigantes de má-fé, dos réus M. N. e esposa M. J..

    *Custas a cargo dos réus – cfr. artigo 527.º, n.ºs1 e 2, do Cód. Proc. Civil.

    *Registe e notifique.”.

    *Inconformados com esta decisão, os réus dela interpuseram recurso e formularam, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões (que se transcrevem): “VI - Conclusões 1. Fazendo uma súmula dos factos provados supra expostos: - Os Recorrentes e os Recorridos assinaram um contrato promessa em que os Recorridos prometeram ceder aos Recorrentes a sua quota da sociedade e vender aos recorrentes a ½ indivisa de um prédio urbano pelo preço global de € 20.000 (€ 2.500,00 pela quota e € 17.500,00 pelo prédio).

    - Para além do pagamento do preço, os Recorrentes obrigaram-se a desonerar os recorridos de dois créditos que estes haviam contratado.

    - - Ficou estipulada uma cláusula penal, em caso de incumprimento, pela qual a parte faltosa se obrigava a pagar à parte não faltosa a quantia de € 50.000,00.

    - Os recorrentes não pagaram o preço, e embora já tivessem iniciado o procedimento relativo à desoneração de um dos créditos, não o conseguiram finalizar dentro dos 60 dias estipulados no contrato promessa.

    - Os recorridos nunca procederam à marcação do dia, hora e local para a formalização da escritura pública, ónus que tinha ficado a seu cargo.

    O Tribunal a quo, com base nestes (insuficientes) factos provados condenou os ora Recorrentes no pagamento do preço estipulado no contrato promessa e ainda no pagamento do valor da cláusula penal, decisão com a qual os Recorrentes não se podem conformar, como infra se demonstrará.

    1. Ora, não foi dado como provado, nem o podia ter sido porque não foi alegado e nem aconteceu, que houve a cedência da quota referida no contrato e a transferência da ½ indivisa do prédio também referido no contrato.

    2. Não se compreende como é que o tribunal a quo, na sentença ora em crise pode condenar os ora recorrentes no pagamento do preço de uma coisa que nunca receberam.

    3. O Tribunal a quo nada diz quanto à execução do contrato, não obrigando os Recorridos a cumpri-lo, condenando apenas os Recorrentes a pagar a quantia de € 70.000,00 (presume-se que € 20.000,00 pelo pagamento do preço e € 50.000,00 pelo pagamento da cláusula penal, pois foi esse o pedido dos Recorridos), sendo totalmente omisso quanto à efectiva execução do contrato por parte dos Recorridos, quer nos factos provados, quer na...

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