Acórdão nº 2151/18.6T8VCT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 24 de Setembro de 2020

Magistrado ResponsávelJOSÉ AMARAL
Data da Resolução24 de Setembro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I. RELATÓRIO O autor J. C.

intentou, em 11-06-2018, no Tribunal de Família de Viana do Castelo, acção declarativa constitutiva, com processo comum, contra o réu L. H.

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Nela formulou o pedido de que, uma vez julgada procedente, em consequência: “

  1. Seja declarada e reconhecida, nos termos do disposto no art. 204º da nossa Lei Fundamental, a inconstitucionalidade material da norma ínsita art. 1817º, nº 1 do Código Civil (ex vi art. do Código Civil ), porque violadora, entre outros, dos arts.16.º, n.º1, 18.º, n.º 2 e 26.º, n.º 1, da CRP b) Seja reconhecido e decretado que o Autor é filho do réu L. H.

  2. Seja ordenado o averbamento de tal paternidade e da avoenga daí resultante ao assento de nascimento do Autor; d) Ser o réu condenado em custas e demais acréscimos.” Como fundamentos, alegou, em síntese, que nasceu em 24-08-1968, mas foi registado sem menção de paternidade. A mãe, por pudor, durante muitos anos, recusou-se a revelar-lha. Desde 1991 até 2018, esteve emigrado. Sucedeu que, durante o mês de Agosto de 2017, a amiga O. F. deu-lhe conhecimento que seu pai era o réu. Surpreendido, confrontou a mãe. Esta acabou por lhe confirmar o relacionamento sexual (exclusivo) com aquele e a gestação. De facto, é fisicamente parecido com o demandado. Assim, interpelou-o mas ele recusou assumir a paternidade. Nessa altura, foi-lhe solicitado que entregasse uma amostra da sua saliva para “teste de ADN” e, em Novembro seguinte, foi-lhe dito que ele “dera positivo”, embora nunca tenha tido acesso ao relatório, que estará na posse do demandado. Em Fevereiro de 2018, o réu propôs-lhe que subscrevesse um documento no qual, além do mais, declarava que há mais de 10 anos tinha conhecimento de tal paternidade e reconhecia ter caducado o direito de acção, renunciando a esta, em troca do pagamento de 270.000€ e para evitar o litígio judicial. Aceitou, assinou-o e recebeu a referida quantia. [1] Além disso, assinou ainda uma carta. Porém, além de não corresponderem à verdade e serem ineficazes dada a natureza do direito (à filiação) em causa, o certo é que apenas assinou “na convicção de estes documentos confirmarem, de alguma forma ser o ora réu seu pai”. Invocou, por fim, a inconstitucionalidade material da norma do artº 1817º, nº 1, CC (prazo).

    Juntou, entre outros, os aludidos dois documentos.

    Na contestação, o réu impugnou parte da alegada factualidade e documentos. Acrescentou que era considerado “homem de posses”, “abastado” e “com fortuna” e “desde sempre se constou no meio de Valença do Minho que o réu poderia ser o pai do autor”, o que sempre negou, recusando assumir tal paternidade, apesar de desde há mais de 20 anos o autor o procurar e lha imputar. De resto, chegou a correr processo de averiguação oficiosa de paternidade, mas que terminou pelo não reconhecimento (arquivamento).

    Sucedeu que o advogado do autor contactou-o, comunicando-lhe a intenção de agir judicialmente. Foi no contexto das negociações havidas que acabaram por acordar uma compensação só para evitar mais transtornos com a justiça.

    Excepcionou a caducidade do prazo (dada a confissão feita pelo autor e documentada de que há mais de 10 anos tinha conhecimento), de abuso de direito (face ao comportamento contraditório do autor e frustrante da confiança gerada no réu motivado apenas por este ser divorciado e não ter descendentes, ou seja, por razões “monetárias” já que o autor nunca se “aproximou”, o que deve impedir o exercício do seu direito ou, então, restringir este aos efeitos pessoais e excluir os patrimoniais, caso dos sucessórios) e a excepção de caso julgado (relativamente ao dito processo de averiguação oficiosa).

    Também juntou documentos.

    O autor, em requerimento subsequente, contrapôs que a declaração que assinou é nula (por se referir ao estado das pessoas e a direito irrenunciável) e nem sequer podia ter sido reconhecida por isso e por não ter sido verificado o pagamento do imposto de selo. E, convidado depois, a exercer o contraditório, replicou ainda percutindo a não caducidade do prazo, a ineficácia da sua “confissão” e concluindo pela improcedência das excepções.

    Entretanto, em face da notícia do óbito do réu, foi requerida e deferida a produção antecipada de prova (colheita de ADN ao cadáver), suspensa a instância, apensado procedimento cautelar de arrolamento e habilitados como herdeiros A. P.

    , A. L. (este acabou, mais tarde, por renunciar à herança), L. I., C. P., A. H. e B. A.

    .

    Foi fixado o valor da causa, dispensada a audiência prévia, proferido saneador (no qual foi julgada improcedente a excepção de caso julgado e relegado para final o conhecimento das demais), identificado o objecto do litígio, enunciados os temas da prova e apreciados os requerimentos respectivos.

    Realizada a audiência de discussão e julgamento nos termos e com as formalidades narradas nas actas respectivas, foi proferida, com data de 13-02-2020, a sentença que culminou na decisão de julgar procedente a excepção de caducidade e absolver os demandados (herdeiros habilitados) do pedido.

