Acórdão nº 8502/17.3T8VNF-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 24 de Setembro de 2020

Magistrado ResponsávelCONCEIÇÃO SAMPAIO
Data da Resolução24 de Setembro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

I – RELATÓRIO No presente incidente de qualificação da insolvência, que corre por apenso aos autos de insolvência com o n.º8502/17.3T8VNF, foi proferida decisão que qualificou a insolvência de "E. A. Construções, Unipessoal, Lda como culposa e declarou afetados por tal qualificação C. M. e A. F. que ficaram inibidos, respetivamente, por um período de 2 (dois) e 7 (sete) anos para o exercício do comércio, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de atividade económica, empresa pública ou cooperativa. Foram, ainda, condenados os afetados pela qualificação a indemnizar os credores da devedora declarada insolvente no montante dos créditos não satisfeitos, até às forças do respetivo património.

Inconformados com a sentença os afetados C. M. e A. F. interpuseram recurso.

A Recorrente C. M. finaliza as suas alegações com as seguintes conclusões: 1. O Tribunal recorrido fez uma leitura errónea da IES de 2018, não considerou o resultado líquido do período inscrito de +143.468,61€ (positivo), e não levou em linha de conta, caso não fossem lançados os valores de 347.659,00€ na rúbrica “outras imparidades” o resultado de exercício do período de + 491.127,61€ (positivo), e o capital próprio de - 292.249,82€ (negativo), e não de - 639.908,82€ (negativo).

  1. Assim, no ano de 2018 houve uma inversão do período anterior menos bom, este justificado por ser o início de actividade da sociedade insolvente, como foi considerado usual e normal, inclusive pelo próprio Tribunal recorrido, que assim afirmou.

  2. Os juízos conclusivos considerados pelo Tribunal recorrido em virtude da desconforme leitura, sobretudo, da IES de 2018, deverão ser considerados como não escritos ou constar dos factos não provados, ou devem ser alterados ou invertidos, no sentido de antes dar como provado que “no ano de 2018 a insolvente teve um resultado líquido do período de +143.468,61€ (positivo), pelo que a actividade da sociedade insolvente não se afigurava deficitária, nem em decadência desde a sua constituição, bem como não apresentou sistematicamente prejuízos reflectidos na contabilidade, bem como o eventual desfasamento contabilístico, num grande volume de negócios, não provocou, também ele, resultados de exercícios negativos “.

  3. Neste sentido, e em conformidade, impõe-se a alteração dos factos dados como provados constantes das als. e), f), e ww), em virtude dos valores inscritos na IES de 2018, imporem uma decisão diversa e oposta à considerada nas aludidas alíneas da matéria de facto provada.

  4. Assim, por não se encontrar demonstrado uma exploração deficitária pela devedora como, designadamente, resulta da IES de 2018, da conta corrente da devedora, dos pagamentos efectuados pela cliente da devedora, estes constantes da relação dos factos provados, e, ainda, por não haver factos demonstrados que da exploração da sociedade devedora tenha resultado um benefício para a sociedade anónima, sua cliente, não se encontra preenchido o facto índice constante da al. g) do n.º 2 do art.º 186.º do CIRE, que se encontra erroneamente interpretado e aplicado pelo Tribunal a quo.

  5. No que respeita ao factos dados como provados elencados nas alíneas o), p), q), r), ggg) da matéria de facto afiguram-se incorrectamente julgados, uma vez que das mencionadas declarações do Sr. Administrador de Insolvência, naquela concreta passagem que se indicou, conjugadas com as declarações de parte do gerente de facto e de direito à data da declaração da insolvência (requerido), na indicada concreta passagem da gravação, corroboradas com o depoimento do contabilista, J. S. e da financeira, C. G., estes prestados em audiência de julgamento de 30.09.2019, a devedora encontrava-se em condições de se apresentar à insolvência em finais do ano de 2017/inícios do ano de 2018, no momento em que sua maior cliente se apresentou ao SIREVE (em Dezembro de 2017) e ao PER (em Fevereiro de 2018), que motivou a não dedução de oposição à requerida insolvência da sociedade devedora, o que não deixa de consubstanciar uma apresentação oportuna à insolvência por parte da devedora.

  6. Dos montantes prestacionais de contribuições/cotizações eventualmente em dívida à Segurança Social e as datas dos eventuais vencimentos dessas prestações – Agosto (e não Julho), Setembro, Outubro, Novembro e Dezembro de 2017, e da data do vencimento da facturação (Outubro/Novembro de 2017) dos trabalhos realizados pelo credor sociedade M. C. - Carpintaria Civil, não se extrai a verificação da situação de insolvência no período considerado pelo Tribunal recorrido (Novembro de 2017), por não ter ainda decorrido o prazo dos 3 meses previsto no art.º 18.º n.º 3 do CIRE sobre o incumprimento generalizado de obrigações de algum dos tipos referidos na al. g) do n.º 1 do art.º 20.º, do CIRE, por haver o tal incumprimento generalizado em final do ano de 2017/início do ano de 2018, sendo esta a data para o início do referido prazo de 3 meses, pelo que não se encontra violada a obrigação de apresentação à insolvência por parte da sociedade devedora como considerado pelo Tribunal a quo que, ao assim não entender, laborou em erro de julgamento.

