Acórdão nº 305/13.0TBVVD.G1.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 17 de Setembro de 2020

Magistrado ResponsávelMARGARIDA ALMEIDA FERNANDES
Data da Resolução17 de Setembro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I – Relatório A. A.

e mulher, M. G.

, residentes no lugar de ..., freguesia de ..., Vila Verde, instauraram a presente processo comum contra A. L.

e mulher, A. G.

, residentes no Lugar do …, nº …, freguesia de …, Vila Verde, e M. P.

e mulher, A. B.

, residentes na Avenida de ..

, n.º …, freguesia de ...

, Vila Verde, pedindo: - a declaração de que são donos e legítimos possuidores do prédio denominado “Leira da ...

”, sito no lugar de ...

da freguesia de ...

, Vila Verde, descrito na C.R. Predial com o nº … e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o art. …; - a condenação dos réus a reconhecerem esse seu direito de propriedade; - a declaração da mudança de servidão que actualmente onera o seu prédio passando os réus a acederem aos seus prédios pelo caminho de servidão do Ribal, que onera os prédios de herdeiros de J. C. que, para tal já deram o devido consentimento, suportando os autores todos os custos inerentes.

Para tanto alegam, em síntese, que o seu prédio, descrito na C.R. Predial sob o nº ...

e inscrito na matriz sob o art.

...

encontra-se onerado com servidões de passagem a favor de dois prédios, um de cada um dos casais réus. Estes prédios dominantes não se mostram encravados tendo acesso pelo Caminho de Ribal que, depois de melhorado pelos autores há cerca de um ano, assegura aos réus melhores condições de utilização, sem restrições temporais, pelo que não mantêm os réus qualquer necessidade de aceder aos seus prédios através do prédio dos autores. Por outro lado, o caminho de servidão sobre o prédio dos autores, tal como definido ficou na sentença proferida e tem vindo a ser utilizado, tem o seu assento junto das extremas Norte e Nascente deste seu prédio, passando junto à porta e janelas da casa de habitação dos autores retirando-lhes privacidade e sossego. Os proprietários do prédio onde passa o Caminho R. deram o seu consentimento à constituição de nova servidão. Acresce que os réus utilizam há longos anos ambos os caminhos conforme lhes é mais conveniente.

*Os réus contestaram deduzindo excepção de caso julgado com o processo nº 346/97 da extinta 2ª secção do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Verde.

No mais, impugnam o alegado e referem que a mudança de servidão não é possível, desde logo, porque não está demonstrado a quem pertence o prédio no qual se integra o leito do Caminho de Ribal, e consequentemente, o respectivo consentimento. Por outro lado, a alteração proposta implica um percurso mais longo, com condições de acesso mais precárias e dificultadoras do trânsito de veículos.

*Foi apresentada réplica dizendo que tal autorização foi concedida pelos herdeiros de J. C. muito antes da realização das obras de melhoramento do Caminho R.. Referem os autores que os réus insistem na servidão que onera o prédio dos autores por capricho.

*Foi realizada audiência prévia, na qual foi feito convite ao aperfeiçoamento da p.i., o que os réus fizeram de imediato, foi fixado o objecto do litígio, foram enunciados os temas de prova e foram admitidos os requerimentos probatórios.

*Em 26/01/2016 foi proferida decisão que julgou verificada a excepção de caso julgado por via da decisão proferida no Proc. nº 346/97 que correu termos na 2ª secção da extinta comarca de Vila Verde e foram os réus absolvidos da instância.

Interposto recurso o Tribunal da Relação de Guimarães revogou esta decisão, por entender que a causa de pedir na aludida acção era distinta e determinou o prosseguimento dos autos.

*Foi realizada audiência de discussão e julgamento, após a qual foi proferida sentença, cuja parte decisória reproduzimos em parte: “Por tudo o exposto, julga-se a presente ação totalmente procedente, por provada, e em consequência:

  1. Declara-se que os autores, A. A. e mulher M. G. são donos e legítimos possuidores do prédio identificado em 1 dos factos provados, e condena-se os réus, A. L. e mulher A. G. e M. P. e mulher A. B., a reconhecerem esse seu direito de propriedade.

  2. Declara-se a mudança de servidão que atualmente onera o prédio dos autores, passando os réus a acederem aos seus prédios pelo caminho de servidão do Ribal, que onera os prédios de herdeiros de J. C. e que, para tal já deram o devido consentimento, suportando os autores todos os custos inerentes. (…)”*Não se conformando com esta sentença vieram os rés M. P. e A. B. dela interpor recurso de revista directamente para o S.T.J.

    ao abrigo do disposto no art. 678º do C.P.C. apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões: “1 – Interpuseram os Recorrentes o presente recurso, por entenderem que ao ser a presente acção julgada, como o foi, não houve acatamento da matéria de facto assente e não foi observado o preceituado nos textos legais, relativamente às questões adiante enunciadas e que são o objecto do recurso, a saber, o reconhecimento pelo tribunal da verificação dos requisitos legais para a pretendida mudança de servidão no concernente ao prédio dos Recorrentes.

    2 – A nosso ver, o documento junto aos autos pelos Recorridos, em 21 de Julho de 2015, que acompanhava o douto requerimento referência 20216532, não é idóneo para preencher o requisito legal da autorização para que a mudança de servidão se possa processar através de prédio de terceiros, como é o caso dos autos.

    3 - Ora, a passagem através de prédio de terceiro importa, quanto a nós, a constituição de uma nova servidão, diferentemente do que sucede quando se pretende tal mudança dentro do próprio prédio serviente.

    4 – O modo legalmente previsto para a constituição das servidões, previsto no artigo 1547º do CC é taxativo, não estando contemplada a sua constituição por “autorização”, o que remete sempre para uma situação precária e não constitutiva de direitos.

    5 – Aliás, a lei refere o consentimento do terceiro, que não poderá entender-se de outro modo, em nossa perspectiva, que não seja através de negócio jurídico adequado à constituição do respectivo direito de servidão.

    6 - Daí que, ainda que por documento particular autenticado, em alternativa à escritura pública, caberia aos Recorridos fazerem prova e quanto a nós não o fizeram, de que os proprietários do prédio para onde pretendiam mudar a servidão, tinham celebrado negócio jurídico idóneo, através do qual declaravam constituir uma nova servidão de passagem através do seu prédio, a favor do prédio dos Recorrentes.

    7 - O que tal documento encerra é, quanto a nós, uma mera autorização no sentido de que os Recorrentes passem a ser “beneficiários” do dito caminho.

    8 - Por outro lado, as servidões são constituídas a favor de prédios, não de pessoas, conforme dispõe o artigo 1543º do CC.

    9 - No dito documento, além de a sobredita “autorização” ser prestada a favor de determinadas pessoas, designadamente dos Recorrentes, estes são identificados como sendo proprietários de determinado prédio, como por acaso o são de vários outros, não existindo tão pouco, quanto a nós, qualquer menção, nem relação, dessa identificação com a possibilidade da constituição de qualquer servidão de passagem.

    10 – Refere-se ainda na douta decisão recorrida que, a falta de intervenção dos terceiros na constituição da nova servidão através do seu prédio, sempre poderia ser suprida pela intervenção dos mesmos nos autos, isto na sequência da expressa impugnação feita pelos Recorrentes na sua contestação.

    11 - Não se percebe bem que tipo de intervenção de terceiros poderia suprir o indispensável negócio jurídico, por força do qual aqueles terceiros acordariam na constituição de uma nova servidão através do seu prédio, para servir os interesses dos Recorridos.

    12 – Em todo o caso sempre seria aos Recorridos que incumbiria tomarem tal iniciativa, posto que era a estes que cumpria demonstrar a existência dos requisitos legais para o exercício do seu invocado direito.

    13 - A Meritíssima Julgadora “a quo” refere-se às “vantagens” que os Recorrentes terão com a mudança do trajecto o que, salvo o devido respeito, não conseguimos descortinar, quer em face de todo o invocado pelos Recorrentes nos autos, quer em face da matéria de facto considerada provada e das considerações tecidas pela Meritíssima Julgadora “a quo” a esse respeito na análise da matéria de facto.

    14 - O falado declive de 20% à entrada do prédio dos Recorridos, arma de arremesso fundamental dos Recorridos na sua argumentação, nunca foi motivo impeditivo do exercício do direito de servidão por parte dos Recorrentes e é um facto que estes utilizam tal caminho há décadas sem qualquer problema.

    15 - O facto dos Recorrentes terem de percorrer mais de meio quilómetro, não é um simples ‘incómodo’, legalmente irrelevante, antes constitui um prejuízo sério e grave para os mesmos Recorrentes, para o exercício do seu direito.

    16 - Efectivamente, o facto de pessoas, animais e veículos de tracção animal, como os usados pelos Recorrentes, terem de percorrer mais de meio quilómetro e, com o regresso, mais de um quilómetro, para acederem de sua casa ao seu prédio que beneficia do direito de servidão em causa e o caminho inverso, constitui um prejuízo sério e gravíssimo para os Recorrentes.

    17 – A afectação dos interesses do titular dos prédios dominantes resulta, além do mais, do maior percurso a trilhar, mais elevado encargo económico e dificuldade da utilização da servidão para onde se pretende a mudança.

    18 - De salientar ainda que a alegada desvantagem que a existência da servidão acarreta para os Recorridos, não pode deixar de lhes ser imputável, em face do tempo e do modo como construíram a sua casa de habitação, dado que está em causa um acesso de servidão já há muito constituído, tendo resultado provado que até a casa construída pelos Recorridos nesse seu prédio o foi em tempo muito posterior à servidão constituída e sempre utilizada pelos Recorrentes, o que conduz a que a existência dessa servidão torna-a impeditiva de qualquer mudança, como novo sítio criador de uma nova servidão pois o que já existe não pode ser criado e dar lugar...

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