Acórdão nº 63/19.5T8PTL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 17 de Dezembro de 2020

Magistrado ResponsávelJOSÉ AMARAL
Data da Resolução17 de Dezembro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I. RELATÓRIO A autora “X – Imobiliária, Lda” intentou, em 22-01-2019, no Tribunal de Ponte do Lima, acção declarativa, constitutiva, em processo comum, contra os réus M. G.

, V. S.

, J. A.

, A. F.

, M. M.

e F. J.

.

Apresentou como pedido: “…deve a presente acção ser julgada procedente, por provada, e, em consequência:

  1. Declarar-se que a A. é dona e legítima proprietária do prédio urbano identificado no art. 2º desta petição inicial [1] com a área, configuração e limites destacados a vermelho que constam da planta junta sob o doc. nº 7 [2]; B) Serem os RR. condenados a reconhecer o direito da A. sobre aquele prédio e a abster-se da prática de quaisquer atos que impeçam, limitem ou diminuam o gozo e exercício do direito de propriedade da A. sobre aquele prédio, exceção feita ao exercício da servidão cuja mudança se requer; C) Decretar-se a mudança da servidão de passagem identificada nos artigos 10 a 16 da p.i.

    [3], que onera o prédio identificado no artigo 2º a favor do prédio dos RR. identificado no artigo 7. b) do mesmo articulado [4], do local onde se encontra estabelecida para o local que indica nos artigos 30. e 31. da p. i.

    [5] e na planta indicada como documento nº 7, condenando-se os RR. a absterem-se de passar pela primeira; D) Seja a A. autorizada a tapar a abertura atualmente existente no muro divisório dos prédios pertencentes a A. e RR. e na qual desemboca o caminho de servidão; E) […]. Alegou, para tanto, na petição, em síntese, que é dona de um prédio urbano e, os réus, na qualidade de herdeiros de seus falecidos pais, de dois prédios rústicos, encravados, contíguos entre si e que confinam, pelo seu lado sul, com aquele e do qual estão separados por um muro em toda a extensão.

    O seu prédio está, desde há mais de 40 anos, onerado com a descrita servidão de passagem (que reconhece), a favor de um daqueles dois (o nº 695) e a partir do qual os réus sempre acederam e acedem ao outro (nº 694).

    Os réus fazem pouco uso do caminho, ao passo que ela, autora, tem, em fase final de execução, um projecto de Turismo Rural, cuja implementação é incompatível com a sua manutenção e que pode ser mudado.

    Por isso, propõe-se executar, assumindo todos os custos e encargos correspondentes, um outro novo e uma nova entrada, no muro que divide o seu prédio do dos réus nº 695, os quais tomariam a configuração marcada na planta que junta, ficando tal novo acesso a apenas cerca de vinte metros do local onde actualmente se encontra, daí não decorrendo qualquer prejuízo ou maior onerosidade no uso da servidão.

    Como não foi possível acordo, pretende que o tribunal determine tal mudança, à sua custa, verificado que se encontra o duplo requisito legal: ela é conveniente para si e em nada prejudica os interesses dos co-titulares do prédio dominante (pelo contrário).

    Caso assim não suceda, poderá ter que enfrentar graves prejuízos, que decorrerão da impossibilidade de tornar exequível o dito projecto.

    Juntou documentos.

    Apenas contestaram os réus M. M., V. S., F. J. e J. A.

    .

    Em síntese, além de impugnarem parte da factualidade vertida na petição, alegaram que, eles e os demais dois co-réus, são os únicos e universais herdeiros de seus falecidos pais A. S. e R. G.

    .

    Da herança, fazem parte, além dos prédios 694 e 695, também o prédio rústico denominado “Bouça X”, inscrito na respectiva Matriz sob o nº 685.

    A propriedade dos três foi adquirida por via derivada e por via originária (aquisição), conforme respectivos factos alegados [6].

    São contíguos e, atendendo ao sentido sul/norte, com inclinação descendente, situam-se: primeiro a Bouça X (artigo n.º 685); depois a Bouça X de Baixo (artigo n.º 695); e a seguir a Leira X (artigo n.º 694).

    Devem ser considerados os três, uma vez que a servidão e o caminho em discussão dizem respeito, nas mesmas circunstâncias, conjuntamente, a todos, pois nenhum tem comunicação directa com a via pública (são encravados), nem condições que permitam estabelecê-la.

    A única ligação, acesso e passagem que sempre existiu é a do caminho referido, através do prédio rústico nº 684 que foi anexado e é hoje parte integrante do da autora. Esse caminho tinha as seguintes características que descrevem e desenvolvia-se até atingir a entrada para os prédios dos contestantes, situada no limite sul da sua “Bouça X”, ou seja o nº 685.

    Daí tem continuidade pelo interior dos restantes dois prédios, ligando-os e constituindo o seu único acesso e passagem.

    Por via de alegados actos de posse que sempre nesse caminho exerceram, constituiu-se, por usucapião, a servidão de passagem, a favor dos seus prédios com as características que se descreveram e não com as que a autora refere.

