Acórdão nº 303/19.2T8VNF.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 17 de Dezembro de 2020

Magistrado ResponsávelSANDRA MELO
Data da Resolução17 de Dezembro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Autora e Recorrente: --- X Company, Limitada, NIPC ………, com sede na Rua …, da freguesia de …, do concelho de Vila Nova de Famalicão, Réus e Apelados --- Y, SA, NIPC ………, com sede na Rua …, da freguesia de …, do concelho de Fafe, --- S. & C., Limitada, NIPC ………, com sede na Rua …, da freguesia de …, do concelho da Trofa Autos de: ação declarativa de condenação com processo comum Acórdão Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I - Relatório A Autora efetuou os seguintes pedidos: “

  1. Caso a avaria da máquina fornecida pela primeira Ré, Y, em 2/1/19 seja devida à atuação descrita da segunda Ré, S. & C., Lda., esta seja condenada a pagar à Autora o valor de € 5.380,02 referente ao valor solicitado pela segunda Ré para a sua reparação; Subsidiariamente, b) Caso a avaria da máquina fornecida pela primeira Ré, Y, em 2.01.19, não seja devida à atuação da segunda Ré, S. & C., aquela seja condenada a arcar com o pagamento da reparação do valor de € 5.380,02; c) A primeira Ré, Y, condenada a reparar a máquina que forneceu ou caso tal reparação não se torne possível, na sequência da avaria de 12.04.2019, a substituir a máquina de sublimação por uma máquina igual à fornecida, tudo sem prejuízo dos danos que a Autora vem sofrendo com a paragem da máquina, cuja liquidação se relega para execução de sentença, por à presente data, não ser possível contabilizar, mas que se preveem de valor superior a € 10.000,00.” Alegou, para tanto, em síntese: No âmbito da sua atividade de atividade de comércio por grosso não especializado comprou à 1ª Ré, que se dedica à atividade de comércio, uma máquina de sublimação, pelo preço de € 12.900,00, que esta entregou, tendo efetuado a instalação provisória da parte elétrica. Não acordaram qualquer período de garantia, pelo que o mesmo era de seis meses. Após a 2ª Ré efetuar a parte elétrica do trabalho de instalação, a máquina ao funcionar deitou fumo e desligou o disjuntor do quadro elétrico, por ter sido na montagem trocada uma fase pelo neutro.

    Ambas as Rés contestaram, em síntese, imputando à própria Autora o erro na ligação da máquina à corrente elétrica, que lhe causou avaria.

    Após o saneamento e audiência final, veio a ser proferida sentença que julgou a ação improcedente e absolveu as Rés do pedido.

    É desta decisão que recorre a Autora, apresentando as seguintes conclusões: “1 - Resulta do teor da sentença que a autora não logrou demonstrar ter sido convencionada, expressa ou tacitamente, qualquer garantia do bom funcionamento da máquina vendida pela 1ª Ré.

    1.1 - Mas, basta atentar no alegado pela 1ª Ré na sua contestação (pt. 66), que “Naturalmente, não estão cobertas pela garantia da máquina avarias decorrentes de mau uso ou manutenção negligente”. (sublinhado nosso!) 1.2 - A 1ª Ré confessa ter concedido garantia de bom funcionamento e referindo expressamente as duas exclusões, mau uso ou manutenção negligente.

    1.3 - Assim sendo, a matéria dada por provada tem de ser aditada com um pt. 59, que refira que a garantia da máquina dada pela 1ª ré não cobria avarias decorrentes do mau uso ou manutenção negligente.

    2 - De acordo com o art.º 874.º e 879.º do C. Civil, o contrato de compra e venda é aquele pelo qual se transmite a propriedade de uma coisa, ou outro direito, mediante um preço, e tem como efeitos essenciais a transmissão da propriedade da coisa, a obrigação de entregar a coisa e a obrigação de pagar o preço.

    “A compra e venda é um contrato pelo qual se transmite uma coisa ou um direito contra o recebimento de uma quantia em dinheiro (preço). O resultado final do negócio consistirá na aquisição por parte do comprador do direito de propriedade sobre o bem vendido, à qual acrescerá como efeito subordinado a aquisição da posse, bem como a aquisição por parte do vendedor do direito de propriedade sobre determinadas espécies monetárias” – cfr., Luís Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. III, Contratos em Especial, Almedina, 4.ª edição. Pag. 19.

    2.1 - Impõe o art.º 882.º/1 do C. Civil que a coisa deve ser entregue no estado em que se encontrar ao tempo da venda, o que implica para o comprador a obrigação de a recepcionar ou levantar no lugar e no momento devidos.

    2.2 - O contrato de compra e venda é um contrato primordialmente não formal, pois não está, em regra, sujeito a forma especial, salvo nos casos expressamente previstos na lei (art.º 219.º do C. C).

    2.3 - Por sua vez, estatui o art. 913º do Código Civil: 1- Se a coisa vendida sofrer de vício que a desvalorize ou impeça a realização do fim a que é destinada, ou não tiver as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização daquele fim, observar-se-á, com as devidas adaptações, o prescrito na secção precedente, em tudo quanto não seja modificado pelas disposições dos artigos seguintes.

    1. Quando do contrato não resulte o fim a que a coisa vendida se destina, atender-se-á à função normal das coisas da mesma categoria.

