Acórdão nº 3383/19.5T8VCT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 17 de Dezembro de 2020

Magistrado ResponsávelJOSÉ CRAVO
Data da Resolução17 de Dezembro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães *1 –RELATÓRIO A. B.

e R. B.

vieram propor a presente acção (1) declarativa de condenação contra Banco ...

, S.A.

peticionando que (i) o R. seja condenado a pagar aos AA. o capital e juros vencidos que, nesta data, perfazem a quantia de € 115.000,00, sendo € 57.500,00 para cada um dos AA., bem como os juros vincendos desde a citação até efectivo e integral pagamento, ou, caso assim não se entenda, (ii) se declare nulo qualquer eventual contrato de adesão que o R. invoque para ter aplicado a quantia de € 100.000,00 que os AA. entregaram ao R., em obrigações subordinadas ... 2006, sendo € 50.000,00 de cada um dos AA., (iii) se declare ineficaz em relação aos AA. a aplicação que o R. tenha feito desses montantes, (iv) se condene o R. a restituir aos AA. a quantia de € 115.000,00, sendo € 57.000,00 para cada um dos AA., que ainda não receberam dos montantes que entregaram ao R. e de juros vencidos à taxa contratada, acrescidos de juros legais vincendos, desde a data da citação até efectivo e integral cumprimento, e, ainda, num caso ou noutro, (v) seja o R. condenado a pagar aos AA. a quantia de € 5.000,00, sendo € 2.500,00 para cada um dos AA., a título de dano não patrimonial.

Alegam, para o efeito e em síntese, que eram clientes do Banco ... (Banco ...) e que em Abril de 2006 o gerente do Banco R. disse aos AA. que tinha uma aplicação em tudo igual a um depósito a prazo e com capital garantido pelo Banco ... e com rentabilidade assegurada. Os AA. anuíram e entregaram ao R., cada um deles, a quantia de € 50.000,00, num total de € 100.000,00, que este, sem que os AA. se tivessem apercebido, utilizou para adquirir Obrigações ... 2006, que os AA. desconheciam o que fosse. Alegam que se soubessem que o dinheiro seria investido no produto em que foi investido nunca o autorizariam, pois não era sua intenção investir em produtos de risco, mas apenas numa aplicação com as características de um depósito a prazo, pois o R., alegam, sempre assegurou que a aplicação em causa tinha a mesma garantia de um depósito a prazo. Quando, em Novembro de 2015, os juros deixaram de ser pagos, os AA. descobriram o tipo de produto em que o dinheiro foi investido e, em Maio de 2016, data da respectiva maturidade, não o puderam reaver de imediato. Ficaram alarmados, com ansiedade e preocupados com temor de perder os valores entregues ao R.

O R. foi regularmente citado e contestou a acção invocando a excepção de incompetência do tribunal em razão do território, a prescrição do direito invocado pelos AA., por impugnação motivada e alegando factos enquadráveis, para além dos alegados para fundamentar a excepção de prescrição, em excepção peremptória inominada de direito material.

A excepção de incompetência territorial foi julgada improcedente nos termos do despacho de fls. 42-42v (44882766).

A audiência prévia foi dispensada, foi proferido o despacho saneador, definido o objecto do processo e seleccionaram-se os Temas de Prova.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, com observância de todas as formalidades legais.

*No final, foi proferida sentença, tendo-se decidido nos seguintes termos: Em face do exposto, julgo a acção proposta por A. B. e R. B. contra Banco ..., S.A., parcialmente procedente, por parcialmente provada, e, consequentemente, condeno o Réu a pagar a cada um dos Autores a quantia de € 50.000,00 (num total global de € 100.000,00), acrescida de juros à taxa legal de 4% desde a citação, contados sobre cada uma das quantias de € 50.000,00, até integral e efectivo pagamento.

Custas por Autores e Réu na proporção do decaimento.

Registe e notifique.

*Inconformado com essa sentença, apresentou o R.

Banco ...

, S.A.

recurso de apelação contra a mesma, cujas alegações finalizou com a apresentação das seguintes conclusões: 1.

Por muito respeito que mereça o vertido na decisão a quo, com a mesma não se pode de modo algum concordar, sendo que a presente decisão veio surpreender sobremaneira o aqui Recorrente, pois que, considerando o Tribunal Recorrido a presente ação parcialmente procedente, não julgou corretamente.

2.

Com tal decisão, o Mm.º Juiz a quo violou e fez errada aplicação e interpretação do disposto nos arts. 7º, 290º nº 1 alínea a), 304º-A e 312º a 314º-D e 323º a 323º-D do CdVM; 4º, 12º, 17º e 19º do D.L. 69/2004 de 25/02 e da Directiva 2004/39/CE; 220º, 232º e 236º, 483º e ss., 595º e 615º do C.C; 615.º, n.º 1, al. e) do CPC.

3.

Apesar da natural e compreensível consternação que é possível observar das peças apresentadas a juízo pelos AA., importa lembrar que a pretensão pelos mesmos deduzida se encontra despida de qualquer fundamento provatório, bem como factual, além de ser manifestamente mal direcionada contra o Banco R.

4.

O Apelante entende, por um lado, que os factos dados como provados nas alíneas “b); c); f)” não deveriam constar do corpo da Sentença nos termos ali propostos, em face da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento. Nestes termos, é o Banco Apelante de pugnar pela alteração de tais números, de acordo com a redação adiante proposta. Por outro lado, o Apelante pugna, ainda, pela inserção das alíneas k) e p), no elenco dos factos dados como não provados.

5.

Não podemos deixar de começar as presentes alegações sem referir que não podemos admitir, em caso algum, que os depoimentos dos AA. foram coincidentes com os da testemunha R. C., colocador do produto aos mesmos. De facto, temos, por um lado, o A. A. B., que asseverou, com toda a certeza, em todo o seu depoimento que o R. C., gerente em quem depositava toda a sua confiança, lhe vendeu o produto como se tratando de um depósito com taxa de rendimento interessante. No mesmo sentido, o A. R. B. garantiu que o que lhe foi proposto foi aplicar numa conta a prazo, com melhor taxa.

6.

Por outro lado, temos o colaborador que colocou o produto, que à data da subscrição (2006) teria 26 anos de banca, e que refere que o produto foi colocado como sendo Obrigações da ...

, que era a dona do Banco, que as mesmas estariam garantidas, como depósitos a prazo e com taxas atrativas. Afirmou, ainda, que eram obrigações colocados pela dona do Banco ... e que era o Banco ... que os colocava, sendo como um depósito a prazo, ou melhor, mas com a mesma segurança.

7.

No entanto, certo é que o A. A. B., teve a displicência de afirmar que, mesmo com tanta segurança, ao ponto de assinar documentos sem ler, não subscreveria outro produto se o mesmo R. C. lhe dissesse que o mesmo era seguríssimo.

8.

Ou seja, o que serviu de capota para uma subscrição desatenta e de olhos fechados deixava de o ser se a mesma pessoa transmitisse a mesma confiança, mas dissesse que não seria o Banco ... a garantir o capital....

9.

Cremos que este dissidio acerca da informação prestada, em que ambos os lados, cliente e gestor, dizem coisas completamente dispares, é fatal! 10.

A convicção que se extrai da globalidade do depoimento da testemunha R. C.

, pese embora algumas tergiversações, muitas respostas a refugiar-se no “não me recordo” e logo a seguir, insistente e repetidamente, a dizer/repetir que se recordava bem de ter dito aos AA. que era uma aplicação com “capital garantido pelo banco” e “sem risco”.

11.

Expressões estas – “capital garantido” e “sem risco” – que foram a nota dominante de todo o depoimento do R. C., a ponto de afirmar, para reforçar o que dizia, que os DP (de que os AA. gostavam) não têm risco; deixando a clara convicção de se querer libertar do “peso” dos prejuízos que o seu aconselhamento financeiro está a causar aos AA., motivo pelo qual foi, repetida e insistentemente, lembrando ao Tribunal que efetuou aos AA. uma aplicação com “capital garantido” e “sem risco”.

12.

Sem que, porém, alguma das pessoas ouvidas em audiência haja sido questionada e haja esclarecido sobre o que é que se pretendia exatamente dizer com “capital garantido”, designada e principalmente se se pretendia dizer (e se dizia ou fazia crer aos clientes) que o Banco ... garantia o reembolso das obrigações ou tão só que, na maturidade, era o montante investido, sem qualquer variação, que seria devolvido.

13.

O que apenas corrobora a ideia de tal assunto – o exato significado da expressão “capital garantido” – não ter sido abordado com os AA.

14.

A confessada iliteracia financeira dos AA. e a confiança total que eles tinham no R. C. transferiam a decisão sobre os investimentos financeiros dos AA. para o próprio: era este que avaliava se os produtos financeiros eram adequados ao perfil dos AA. e nesta avaliação achou que as características das obrigações subordinadas em causa respondiam/respeitavam os desejos e a vontade dos AA., aconselhou-lhos e eles seguiram o seu conselho.

15.

Mas – é a questão – o R. C. só as considerava um “produto bom” para os AA. por achar que tinham a garantia de reembolso do próprio Banco ...? Questão esta – cuja resposta tem que ser situada/reportada ao momento dos factos (2006) e no contexto/encadeamento dos mesmos – que o mais provável e verosímil era não se colocar sequer ao R. C., ou seja, à época, em 2006, englobar (ou não) na expressão “capital garantido” a garantia de reembolso do próprio Banco ... era algo que, com todo o respeito, não fazia/fez parte das cogitações do R. C. (fosse em que veste fosse).

16.

Os AA. e o Sr. R. C. tinham confiança no Banco ... (onde os primeiros tinham as suas poupanças e o segundo trabalhava) e sendo a ...

, emitente das obrigações, a dona do Banco ..., não se vê razão para a garantia de reembolso do próprio Banco ... ser algo que fosse relevante e que estivesse equacionado/pensado/refletido.

17.

E não sendo isto sequer equacionado/pensado também não se pode dizer que, caso os AA. tivessem sido informados que as obrigações não tinham a garantia do Banco, não teriam investido nas obrigações subordinadas em causa.

18.

Sejamos claros, tudo isto acabam por ser hipóteses que na altura não se colocavam/colocaram – e muito menos aos AA., que tinham...

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