Acórdão nº 2431/17.8T8BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 17 de Dezembro de 2020

Magistrado ResponsávelRAQUEL BAPTISTA TAVARES
Data da Resolução17 de Dezembro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I. Relatório Caixa ..., S.A, com sede na Av. …, em Lisboa, pessoal colectiva n.º ………, intentou a presente acção declarativa com processo comum contra F. R.

, residente na Rua de …, ...

, M. A.

, residente na Rua …, ...

, C. R., residente na Rua de …, ...

, R. I.

, residente na Rua …, ...

, X – Investimentos Imobiliários, S.A., com sede na Rua …, em ....

Pede a Autora que: a) se julgue ineficaz, relativamente à Autora, a doação e a permuta objectos de impugnação, permitindo-se à Caixa ... executar o património objecto daquelas na esfera jurídico-patrimonial dos transmissários, livre de ónus, ainda que para garantia do pagamento dos créditos da autora sobre os transmitentes; b) se julgue ineficaz, e de nenhum efeito, o direito de uso e habitação constituído a favor dos Réus F. R. e M. A., ordenando-se o cancelamento dos registos nos imóveis objecto da acção; Subsidiariamente: c) sejam declaradas nulas a doação e a permuta, por simulação absoluta, ordenando-se o cancelamento dos registos de aquisição e dos direitos de uso e habitação, nos termos do art. 240.º do Cód. Civil.

Para tal alega, em síntese, ser credora da sociedade “A. R. & Filhos, Lda.”, por força do incumprimento dos contratos de abertura de crédito em conta–corrente identificados nos arts. 3.º a 8.º da pi, contratados em 15/05/2007 e em 07/08/2009, para garantia dos quais aquela sociedade subscreveu duas livranças em branco avalizadas pelos respectivos sócios – M. N., M. C., F. R., A. R. e F. A., e ainda que quanto ao primeiro aquela ainda cedeu à Caixa ... o seu crédito sobre a Caixa …, S.A., relativo ao pagamento das facturas dos seus devedores.

Mais alega que iniciou a 27/10/2016 uma acção executiva para pagamento de quantia certa, com vista à restituição dos créditos não liquidados e titulados pelas aludidas livranças, contra os obrigados/avalistas (com excepção da sociedade mutuária porque já declarada insolvente no processo n.º 5210/15.3T8VNF), que corre termos sob o n.º 6748/16.0T8VNF do Juiz 1 do Juízo de execução de Vila Nova de Famalicão e que não logrou apurar bens susceptíveis de penhora, sendo que o executado M. C. faleceu e os demais executados foram sucessivamente declarados insolventes, o que determinou a suspensão dos autos, tendo a Autora reclamado os seus créditos nos processos de insolvência dos avalistas e no processo de insolvência da sociedade mutuária.

Que no processo n.º 5210/15.3T8VNF foram reconhecidos créditos no valor de mais de três milhões de euros, sendo seiscentos mil euros de créditos garantidos e privilegiados, e foram apreendidos bens no valor global de setecentos mil euros, não sendo previsível que a Caixa ... – credor comum - receba a totalidade do seu crédito, pois o remanescente será rateado.

Nos processos de insolvência dos demais avalistas foram reconhecidos créditos de valor muito superior aos bens apreendidos, sendo improvável que a Autora logre ali obter qualquer pagamento.

Alega ainda que a 09/08/2013 o Réu F. R., com o consentimento da mulher, M. A., fez uma doação a favor das filhas, aqui 3.ª e 4.ª Rés, dos dois prédios urbanos descritos no artigo 33º da petição, com reserva do direito de uso e habitação a seu favor e da sua esposa, sendo o 1.º Réu conhecedor da sua posição de devedor à Autora pois nessa data já a sociedade A. R. & Filhos, Lda, da qual era sócio-gerente, estava em dificuldades e apresentou um PER em outubro de 2013.

Que o 1.º Réu também se apresentou a PER em março de 2014, pelo que tinha consciência de que não tinha hipóteses de honrar os compromissos bancários assumidos com a Autora e sabia que, para além dos imóveis doados, não detinha património susceptível de constituir garantia de pagamento da dívida contraída.

Que os prédios doados já não estão em nome das filhas, pois por meio de escritura outorgada a 24/09/2013, os avalistas da A. R. & Filhos, Lda e ainda as aqui 3.ª e 4.ª Rés C. R. e R. I., e a sociedade X, aqui 5.ª Ré, declararam fazer a permuta daqueles prédios com as fracções “V” e “X”, destinadas a escritórios, sitas no “Edifício ...

”, na Rua de ...

, em ...

, por €129.750,00.

Porém, em 28/12/2013 as mesmas 3.ª e 4.ª Rés doaram ao pai, F. R., as ditas fracções “V” e “X” pelo valor de €119.560,00: Que a 5.ª Ré não podia desconhecer que a permuta celebrada em setembro de 2013 era prejudicial à posição da Autora, já que naquela escritura foi representada pelos seus administradores, que também eram avalistas da devedora A. R. & Filhos, Lda, não podendo ser considerada terceiro.

Que se tratou de uma verdadeira troca de património da esfera patrimonial do 1.º Réu de dois prédios urbanos para dois escritórios, de menor valor patrimonial, o que ocorreu de forma concertada por todos os gerentes e sócios da A. R. & Filhos, Lda, com vista à dissipação/preservação do património pessoal daquele, nomeadamente o de maior valor, para impedir a satisfação do crédito da Autora.