    Os prédios da herança estão cercados por um muro que lhes pertence exclusivamente e não se presume comum, pois que o referido nº 684 (agora da autora), que confina com eles, nunca teve qualquer muro. Por isso, é-lhe vedado executar nele quaisquer obras.

    Sucede é que esta tem em curso obras de grande vulto, no seu prédio, quer na parte edificada, quer na área descoberta, em cujo decurso o destruiu e, entretanto, já construiu uma nova parede. Destruiu também todo o caminho de servidão e abriu, mais para poente, uma nova entrada e um caminho novo, em substituição, transformando o que era o leito do primitivo num amontoado de terra, pedras, argolas de cimento, restos de obras, redes, cepos de árvores, lenha e madeira, assim o descaracterizando e eliminado os respectivos sinais, agindo abusivamente, de forma abrupta, sem prévio conhecimento, sem qualquer autorização dos herdeiros e contra a sua vontade.

    Os réus (item 46) estariam dispostos a admitir que a autora construísse um novo caminho, com o pavimento duro e compactado, com a largura de quatro metros, no local que propõe, com uma baía criada na entrada junto à Rua ..., prosseguindo em linha recta no sentido sul/norte até atingir a parede de vedação dos seus prédios. Porém (item 47), chegado a este ponto, o caminho deverá curvar para nascente (para a direita) e prosseguir nesse sentido, em linha recta, sempre pelo lado de fora (no prédio da autora) e em paralelo à aludida parede, até atingir a sua entrada existente.

    Tal solução não inviabilizaria o projecto da autora, nem a sua aprovação.

    Pelo contrário, a solução proposta é muito mais onerosa e prejudicial para os prédios dos réus.

    Com efeito, o prédio dos contestantes (685) é povoado com árvores, pinheiros e outras espécies, adultas, algumas de grande porte.

    E, para concretizar a pretensão da autora, seria necessário executar o seguinte (item 51º): a) começar por fazer o caminho descrito acima no item 46; b) derrubar o muro e nele fazer uma nova entrada com tranqueiros em pedra, com, pelo menos, três metros de largura; c) fechar com parede semelhante à que existe, a entrada actual desses prédios; d) uma vez transposta essa nova entrada, então já no interior do prédio dos réus, fazer uma curva para nascente, ampla, a servir de baía, para permitir a manobra de entrada e saída dos veículos; e) fazer um caminho com quatro metros de largura, pelo interior do prédio do referido seu prédio, em linha recta, de poente para nascente, paralelo ao muro actual, até ligar ao caminho que seria a sua continuidade no interior dos vários prédios; f) abater todas as árvores existentes na parcela interior ocupada pelo caminho; g) fazer a pavimentação e compactação do caminho no interior do dito prédio dos réus; h) fazer as obras necessárias à contenção e segurança da parede actualmente existente, face à existência do novo caminho e do transito que nele será efectuado, nomeadamente com veículos pesados e com cargas pesadas também.

    Além disso, seria tornada improdutiva toda a faixa de terreno pertencente ao mesmo seu prédio, a afectar ao caminho.

    Além disso (item 53), a autora teria de pagar não só todas as obras e trabalhos necessários à construção do novo caminho, mas também o preço da área que ficaria afecta à passagem e ainda o prejuízo das árvores a abater.

    Daí que seja indiscutível que a mudança pretendida prejudica os interesses dos herdeiros e da herança que representam, sendo este prejuízo para o prédio dominante e seus donos superior ao interesse da mudança da servidão para o prédio serviente ou para a sua proprietária, sendo a mesma, pois, inviável e ilegal.

    Concluíram, assim, que a acção deve ser julgada não provada e improcedente.

    De qualquer modo, subsidiariamente, se assim não suceder e porventura for decidida a pertinência da mudança de servidão, deverá a mesma ser levada a efeito pela forma descrita nos itens 46º e 47º (caminho novo pelo lado do prédio da autora).

    Ainda subsidiariamente, se porventura, fosse consentida a mudança da servidão nos termos pretendidos e propostos pela autora, ou seja, pelo interior do prédio dos réus, deverá a mesma ser condenada a fazer essa mudança nos termos acima descritos no item 51 e a pagar as obras e a indemnização reclamadas acima no item 53.

    Juntaram documentos.

    Não houve resposta.

    Findos os articulados, por despacho [7], foi fixado o valor da causa, proferido saneador tabelar, apreciados os requerimentos probatórios e designada, logo, data para a audiência de julgamento.

    Esta realizou-se nos termos e com as formalidades narradas nas actas respectivas, no seu decurso tendo sido efectuada inspecção ao local, inquiridas testemunhas, tomadas declarações de parte do legal representante da autora e dos quatro contestantes e requisitado e examinado o processo camarário de obras (já devolvido) e, ainda, homologada a desistência do pedido da alínea E).

    A subsequente sentença [8] culminou na seguinte decisão: “

  2. Declara-se que a autora é dona e legítima proprietária do prédio urbano identificado no ponto B dos factos provados; B) Condenam-se os réus na abstenção da prática de quaisquer atos que impeçam, limitem ou diminuem o gozo e exercício do direito de propriedade da autora sobre aquele prédio, exceção feita ao exercício da servidão...

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