Acórdão nº 93/17.1T8VRL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 10 de Setembro de 2020

Magistrado ResponsávelMARIA LEONOR CHAVES DOS SANTOS BARROSO
Data da Resolução10 de Setembro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães
  1. RELATÓRIO AUTOR/SINISTRADO: A. M..

    RÉ: SEGURADORA ..., S.A.

    ACÇÃO- especial emergente de acidente de trabalho, que prosseguiu para a fase contenciosa.

    PEDIDO: reclama o autor que se reconheça como sendo de trabalho o acidente que sofreu e que se condene a ré seguradora no pagamento de: capital de remissão de uma pensão anual e vitalícia de €2.020,40, em função da IPP de que padece de 25,3746%; indemnização de €19.

    695,40 por ITA de 15-09-2016 a 29-01-2019; €4.

    134,23 por despesas em medicamentos, material ortopédico, consultas/tratamentos de fisiatria e despesas de transporte a hospitais e centros de tratamento; da quantia de €180,00 por despesas de transporte a tribunal e GML; e juros de mora.

    CAUSA DE PEDIR: em 14/09/2016, sofreu um acidente de trabalho quando desempenha funções de trabalhador agrícola para A. N., numa sua propriedade agrícola, sita em Murça. O empregador dedica-se à exploração de propriedades agrícolas para produção e colheita de uvas e azeitonas, bem como para a respectiva transformação em vinho e azeite. Ao longo do ano agrícola, aquele contrata diversos trabalhadores, entre os quais o autor, para realizarem os diversos trabalhos que se vão sucedendo até à colheita dos referidos frutos.

    Entre Janeiro de 1999 e a data do acidente, o autor exerceu a sua actividade de trabalhador agrícola nos prédios rústicos pertencentes ao aludido empregador, por conta e sob as ordens, direcção e fiscalização deste, juntamente com outros trabalhadores. Trabalhos que consistiam, designadamente, na lavragem com recurso a tractores agrícolas, na adubação e fertilização das vinhas e olivais, na aplicação de herbicidas e outros produtos, com recurso a máquinas de sulfatar, atomizadores e pulverizadores, em tesourar e escavar videiras, na colocação de paus e estacas, em colher uvas e azeitonas, bem como em transportar os produtos em carrinhas e tractores agrícolas. O empregador determinava as tarefas agrícolas a executar em cada período do ano. Os instrumentos de trabalho, designadamente enxadas, sachos, tesouras eléctricas e manuais, máquinas de sulfatar, atomizadores e pulverizadores, bem como carrinhas e tractores agrícolas utilizados pelo autor pertenciam ao empregador. Em função das tarefas agrícolas a executar em cada período do ano, trabalhava entre as 8 e as 17 horas, com intervalo para almoço de uma hora e, quando e se chamado, a regra era trabalhar de segunda a sábado. Foi convencionado a retribuição diária líquida de €40,00, pagos no final de cada tarefa agrícola.

    No dia do acidente encontrava-se na propriedade da empregador a manobrar um tractor carregado de uvas quando este se virou, tendo o autor caído e sofrido uma fractura do calcâneo direito e esfacelo da perna esquerda. O que lhe determinou ITA 15/09/2016 a 29/01/2019 (867 dias) e incapacidade permanente parcial para o trabalho de 25,3746%, desde 29-01-2019. Sofreu os gastos que reclama. O empregador tinha a sua responsabilidade infortunística transferida para a aqui ré mediante contrato de seguro que contemplava a retribuição anual de € 11.374,72.

    CONTESTAÇÃO: entre a ré e o alegado empregador A. N. vigorava um contrato de seguro do ramo “Acidentes de Trabalho – Conta de Outrem” titulado pela apólice nº 1029032533, pela retribuição anual de €11.374,72, não estando o autor incluído nos trabalhadores dependentes a cargo do referido tomador de seguro. O autor não era trabalhador do tomador do seguro, não tendo qualquer dependência jurídica ou económica, sendo, antes, empresário por conta própria, com propriedades agrícolas suas. Na sequência de relação de amizade entre o autor e o tomador do seguro, o primeiro aceitou ceder o seu tractor agrícola, que na altura conduzia, fornecendo, a título de favor, o transporte das uvas e, ainda, o combustível para o veículo. O autor assinou um documento confessando estes factos ao perito averiguador. Impugna a restante matéria e requer a realização de exame por junta médica.

    Elaborou-se despacho saneador onde se fixou a matéria assente e enunciou os temas de prova.

    Procedeu-se a julgamento e proferiu-se sentença.

    DECISÃO RECORRIDA (DISPOSITIVO): decidiu-se do seguinte modo: “Tudo visto e nos termos expostos, julga-se a presente acção procedente por provada e em consequência, condenam-se a R. seguradora SEGURADORA ..., S.A. a pagar ao A. os seguintes valores: - O montante de € 29.089,04 (vinte e nove mil e oitenta e nove euros e quatro cêntimos), a título de indemnização pelo período total de ITA; - a pensão anual e vitalícia, obrigatoriamente remível, no montante de € 16.800,00 x 70% x 25,3746% = € 2.984,05 (dois mil novecentos e oitenta e quatro euros e cinco cêntimos); Aos montantes acima calculados acrescem os respectivos juros de mora vencidos, calculados sobre o capital de remição, desde o dia seguinte ao da alta clínica, à taxa legal, bem como os vincendos até integral pagamento – cfr. art. 135º do C.P.T.