    O autor não se resignou e apelou a esta Relação, apresentando as seguintes conclusões recursivas: “I. Vem o presente recurso interposto da sentença revidenda, notificada ao recorrente a 17/02/2020, que decidiu “(...) julgar procedente a excepção de caducidade invocada pelo réu e, em consequência, absolvo os herdeiros habilitados do pedido”.

    II. No modesto entender do impetrante, foram porém incorrectamente julgados, e assim expressamente se impugnam o Ponto 12 dos Factos Provados (“Há mais de vinte anos que o autor sabia que o falecido L. H. era seu pai”) que deveria ter sido considerado Não Provado e o segundo parágrafo/item/ponto da matéria Não Provada (“- Só no mês de Agosto de 2017, uma amiga da família revelou ao autor que seu pai era o réu L. H., o que só então foi confirmado pela sua mãe”) que deveria ter sido considerado Provado.

    III. A testemunha O. F. confirmou ter comunicado ao Autor-recorrente, em Agosto do ano de 2017, a identidade de seu pai, e que em consequência este ficou “transtornado” – cfr. depoimento prestado na audiência de 18/10/2019, com início às 11 horas e 35 minutos e termo pelas 12 horas e 2 minutos, gravado no sistema informático Habilus Media Studio, em particular no segmento entre 00h24m24s e as 00h25m26s.

    IV. Este depoimento é consentâneo com o da testemunha A. M., amigo de longa data e colega de trabalho da mãe do autor que, convictamente, afirmou que o autor desconhecia a identidade do seu pai, pois que apenas em Maio de 2018 abordou a testemunha quanto a esse tema – cfr. depoimento prestado na audiência de julgamento de 18/10/2019, com início às 12 horas e 16 minutos e termo pelas 12 horas e 25 minutos, gravado no sistema informático Habilus Media Studio, em particular no segmento entre as 00h02m44seg e as 00h04m16s V. Dos depoimentos acima mencionados, conjugados com as regras de experiência comum, resulta que foi na sequência da revelação da testemunha O. F. que o autor encetou diligências tendentes a ser reconhecido como filho do decesso réu L. H., designadamente as constantes dos Pontos 5, 6 e 7 dos Factos Provados, que ora se dão por reproduzidos.

    VI. Mais, a testemunha O. F. afirmou que o autor ficou transtornado por ter descoberto que o decesso réu seria seu pai, donde facilmente se conclui que ficou nesse estado, foi porque desconhecia a verdade até então, de contrário não ficaria sequer surpreendido.

    VII. Até do comportamento do investigado se percebe que tudo se precipitou após Agosto de 2017: o autor interpelou o falecido L. H. nesse mês, este rejeitou-o e, após a subscrição do documento mencionado no Ponto 7 dos Factos Provados – a 02/02/2018 - o investigado tratou de instituir seus herdeiros os aqui habilitados, apenas cinco dias depois (a 07/02/2018), determinando que “(...)caso à data do seu falecimento venha a possuir herdeiros legitimários institui os herdeiros supra mencionados herdeiros da sua quota disponível (...)” – cfr. testamento (documento nº 02) junto com petição no apenso de habilitação de herdeiros.

    VIII.

    Salvo melhor opinião, resulta evidente que esta questão da filiação entre autor e réu só se colocou após o mês de Agosto de 2017, menos de um ano antes de 11/06/2018, data da propositura desta acção, até porque, acaso o autor soubesse há mais tempo da identidade de seu pai, o que o impediria de propor esta acção anteriormente? IX. Resulta assim que a presente acção foi intentada tempestivamente, menos de três anos após o Autor ter conhecido da identidade de seu pai, nos termos previstos pelo art. 1817º, nº 3, alínea b) do Código Civil, pelo que deveria o Tribunal a quo ter dado como Provado o segundo parágrafo/ponto/item dos Factos Não Provados, com a seguinte redacção: “Só no mês de Agosto de 2017, uma amiga da família revelou ao autor que seu pai era o réu L. H.

    , o que só então foi confirmado pela sua mãe.

    X. Devendo, por maioria de razão, dar como Não Provado o Ponto 12 dos Factos Provados, isto é que “Há mais de vinte anos que o autor sabia que o falecido L. H.

    era seu pai”.

    XI. Sem prejuízo da impugnação da matéria fáctica acima elencada, mesmo que o recorrente soubesse há mais de vinte anos a identidade de seu pai, ainda assim deveria a acção ter procedido, pois que a decisão recorrida cria um desfasamento entre a verdade biológica e verdade jurídica - cfr. neste sentido o Acórdão desta Relação de Guimarães de 09/05/2019 (Eugénia Cunha), no proc. 1431/17.2T8VRL.G1.

    XII. Com efeito, o exame hematológico (vulgo “exame de ADN”), de fls. 59 e ss dos autos, determinou, com 99,9999999999999% de certeza que o recorrente J. C. é filho do réu-investigado L. H. – v. ainda Ponto 4 dos Factos Provados.

    XIII. Daí que, no humilde entendimento do requerente, a norma ínsita no art. 1817º nº 1 do Código Civil (aplicável in casu por via do disposto no art. 1873º CC), ao determinar um prazo de caducidade de dez anos da acção de paternidade, contados da...

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