Acórdão nº 2267/18.9T8BCL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 10 de Setembro de 2020

Magistrado ResponsávelJOSÉ AMARAL
Data da Resolução10 de Setembro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I. RELATÓRIO Os autores C. N.

e S. S.

instauraram, em 20-09-2018, no Tribunal de Barcelos, acção declarativa, de condenação, sob a forma de processo comum, contra os réus J. M. e esposa C. A.

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Formularam o pedido de que sejam estes condenados a:

  1. Reconhecerem o direito de propriedade dos autores sobre o prédio identificado no artigo 1.º da petição inicial.

  2. Taparem a janela, que na fotografia junta tem o n.º 2; e c) Retirarem as portadas de outras três janelas.

    Alegaram, como fundamentos, em resumo, que são proprietários de um prédio urbano, constituído por rés-do-chão, andar e logradouro, que, pelo seu lado nascente, confronta com a parede da casa de habitação que constitui o prédio dos réus. Nesta parede, existiam três janelas. Porém, recentemente, depois de 2006, os réus abriram uma outra, com dimensões idênticas às daquelas três (janela n.º 2 da fotografia junta como doc. 3, que é a segunda a contar do lado norte). Tal janela deita directamente sobre o prédio dos autores (pois entre a habitação daqueles e o prédio destes não há qualquer faixa de terreno, sendo aquela parede o limite). Acresce que, aquando da abertura da referida janela, os réus colocaram portadas exteriores em todas as janelas (quatro), que ao abrir e fechar invadem o espaço aéreo dos autores.

    Na contestação, os réus alegaram que sempre (tendo o imóvel mais de 100 anos) existiram quatro janelas e nunca as alteraram (designadamente quando os autores compraram o seu prédio, em 2016, já elas todas se lá encontravam). Acrescentaram que o seu prédio sempre apresentou o telhado, tal como se encontra actualmente, com uma cornija de 50 cm e mais um beiral de telhas com 15 cm, voltados para o lado poente (prédio dos autores), por onde escorrem as águas das chuvas, tudo para lá do limite da parede da habitação. Como os autores, quanto a isto, nada objectam é porque aceitam que tal não ofende o seu direito de propriedade. Argumentaram também que a sua casa (dos réus), no canto sul/nascente, assenta numa base em granito que sai para o prédio dos autores em mais de 10 cm (de tal modo que o umbral do portão da entrada dos autores é recortado para contornar essa saliência) e que, a meio da linha norte/sul, apresenta cerca de 1metro de largura – zona onde se encontra a janela n.º 2.

    Em reconvenção, reafirmam que o seu prédio é centenário e sempre lá teve as 4 janelas, nunca alteradas quer nas medidas quer na localização. Em 1994, deu entrada na Câmara um projecto de realização de obras em cujas plantas elas já constam como existentes. Sucede que elas eram resguardadas por portadas em madeira, que abriam para o exterior, e os réus apenas procederam à sua substituição por portadas metálicas (bem como à substituição dos seus suportes metálicos exteriores estragados pela ferrugem), sem invadir o terreno dos autores. As quatro janelas sempre foram utilizadas pelos réus, para através delas se debruçarem, verem, receberem ar e luz, à vista de todos, sem oposição de ninguém e na convicção de que exerciam um direito próprio correspondente ao direito de servidão, pelo menos de vistas, adquirido por usucapião – o que sempre obstaria à pretensão dos autores.

    Assim, pediram que a acção seja julgada improcedente e, consequentemente, absolvidos do pedido e que a reconvenção seja julgada provada e procedente e se declare que se acha constituída a favor do seu prédio (identificado no n.º 15 da contestação) e onerando o dos autores (identificado no n.º 1 da petição inicial) uma servidão de vistas que se exerce através das quatro janelas abertas na parede poente do prédio dos réus, descritas no articulado, que os autores sejam condenados a tal reconhecerem, a respeitar tal direito e a abster-se da prática de qualquer acto que obste ao seu exercício do direito de propriedade e ao de servidão de vistas.

    Replicando, os autores mantiveram o alegado na petição inicial e, quanto ao mais, acrescentaram que o projecto de obras apresentado na Câmara não correspondia àquilo que existia mas sim àquilo que os réus pretendiam construir e, ainda, que as janelas não tinham portadas em madeira mas sim estores que os réus substituíram por portadas metálicas, conforme fotografia que juntaram. Por isso, os réus litigam com má-fé. Não põem em causa a existência da servidão de vistas, ar e luz relativamente às três outras janelas.

    Além da improcedência da reconvenção, pediram que os réus sejam condenados como litigantes de má-fé.

    Os réus impugnaram este pedido.

    Dispensada a audiência prévia, foi admitida a reconvenção, alterado o valor da causa, saneados tabelarmente os autos, identificado o objecto do litígio, enunciados os temas da prova e admitidos os meios requeridos para tal.

    Realizou-se a audiência de discussão e julgamento nos termos e com as formalidades narradas nas actas respectivas.

    Com data de 20-01-2020, foi proferida a sentença que culminou na seguinte decisão: “A. Julgar a acção parcialmente procedente e, em consequência: a. Condena-se os réus J. M. e C. A. a reconhecer que os autores C. N. e S. S. são proprietários do prédio urbano descrito como casa de habitação, de rés do chão e andar com logradouro, sito na Travessa ..., da freguesia de ..., inscrito na matriz urbana sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ... do ....

  3. Condena-se os réus J. M. e C. A. a tapar a janela descrita em 9) e 10) dos factos provados.

  4. Condena-se os réus J. M. e C. A. a retirar as portadas colocadas nas três janelas existentes na parede poente da sua habitação e melhor identificadas em 8) dos factos provados.

  5. Absolvem-se os réus J. M. e C. A. do pedido de condenação como litigantes de má fé.

    B. Julgar a reconvenção totalmente improcedente e, em consequência, absolvem-se os autores C. N. e S. S. do pedido reconvencional formulado.

    *As custas da acção e da reconvenção são integralmente suportadas pelos réus/reconvintes.

    *Registe e notifique.

    *Oportunamente, após trânsito em julgado da presente decisão, restitua-se o processo de obras à Camara Municipal ....” Os réus não se conformaram e apelaram a esta Relação no sentido de alterar a decisão, tendo alegado e concluído assim: “1-Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida, que julga a acção parcialmente procedente e improcedente a reconvenção, e com ela não concordando, nem se conformando, vêm os RR. interpor recurso de Apelação para o Tribunal da Relação de Guimarães, também com impugnação da decisão quanto à matéria de facto, com reapreciação da prova gravada, a subir imediatamente e nos próprios autos.

    2-A questão principal em apreço nos autos é e era apurar, relativamente às quatro janelas existentes na parede da casa de habitação dos Réus, virada para o prédio dos Autores, em que data foram construídas e se o prédio dos Autores estava ou não onerado com uma servidão de vistas a favor do prédio dos Réus, relativamente a essas mesmas quatro janelas.

    3-Também interessava ao pedido reconvencional apurar em que datas as portadas metálicas existentes no exterior dessas quatro janelas foram colocadas, nem como o ferro de segurança / fecho exterior que as segura quando abertas.

    4-Finalmente, também era dever do Tribunal apurar onde se situa a extrema do terreno do logradouro do prédio dos Autores, ónus de prova que a estes pertencia, pois disso mesmo dependia a aplicação das restrições legais e em defesa do alegado direito de propriedade dos Autores.

    5-Relativamente a estas questões era ónus dos Autores: -fazer a prova da alegada propriedade sobre o prédio que lhes pertence e em especial qual o real limite do seu logradouro, a fim de ser apurado se este terminava junto à parede ou fachada do prédio dos Réus ou em ponto mais afastado e relativamente à localização de cada uma das quatro janelas existentes; -fazer a prova da data de abertura ou construção de cada uma das quatro janelas, se simultâneas ou em datas diferentes; -fazer a prova das alterações construtivas das janelas, portadas e fixações destas e datas dessas alterações.

    6-Por sua vez era ónus do Réus fazer a prova da data da abertura ou construção de cada uma das quatro janelas, se simultâneas ou se em datas diferentes e bem assim das alterações construtivas das janelas, portadas e fixações destas e datas dessas alterações.

    7-Ora, é sabido que os depoimentos das partes e das testemunhas, embora apreciadas livremente pelo Tribunal, valem no seu todo, na dialética que resulta da sequência de perguntas e respostas.

    8-O Tribunal fez essa apreciação de forma contraditória: afirma que “as testemunhas – dos autores – apenas foram coerentes no facto que importava ( ou melhor dito, no facto que era essencial à causa e no qual pensariam que o Tribunal se iria ater )”, concluindo contudo que foram “incoerentes no demais”, concluindo que “isto para nós é totalmente incompreensível e retira-lhes qualquer credibilidade”.

    9-Porém, a seguir confere-lhes erradamente valor apesar de não merecerem credibilidade. Na verdade, depoimentos que não merecem credibilidade não podem ser aproveitados para nada, face à total contradição entre eles e é certo que as obras não ocorreram nas datas indicadas por estas testemunhas.

    10-Por outro lado, o Tribunal ignora partes importantes dos depoimentos das testemunhas arroladas pelos Réus, que vão citadas e transcritas nas alegações, aqui dadas por reproduzidas e com indicação do tempo (minuto e segundo) do suporte digital.

    11-Também o Tribunal a quo não atende aos documentos juntos aos autos (designadamente plantas, processo de licenciamento camarário e fotografias registadas na inspeção ao local na audiência de julgamento) bem como a factos importantes não só declarados pelas demais testemunhas, que o Tribunal não valora, como outros relevantes para a cronologia dos factos, que deverão levar a conclusões diferentes das seguidas pelo Tribunal a quo.

    12-Começando pelas quatro testemunhas arroladas pelos autores na douta sentença conclui-se pela...

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