      2.4 - A este propósito comentam Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, vol. II, pág. 205: “...O artigo 913º cria um regime especial cuja real natureza constitui um dos temas mais debatidos na doutrina germânica [...] para as quatro categorias de vícios que nele são destacadas: a)Vício que desvalorize a coisa; b) Vício que impeça a realização do fim a que ela é destinada; e) Falta das qualidades asseguradas pelo vendedor; f) Falta das qualidades necessárias para a realização do fim a que a coisa se destina.

      2.5 - Equiparando, no seu tratamento, os vícios às faltas de qualidade da coisa e integrando todas as coisas por uns e outras afectadas na categoria genérica das coisas defeituosas, a lei evitou as dúvidas que, na doutrina italiana por exemplo, se têm suscitado sobre o critério de distinção entre um e outro grupo de casos.

      2.6 - Como disposição interpretativa, manda o n.º2 atender, para a determinação do fim da coisa vendida, à função normal das coisas da mesma categoria [...]”.

      2.7 - A venda da coisa pode considerar-se venda defeituosa quando, numa perspetiva de “funcionalidade”, contém: “Vício que a desvaloriza ou impede a realização do fim a que se destina; falta das qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização do fim a que se destina.” 2.8 - Nesta medida, diz-se defeituosa a coisa imprópria para o uso concreto a que é destinada contratualmente – função negocial concreta programada pelas partes – ou para a função normal das coisas da mesma categoria ou tipo se do contrato não resultar o fim a que se destina (art. 913º, nº2)” – cfr. “Compra e Venda de Coisas Defeituosas - Conformidade e Segurança”, de Calvão da Silva, pág. 41.

      2.9 - A coisa será defeituosa se tiver um vício ou se for desconforme atendendo ao que foi acordado.

      2.10 - O vício corresponde a imperfeições relativamente à qualidade normal das coisas daquele tipo, enquanto a desconformidade representa a discordância com respeito ao fim acordado.

      2.11 - Assim, flui da conjugação do disposto nos arts. 913º, n.º1, a 915º do C. Civil, que o comprador de coisa defeituosa goza do direito de exigir do vendedor a reparação da coisa; de anulação do contrato, do direito de redução do preço e também do direito à indemnização do interesse contratual negativo.

      2.12 - Mas, de acordo o disposto no art.º 916.º do C. Civil a responsabilidade do vendedor pela venda de coisa defeituosa depende da prévia denúncia do vício ou falta de qualidade da coisa pelo comprador, exceto se aquele tiver actuado com dolo, denúncia a efectuar até 30 dias depois de conhecido o vício e dentro de seis meses após a entrega da coisa.

      2.13 - Como sublinha Pedro Romano Martinez, ob. cit. pág. 143, “a denúncia tem de ser feita nos seis meses posteriores à entrega da coisa. Assim, o comprador tem seis meses a contar da entrega da coisa para descobrir o defeito; depois de ter descoberto o efeito, o adquirente tem trinta dias para o comunicar ao vendedor. Se o defeito for detetado ao fim de sete meses após a entrega já nada poderá fazer.

      3 - Assim, e em primeiro lugar, os defeitos têm de se verificar durante o prazo de garantia de 6 meses após a sua entrega; em segundo lugar, têm de ser denunciados dentro do prazo de 30 dias após o seu conhecimento.

      3.1 - Estão, por isso, estabelecidos prazos de caducidade para a denúncia dos defeitos.

      3.2 - Como sublinha Pedro Romano Martins, ob. citada, a pág. 493, “não foram estabelecidos prazos de prescrição, mas de caducidade, pelo que não estão sujeitos à interrupção, nem à suspensão (art.º 328.º) e só poderão ser impedidos (art.º 331.º CC)”.

      3.4 - E bem se escreveu no Ac. S.T.J., de 1998/11/25, in B.M.J., 481º-430, “o impedimento da caducidade, não tem como efeito o início de novo prazo, mas o seu afastamento definitivo.

      Com efeito, decorre expressamente do art.º 328.º que o prazo de caducidade não se suspende nem se interrompe senão nos casos em que a lei o determine.

      4 - No caso concreto, está provado que a Autora e as Rés são sociedades comerciais que se dedicam aos objectos sociais identificados em factos provados 1, 2 e 3, pelo que à compra e venda da máquina dos autos é aplicável exclusivamente o regime previsto para a venda de bens defeituosos no Código Civil - artigos 916.º e 917.º - , que prevê prazos de caducidade do direito de acção mais curtos, designadamente que esse direito caduca seis meses após a entrega da coisa.

      5 - Assim, está provado que o contrato de compra e venda da máquina foi celebrado em inícios de Dezembro de 2018, entregue nas instalações da Autora no dia 12/12/2018, e que a máquina deixou de funcionar em 12/04/2019, pelo que a Autora em 08/05/2019 pediu assistência para reparação da máquina em causa, negando-se a 1ª Ré a enviar técnico e a reparar a máquina em causa.

      6 - Donde, pode concluir-se que a denúncia do vício ou falta de qualidade da máquina ocorreu e foi conhecido da vendedora, 1ª Ré, dentro do prazo de seis meses, subsequentes à sua entrega pela vendedora, 1ª Ré.

      7 - Conclusão que não é afastada pelo acto da existência do prazo...

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