    Condena-se ainda a R. seguradora ao pagamento ao A. a título de deslocações e cuidados médicos e medicamentosos do valor de € 4.314,23 (quatro mil trezentos e catorze euros e vinte e três cêntimos), acrescido dos respectivos juros de mora vencidos à taxa legal desde a data de citação e dos vincendos até integral pagamento.

    Custas pela R.

    Fixa-se aos autos o valor de € 77.719,40 – cfr. art. 120º do C.P.T.” RECURSO – INTERPOSTO PELA RÉ : impugna a decisão de facto e de direito. Pede que a ré seja desresponsabilizada do acidente ou, se assim não se entender, que a sua responsabilidade seja reduzida tendo em conta o limite da retribuição declarada para efeito de seguro.

    Coloca as seguintes questões: (i) impugnação da matéria de facto quanto à qualidade em que o autor prestava serviço para A. N. e quanto a algumas das despesas resultantes do sinistro. Impugna os pontos de facto provados 4, 7, 8 e 13, que devem ser não provados e questiona a não prova dos pontos 1, 2 e 3, que devem passar a provados.

    Com excepção do ponto 13, a dissidência funda-se nos meios probatórios constituídos pela “confissão” aposta no documento de fls 266 a 269 (declaração escrita e assinada pelo autor, supostamente confessando que não auferia qualquer retribuição pelos serviços prestados e que estava a prestar um favor a um amigo A. N.) e depoimento de parte do autor. O documento em causa é um documento particular, escrito e assinado pelo autor, cuja autoria não contestou e reconheceu em julgamento, pelo que a confissão extrajudicial faz prova plena quanto aos factos desfavoráveis confessados, não carecendo de qualquer outra prova, conforme artigo 376º CC. Quanto ao ponto 13 (gasto de 1.209,80€ em deslocações para consultas e tratamentos no Porto) alega que esta despesa não resulta provada nem do depoimento do autor, nem das testemunhas ouvidas.

    (ii) ausência de relação laboral ou de dependência económica entre o autor e A. N. (o autor fazia um favor a um amigo e não era pago por isso), decorrente da propugnada alteração da matéria de facto e que se reconduz à inexistência de acidente de trabalho.

    (iii) ainda que se considere a existência de acidente de trabalho, questiona-se o valor excessivo da sua condenação (por ITA, IPP e despesas), porque não foram tidos em conta os limites da responsabilidade contratualmente assumida, que tem por tecto 11.374,72€, conforme artigos 71º/9, 79º/4/5 da NLAT. Efectivamente, a ré foi condenada com base na retribuição anual de 16.800,00€, pelo que a condenação nas prestações infortunísticas deve ser reduzida e a restante quota parte da responsabilidade deverá se assacada ao alegado empregador. Deve ainda ser absolvida do pagamento as despesas (deslocações/consultas/tratamentos no Porto) decorrentes da não prova do ponto 13 supra referido.

    CONTRA-ALEGAÇÕES – defende-se a manutenção da decisão recorrida, quer no respeita à matéria de facto atenta a globalidade da prova não merecendo a pretensa “declaração confessória” credibilidade, quer quanto à matéria de direito devendo ter-se em conta a retribuição anual de €16.

    800,00 e ser a ré seguradora condenada com base na mesma.

    PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO: entende o senhor PGA que deverá anular-se o processado a partir da contestação apresentada pela ré seguradora e ordenar-se a citação de A. N., na qualidade de entidade empregadora do sinistrado, para contestar a ação, seguindo o processo os seus ulteriores termos, em face da nulidade de falta de citação de uma das entidades responsáveis pela reparação do acidente.

    Não foram apresentadas respostas ao parecer.

    Foram colhidos os vistos dos adjuntos e o recurso foi apreciado em conferência – art.s 657º, 2, 659º, do CPC.

    QUESTÕES A DECIDIR (o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões do recurso(1)): 1 - Impugnação da matéria de facto/valor da “confissão de factos”; 2 - A caracterização do acidente como sendo de trabalho; 3- Retribuição real e limites da responsabilidade da seguradora.

    I.I FUNDAMENTAÇÃO

    1. FACTOS: Na primeira instância foram julgados provados os seguintes factos (sublinhando-se a negrito os factos impugnados e alterados): · O A. à data do acidente em apreço tinha 44 anos de idade (nasceu a -/07/1972).

      · A. N. tinha a sua responsabilidade infortunística transferida para a aqui R. mediante contrato de seguro titulado pela apólice nº ………, pelo valor de remuneração de € 812, 48 x 14 meses, num total anual de € 11.374,72.

      · O A. sofreu um acidente quando se encontrava na propriedade agrícola denominada “X” sita no lugar da ..., freguesia de …, concelho de Murça, a carregar uvas num tractor, para posterior transporte das mesmas, procedendo-se ali à respectiva vindima.- FACTOS ASSENTES NO SANEADOR · O A. sofreu um acidente em 14/09/2016 pelas 11h00 horas quando se encontrava a exercer funções como trabalhador dependente por conta de A. N., na propriedade acima descrita na factualidade assente, dedicando-se este à exploração de propriedades agrícolas, tendo em vista a produção e colheita de uvas e azeitonas e a sua transformação em vinho e azeite.

      · O acidente ocorreu tal...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT