Acórdão nº 1612/17.9T8VRL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 24 de Setembro de 2020

Magistrado ResponsávelMARIA LEONOR CHAVES DOS SANTOS BARROSO
Data da Resolução24 de Setembro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães
  1. RELATÓRIO AUTOR: F. R., patrocinado pelo Ministério Público.

RÉS: C. & FILHOS, Lda. e X – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.

ACÇÃO – especial, emergente de acidente de trabalho, que prosseguiu para a fase contenciosa porque o autor considera que existiu violação das regras de segurança por parte da entidade empregadora. Esta rejeita a imputação, pese embora, no mais, aceite a existência de acidente de trabalho. Por sua vez, a seguradora não assumiu a responsabilidade por, entre o mais, entender que o acidente resultou de violação por parte do sinistrado das regras instituídas pela empregadora sobre segurança no trabalho.

PEDIDO: (i) seja a 1ª Ré/entidade empregadora condenada a pagar-lhe: o capital de remição de uma pensão anual e vitalícia no valor de 730,32€; a título de indemnização por ITs a quantia de 4381,68€ (com dedução de 2753,73€, já pago a esse título); e a título de reembolso por despesas de deslocação (transportes e alimentação) a quantia de 75€; (ii) seja a 2ª Ré/entidade seguradora condenada a pagar-lhe: o capital de remição de uma pensão anual e vitalícia no valor de 511,22€; a título de indemnização por ITs a quantia de 3067,17€ (com dedução de 2753,73€, já pago); a título de reembolso por despesas de deslocação (transportes e alimentação) a quantia de 75€; (iii) sejam ambas as rés condenadas nos juros moratórios.

CAUSA DE PEDIR: alega que em 6-03-2017, ao desempenhar a actividade de motosserrista, foi vítima de acidente de trabalho quando procedia ao corte/abate de pinheiros com uma motosserra. Um dos pinheiros, cujo tronco havia sido por si parcialmente cortado, abateu-se sobre o autor provocando-lhe lesões (e a morte de outro trabalhador). Suspendeu o corte que iniciara no tronco, passando a proceder ao corte de abate de outra árvore, porque nas proximidades e dentro do seu raio de queda, se encontrava outro trabalhador a operar uma máquina auto-carregadora, movimentando os toros cortados, visando, assim, prevenir a eventualidade de a árvore o vir a atingir. A árvore parcialmente cortada estava implantada em terreno descendente e inclinada para lado contrário daquela outra a cujo abate, ao lado, procedia. Sem que se previsse, assim, segundo a sua avaliação, que, a ocorrer queda, seguisse tal trajectória. O acidente deveu-se a violação de regras de segurança por parte da empregadora, porque esta: (i) não procedeu à avaliação dos riscos do respectivo posto de trabalho; (ii) não formou, nem informou o autor, nem os demais trabalhadores antes da prestação da actividade; (iii) não procedeu à inspecção prévia do local onde ocorreu o acidente, nem à planificação da tarefa de abate (de árvores) a realizar, nem definiu o correspectivo método de trabalho; (iv) não estabeleceu, nem incrementou uma organização da actividade a realizar de molde a assegurar aos trabalhadores condições de segurança e de prevenção em todos os aspectos do seu trabalho; (v) não tinha no local nenhum agente incumbido de supervisionar, orientar e fiscalizar a realização de tal actividade, em condições de segurança. Em suma, o autor não tinha conhecimento cabal das regras e procedimentos a adoptar, designadamente de que não deveria abandonar um corte de abate de árvore parcialmente realizado, tendo apenas recebido da empregadora uma orientação genérica de que deveria abater todas as árvores do lote. Que aliás a empregadora foi punida pelas contra-ordenações derivadas de falta de formação de trabalhadores sobre regras de saúde e segurança no trabalho e pela inexistência de uma avaliação de riscos por posto de trabalho e sua prevenção e ausência de planificação (15º/3, 20º/1, RJSST).

CONTESTAÇÃO DA RÉ SEGURADORA- o acidente deveu-se concomitantemente a: (i) a violação de regras de segurança instituídas pela empregadora e desrespeitadas pelo trabalhador (14º/1/a, NLAT) (ii) e a violação das regras de segurança pela própria empregadora. O autor sinistrado sabia e tinha consciência, porque lhe tinha sido transmitido pela empregadora e decorre das boas práticas e legis artis, que deveria sempre proceder ao corte total da árvore. E que, em circunstância alguma, não deveria deixar o corte a meio, abandonar a árvore e iniciar o corte de outras próximas, o que evitaria ser atingido pela árvore em que fez metade do corte. Ademais, trabalhava no raio de queda da árvore abandonada e seccionada, não tendo observado a distância de segurança que corresponde ao dobro da altura da arvore, no caso 50m, estando apenas a 12,50m da arvore, que acabou por cair sobre ele e outro trabalhador. Por sua vez a entidade empregadora não tinha no local do acidente qualquer técnico de segurança, não efetuou qualquer plano de acção e de tarefas, não deu formação, nem informação aos trabalhadores. Deve, assim, a seguradora ser absolvida. A considerar-se contrário deve apenas responder subsidiariamente, dado que a empregador violou regras de segurança. As indenizações por IT´s estão duplicadas quanto ao subsídio de férias e de natal.