Alega por fim que a declaração de vontades constante da escritura pública de doação outorgada a 09/08/2013 não corresponde à real vontade dos ali declarantes, tanto mais que os Réus F. R. e M. A. mantiveram, como mantêm, morada num daqueles prédios urbanos, o qual sempre constitui a sua casa de morada de família.

E que também a permuta feita em 24/09/2013 não corresponde à vontade dos ali declarantes, pois nem a C. R. nem a R. I. quiseram permutar os prédios urbanos que lhes haviam sido doados pelo pai, nem a sociedade X quis ceder-lhes os escritórios à troca com aqueles prédios.

Os Réus contestaram dizendo, em suma, que o banco celebrou as operações de crédito datadas de 15 de Maio de 2007 e de 07 de Agosto de 2009 com a sociedade A. R. & Filhos, Lda, enquanto mutuária, crédito que se destinava ao apoio de tesouraria da referida sociedade, sendo que para assegurar o pagamento das responsabilidades decorrentes de tais empréstimos também foi a referida sociedade que entregou à Autora duas livranças em branco e que o Réu F. R. foi um dos avalistas das ditas livranças.

Mais alegam que a sociedade mutuária se apresentou a processo especial de revitalização a 21/10/2013 e que não conseguiu cumprir o Plano de Revitalização, por razões que se prenderam com a excessiva demora na sua homologação e contínua diminuição da sua carteira de encomendas, razão pela qual a 19/06/2015 a sociedade se apresentou à insolvência, declarada em 07/07/2015, encontrando-se o processo em fase de liquidação.

Pese embora estivesse em curso o PER alguns dos credores da sociedade accionaram os seus sócios, na qualidade de avalistas, nomeadamente o aqui Réu F. R., o qual, sem alternativa, bem como a sua mulher, M. A., a 26/03/2014, também se apresentaram a PER, cujo plano de revitalização foi homologado a 03/02/2015.

Alegam ainda que em Dezembro de 2016 os Réus F. R. e mulher apresentaram-se à insolvência e que o património dos insolventes, que foi apreendido, e neste estando compreendidos dois prédios urbanos e três rústicos cujo valor patrimonial total ascende a cento e vinte e dois mil duzentos e oitenta e um euros e quinze cêntimos, tem um valor comercial muito superior.

Que quando realizadas as doações advieram ao património dos ora Réus bens (os apreendidos, no processo de insolvência) cujo valor de mercado é o mesmo que os bens doados às suas filhas.

Que nunca o Réu F. R. teve qualquer intenção, com a doação às suas filhas, de prejudicar os seus credores, nem a Autora ficou impedida de obter a satisfação do seu crédito por causa da doação.

Que em Agosto de 2013 o Réu F. R. pretendeu realizar uma partilha em vida, dada a ligação afectiva que sempre uniu toda a família à casa que sempre foi de família de há muitos e longos anos, mas sem que o seu património se visse diminuído, estando o acto praticado condicionado ao facto do seu património não se ver diminuído, para além de que se procurava encontrar a forma de o concretizar através do menor encargo possível, em termos fiscais, para as filhas, daí que sendo estas acionistas da “X”, uma imobiliária acordaram a permuta de bens com o consentimento dos demais acionistas daquela.

Foi dispensada a realização da audiência prévia, sendo proferido despacho saneador e despacho destinado a identificar o objecto do litígio e a enunciar os temas da prova.

Veio a efectivar-se a audiência de discussão e julgamento com a prolação de sentença nos seguintes termos, no que concerne à parte dispositiva: “Pelo exposto, o Tribunal julga a presente acção parcialmente procedente e, em consequência, decide: a) declarar ineficaz, relativamente ao banco, a doação outorgada a 9.08.2013 e a permuta outorgada a 24.09.2013, permitindo-se à Caixa ... executar o património objecto daquelas na esfera jurídico-patrimonial dos transmissários, livre de ónus, para garantia do pagamento dos créditos que detém sobre os transmitentes F. R. e M. A.; b) declarar ineficaz, e de nenhum efeito, o direito de uso e habitação constituído a favor dos réus F. R. e M. A.; c) não ordenar o cancelamento dos registos nos imóveis objecto da acção.

Custas por autor e réus na proporção de 1/3 para 2/3, atento o decaimento.

Notifique e registe.” Inconformados, apelaram os Réus, concluindo as suas alegações da seguinte forma: “1. Os Apelantes discordam da sentença proferida e, por isso, dela recorrem, quer da decisão de direito, quer sobre a matéria de facto, mais concretamente por ter sido dado como provada nos termos em que deu a matéria constante dos pontos 38 e 39 dos factos provados, e ter dado como não provada a matéria constante do ponto 4 dos factos não provados.

  1. Há flagrante desconformidade entre os elementos de prova produzidos e a decisão proferida no que aos pontos impugnados diz respeito, e por isso impõe-se corrigir o erro do julgador a quo; aliás, calcorreando a prova testemunhal e conjugando-a com os diversos elementos probatórios documentais, ocorreu evidente desvio, em termos de razoabilidade.

  2. A intenção subjacente aos negócios em consideração – trocar património -...

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