  7. A conjugação dos concretos meios probatórios indicados impunha que a decisão sobre aqueles factos constantes das referidas alíneas indicadas supra, que foram impugnados, fosse diversa da que se recorre, pelo que deverão os mesmos ser alterados no sentido proposto (não se incumpriu a obrigação de apresentar a representada à insolvência), ou dados como não provados, ao assim não atentar incorreu o Tribunal recorrido em erro de julgamento.

  8. Não se encontram preenchidos os factos constantes das alíneas g), do n.º 2, e al. a) do n.º 3, do CIRE, por conseguinte, a insolvência terá de ser qualificada como fortuita, por não reunidos os pressupostos legais para a qualificar como culposa, como foi determinado.

  9. Caso não se qualifique a insolvência como fortuita, o que, com o devido respeito, não se concede, cumpre referir que a douta sentença recorrida não se afigura cabalmente esclarecedora quanto à actuação da requerida, C. M., uma vez que da fundamentação de direito não se entende se a alegada conduta da requerida somente preenche o facto previsto na al. a) do n.º 3 do art.º 186.º do CIRE (o incumprimento da obrigação de requerer a insolvência da devedora), ou se a alegada conduta preenche, também, o facto previsto na al. g), do n.º 2, do art.º 186.º do CIRE, e, por isso, em virtude da alegada incompreensão, a sentença de que se recorre enferma de nulidade, nomeadamente, por os fundamentos se encontrarem em oposição com a decisão, por se afigurar ambígua e obscura, e, por isso, ininteligível, nos termos do art.º 615.º n.º 1, al. b), do CPC e do 208.º n.º 1 da CRP, o que se invoca para os devidos e legais efeitos.

  10. Verifica-se que, mesmo do contexto da douta sentença recorrida, não foram elencados factos nem foram demonstrados factos que preencham o facto previsto na al. g) do n.º 2 do art.º 186.º do CIRE, todavia, se assim não se entender, o que não se concede, sempre será forçoso concluir que, a considerar-se praticados e demonstrados esses factos, não resultou provado que os mesmos foram praticados pela requerida, C. M., o que conduz à não afectação da requerida pela alegada qualificação da insolvência como culposa.

  11. Como se alegou atrás, que se reitera, não se encontram reunidos os pressupostos para considerar que a actuação da requerida preencha a alínea a) do n.º 3 do art.º 186.º do CIRE, aliás, tal como consta da matéria de facto provada da douta sentença em crise, desde 6 de Abril de 2017 que a requerida não é gerente de facto da sociedade insolvente, por conseguinte, não foi a requerida que alegadamente infringiu a obrigação da não apresentação à insolvência (no prazo considerado pelo tribunal recorrido), pelo que não foi a requerida que praticou esse facto, nem ficou demonstrado, ainda, que foi por não ter praticado por omissão esse facto que tal foi causal ou determinante na criação da insolvência, pelo que além de ficar inviabilizada a qualificação da insolvência como culposa, a verdade é que não se afigura possível ser a mesma responsabilizada e, consequentemente, ser afectada, por essa eventual qualificação.

  12. Ademais, sem prescindir, o Tribunal recorrido considerou de “diminuta gravidade o comportamento da gerente …”, aqui requerida, C. M., pelo que o seu comportamento não se enquadra nem se compagina com a culpa grave e o nexo de causalidade exigidos no n.º 1 do art.º 186.º do CIRE para se considerar a insolvência como culposa.

  13. Estas características essenciais definidas no n.º 1 do art.º 186.º estão naturalmente presentes nas situações elencadas no n.º 2 do art.º 186.º, sendo pois, nessa medida, “legítimo que na dúvida sobre a dimensão normativa de alguns dos elementos necessários para o preenchimento dessas situações o intérprete possa recorrer ao contributo dos requisitos do n.º 1 para tomar a sua decisão - neste sentido, vide p.f. o citado Acórdão da Relação do Porto de 07.12.2016, relatado pelo Sr. Desembargador Aristides de Almeida.

  14. Não deixa de ser brutal a afectação da requerida, e os efeitos civis e patrimoniais fixados, sobretudo, os patrimoniais, que se afiguram desconformes e desproporcionais quer face a ausência da prática de factos por si que se enquadrem quer na al. g) do n.º 2 do art.º 186.º quer na al. a) do n.º 3 do art.º 186.º, quer face à alegada diminuta gravidade do seu comportamento, pelo que se afigura inaceitável a douta sentença impugnada, por desconforme com os factos provados, nomeadamente os constantes das als. x) a jj) e com a lei, pelo que que o Tribunal a quo incorreu em errada interpretação e aplicação dos n.ºs 1, 2, e 3, do art.º 186.º, do CIRE.

  15. Ora, da decisão relativa à matéria de facto constante da douta sentença o Tribunal recorrido naquelas referidas alíneas (que vão da x) a jj)) indica que desde 06 de Abril de 2017 a requerida, C. M...

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