CONTESTAÇÃO DA RÉ EMPREGADORA- aceita a ocorrência de um acidente de trabalho. Cumpriu todas as regras de segurança. O autor apenas tinha feito um corte de 5cm no tronco da árvore. O autor era trabalhador experiente, com 30 anos de actividade, conhecedor dos procedimentos que a ré transmite recorrentemente. No local encontrava-se um representante da ré a dirigir os trabalhos. Deve, assim, a ré ser absolvida do pedido.

No despacho saneador fixou-se a matéria assente e enunciou-se os temas de prova (al.s a) a d), os quais, em audiência de julgamento foram ampliadas em relação à seguinte factualidade: a alínea e) referente a despesas de deslocação do autor e, ainda, nos termos do artigo 72º/2 CPT, a alínea f) quanto à questão se " Ao momento em que ocorreu o participado acidente no local do mesmo fazia-se sentir rajadas de vento e se essas rajadas de vento já ocorriam ao início da actividade desse dia"; e a alínea g) quanto à questão se " O Autor ao suspender o procedimento de abate da arvore depois do corte nela efectuado, actuou de acordo com a sua experiência profissional na área em causa e confiando nessa mesma experiência".

Procedeu-se a julgamento e proferiu-se sentença.

DECISÃO RECORRIDA (DISPOSITIVO): as rés foram absolvidas do pedido: “Face ao exposto, tudo visto e ponderado, decide-se julgar totalmente improcedente, por não provada, a presente acção especial emergente de acidente de trabalho que F. R., move contra as aqui demandadas "C. & FILHOS, Lda.” e “X – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.” e, em consequência, absolvem-se as demandadas dos pedidos formulados pelo autor/sinistrado.

Custas a cargo do autor/sinistrado – art. 527º, nºs. 1 e 2 do CPC -, sem prejuízo da isenção e/ou benefício de apoio judiciário de que beneficie.

Fixa-se à causa o valor de €12.811,85 – art. 120º, nº. 1 e 2 do Cod. Proc. Trabalho.” RECURSO INTERPOSTO PELO AUTOR- CONCLUSÕES: “1ª) A presente impugnação (visando, também, a reapreciação da prova gravada) tem como fundamento a verificação na sentença recorrida - que, estribando-se no disposto no artº, 14º, nº1, alínea b) da LAT, absolveu as Rés - de (i) erro de julgamento e, bem assim, de (ii) deficiente enquadramento jurídico da correspondente factualidade; 2ª) As partes coincidiram nos respectivos articulados na alegação de que o Autor/sinistrado efectuou um só corte (parcial) na árvore que veio a cair e o atingiu (cfr. fls 170/183, 207/220 e 223/225), não tendo os temas da prova sido objecto de ampliação tendente a apurar se, para além desse corte, aquele fez outros na mesma árvore (por forma a que tal matéria pudesse/possa ser atendivelmente adquirida para o processo /cfr. arts 5º, nº1 do CPCivil e 72º, nº1 do CPT 3ª) Acresce que nenhuma das Rés alegou, designadamente nas respectivas contestações, que a ocorrência do acidente de trabalho em causa se ficou a dever exclusivamente a acção do Autor/sinistrado (cfr. fls 207/220 e 223/225); 4ª) Sabido sendo que, de acordo com as regras do ónus probatório, a alegação e comprovação de factualidade excludente (impeditiva) do direito indemnizatório invocado pelo Autor/sinistrado, com base em actuação culposa/negligência grosseira do próprio, competiria, “in casu”, às Rés (cfr. artº 342º, nº 2 do C.Civil); 5ª) E que o afastamento dos efeitos reparatórios de infortúnio laboral fundado em negligência grosseira do sinistrado exige/requer a alegação e cabal demonstração pelas entidades responsáveis (i) da correspondente acção/conduta e, bem assim, (ii) de que a mesma constituiu causa única e exclusiva do acidente (cfr. arts 14º, nº1, alínea b) da LAT); 6ª) O acervo fáctico dado como provado na sentença recorrida, do qual consta que o Autor/sinistrado fez um único corte (parcial) na árvore que caiu e o veio a atingir, concretamente na respectiva base (cfr. factos provados 16º e 17º), não legitima, desde logo em face do não apuramento seja do diâmetro da base da árvore, seja da profundidade/extensão do sobredito corte, nem a qualificação da conduta daquele como grosseiramente negligente, nem a conclusão de que o acidente que o vitimou se ficou a dever, única e exclusivamente, a tal conduta; 7ª) Paralelamente, a circunstância de se ter – e bem – assentado que “ao momento em que ocorreu o participado acidente se fazia sentir vento forte, o que não ocorria aquando do início da actividade desse dia” (cfr. facto provado 25º), por si só ou conjugado com os no corpo alegatório, parte II, transcritos excertos dos depoimentos das testemunhas (i) M. P., prestado na audiência de julgamento de 08/01/2020 e registados no ficheiro áudio 20200108102227, de 3:45 a 3:58, 21:21 a 21:56, 22:03 a 22:11, 22:44 a 22:48, 22:53 a 22:58, 23:01 a 23:20 e 26:38 a 26:42, (ii) P. B., prestado na mesma sessão de audiência de julgamento e registados no ficheiro áudio 20200108145635, de 00:03 a 00:32, 00:36 a 01:13, 4:15 a 4:34 e 4:36 a 4:49, (iii) V. B., prestado na mesma sessão de audiência de julgamento e registados no ficheiro áudio 20200108151249, de 6:15 a 6:27, 6:32 a 7:15...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT