Acórdão nº 2212/19.4T8VCT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 17 de Dezembro de 2020

Magistrado ResponsávelELISABETE ALVES
Data da Resolução17 de Dezembro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I.

Relatório P. C. instaurou a presente acção de impugnação de deliberações sociais contra «X – Autocarros e Viagens Irmãos C., Ld.ª», mais concretamente as deliberações referentes aos pontos 1, 2 e 4, tomadas em Assembleia Geral de 24 de Maio de 2019.

Alegou para tanto, e em síntese, que a Ré é uma sociedade por quotas que tem por escopo estatutário a “indústria de transportes automóveis de carga e passageiros, circuitos turísticos, agências de viagens e turismo, aluguer de automóveis e camionetas sem condutor”, com o capital social de quatrocentos e noventa e oito mil oitocentos e quinze euros; o Autor é sócio da Ré, sendo titular na mesma de uma quota do valor nominal de dez euros; a Ré convocou uma Assembleia Geral para o dia 24 de Maio de 2019; na referida assembleia esteve presente o Autor, na qual foi admitido a estar presente e a intervir na sua qualidade de sócio; sucede que todas as deliberações tomadas e das quais resultaram a aprovação dos pontos 1, 2 e 4 da Assembleia Geral, nas quais o A. votou contra, são anuláveis com fundamento na violação do dever de informação (cfr. artigo 58º, nº 1, al. c) do CSC) e, nos casos dos pontos 1 e 2 também pela violação dos preceitos legais relativos à irregular aprovação do relatório e contas (artigos 69º, nº e 2 e 70º nºs 1 e 2 do CSC).

Com base nas referidas alegações, peticionou o Autor que sejam anuladas as deliberações tomadas na Assembleia Geral da Ré de 24 de Maio de 2019, que aprovaram os pontos 1, 2 e 4.

*A Ré, X – Autocarros e Viagens Irmãos C., Ld.ª, contestou, arguindo para o efeito, e em síntese, que o Autor não foi pessoalmente consultar os documentos à sede da Ré porque não quis, nem aí solicitou quaisquer cópias de documento; ao Autor não foi negada a consulta dos documentos para a Assembleia Geral, os quais estiveram previamente e sempre disponíveis para consulta na sede da Ré (como o próprio Autor confirma); logo, no caso, não se verifica a anulabilidade suscitada pelo Autor porquanto as deliberações foram precedidas do fornecimento dos elementos mínimos de informação; aliás, foi fornecida a informação prévia à AG e durante a mesma foi respondido ao Autor às questões/esclarecimentos que aí suscitou e que se possam enquadrar como sendo direito à informação; de resto, o Autor votou contra todas as deliberações, logo, a informação que necessitava a título instrumental para exercer o direito de voto foi-lhe dada; relativamente à aprovação de contas e destino dos resultados, não foram violadas quaisquer normas relativas à elaboração do relatório de gestão, das contas do exercício e de demais documentos de prestação de contas, ou preceitos, cuja finalidade exclusiva ou principal, seja a protecção dos credores ou do interesse público; nem as contas são irregulares, nem assentam em quaisquer documentos falseadores dos resultados.

Mais veio a Ré pugnar pela condenação do Autor nos termos e para os efeitos da previsão dos art.ºs 542.º e segs. do Cód. Proc. Civil.

Em sede de saneamento dos autos, foi realizada audiência prévia, tendo sido fixado: i) Como objecto do litígio: (1) apreciar a validade e existência da deliberação social tomada na AG realizada no dia 24.05.2019 relativa à aprovação do relatório de gestão e contas do exercício, certificação legal de contas, balanço e demais documentos de prestação de contas, tudo relativo ao exercício de 2018; (2) apreciar a validade e existência da deliberação social tomada na AG realizada no dia 24.05.2019 relativa à aplicação de resultados; (3) apreciar a validade e existência da deliberação social tomada na AG realizada no dia 24.05.2019 relativa à autorização para venda do prédio rústico sito no lugar …, na União de Freguesias de ... e ..., inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo ….

Foi designada data para a realização da audiência final, a qual se realizou.

*Por sentença proferida nos autos, foi decidido julgar a acção totalmente improcedente, e absolver a ré do pedido formulado.

*Inconformado com a decisão, dela recorreu o autor, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões (que se transcrevem): «I. O presente recurso, de apelação, vem interposto da douta sentença, a fls…, que julgou a ação de anulação de deliberações sociais improcedente, por entender que não ficou demonstrado que tenham sido contrariadas as disposições legais citadas ou o direito à informação do Autor, enquanto sócio da Ré.

  1. Não pode a Autora concordar com a decisão proferida, resultando esta de errada valoração da prova produzida em audiência de julgamento, e documentos juntos aos autos, a qual se encontra em concordância com os articulados, enfermando ainda de erro de julgamento, pelos motivos que infra exporemos que representa, salvo o devido respeito, um revés no caminho que a jurisprudência e a doutrina vêm percorrendo nas últimas décadas no sentido de assegurar em plenitude aos sócios o direito à informação e na proteção dos interesses dos sócios minoritários.

  2. Com efeito, a Ré X convocou uma Assembleia Geral para o dia 24 de maio de 2019, sendo que, nos termos dessa convocatória a Ordem de Trabalhos dessa Assembleia era a seguinte: IV. O Autor votou contra a proposta de aprovação dos pontos 1, 2 e 4, acompanhado pelos sócios R. C. e N. C..

  3. Sucede que, Todas as deliberações tomadas e das quais resultaram a aprovação dos pontos 1, 2 e 4 da Assembleia Geral, nas quais o A. Votou contra, são anuláveis com fundamento na violação do dever de informação (cfr. artigo 58º, nº 1, al. c) do CSC).

  4. O Ré recusou-se a fornecer ao A. aos sócios R. C. e N. C., por si e em representação do sócio aqui A., cópia do qualquer dos documentos preparatórias da AG da Ré de 24 de maio de 2019, incluindo o relatório de gestão, o relatório sobre a estrutura e as práticas de governo societário, quando não faça parte integrante do documento referido na alínea anterior, a certificação legal das contas, nem o parecer do órgão de fiscalização.

  5. Documentos esses que também não foram disponibilizados no sítio da internet da Ré.

  6. Foram incorretamente julgados os Factos Não Provados a) Nas circunstâncias de tempo e lugar descritas em 3.5. dos factos provados, os sócios R. C. e N. C. agiram ainda em representação do Autor e b) A Ré recusou-se a fornecer ao Autor cópia de qualquer dos documentos preparatórios da AG de 24/05/2019, que deveriam ter sido dados como provados.

  7. Pois existem concretos meios probatórios, constantes da gravação áudio em audiências de julgamento, que impunham que tais factos fossem dados como provados, pois as referidas testemunhas N. C., nas suas declarações gravadas com início às 11.17.27 horas e términus pelas 11.25.17 horas, por referência ao assinalado na Ata de Audiência de julgamento do dia 23 de janeiro de 2020 e R. C., nas declarações gravadas com início às 11.26.10 horas e términus pelas 11.36.07 horas, por referência ao assinalado na Ata de Audiência de julgamento do dia 23 de janeiro de 2020, declararam que agiram também em representação do Autor, que lhe pediu isso verbalmente, por se encontra ausente a trabalhar no sul de Portugal.

  8. Não colhe o argumento da douta sentença recorrida que considerou a sua falta de poderes por ausência de procuração escrita, pois in casu é bastante uma procuração verbal – cfr. artigo 262º, nº 2 do código civil.

  9. E que tais factos deviam ter sido dados como provados resulta ainda do que declarou o Dr. J. A., então TOC da Ré, a quem foi incumbido por esta o modo de consulta e procedimentos de (não) obtenção de cópias dos documentos preparatórios da Assembleia Geral, encontrando-se as suas declarações gravadas áudio digitalmente na aplicação informática do Tribunal com início pelas 10.58 horas e términus pelas 11.08 horas, por referência ao assinalado na Ata de Audiência de julgamento do dia 04 de fevereiro de 2020, onde testemunhou que por orientações da gerência negou facultar aos sócios cópias dos documentos preparatório da Assembleia Geral de 24 de maio de 2019..

  10. Pelo que se impunha dar como provado que Nas circunstâncias de tempo e lugar descritas em 3.5. dos factos provados, os sócios R. C. e N. C. agiram ainda em representação do Autor.

  11. Saliente-se que a sentença recorrida deu como provado que: 3.5 No dia 21 de maio de 2019, os sócios R. C. e N. C. dirigiram-se à sede da Ré, aí tendo-lhes sido facultada a consulta dos documentos preparatórios da AG de 24/05/2018 (designadamente o relatório de gestão, a certificação legal das contas e o parecer do órgão de fiscalização), tendo-lhe sido comunicado que não lhes seria facultada cópia dos documentos.

  12. Ou seja, dando-se como provado que nesse dia também agiram em representação do A., forçoso é concluir, mutatis mutandis, coerentemente, que: A Ré recusou-se a fornecer ao Autor cópia de qualquer dos documentos preparatórios da AG de 24/05/2019, pelo que tal facto também devia ser dado como provado.

  13. Para a mera hipótese de não se entender supra, nem assim se encontram cumpridos os deveres de informação a que a Ré estava vinculada perante o A., que tornam anuláveis as deliberações conforme peticionado.

  14. Com efeito, vem dado como provado na sentença recorrida que: 3.6. Os referidos documentos (nota:- documentos referidos no ponto 3.5 dos factos provados - documentos preparatórios da AG de 24/05/2018, designadamente o relatório de gestão, a certificação legal das contas e o parecer do órgão de fiscalização), não se encontravam disponibilizados na página de internet da Ré.

  15. O artigo 70º, nº 2 do CSC cumula a obrigação da sociedade na disponibilização de tais documentos quer no seu site da internet, quer por entrega de cópia integral na sua sede.

  16. O incumprimento de um ou outro desse deveres, faz com que todas as deliberações tomadas e das quais resultaram a aprovação dos pontos 1, 2 e 4 da Assembleia Geral, nas quais o A. votou contra, são anuláveis com fundamento na violação do dever de informação (cfr. artigo 58º, nº 1...

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