Acórdão nº 3218/18.6T8VNF-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 17 de Setembro de 2020
Magistrado Responsável | ANA CRISTINA DUARTE |
Data da Resolução | 17 de Setembro de 2020 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO V. M., executada, nos autos de execução em que é exequente J. R., deduziu oposição por embargos invocando a inexistência de título executivo, por o contrato de compra e venda dado à execução não traduzir nem o reconhecimento ou confissão da dívida, nem a constituição da mesma, não tendo o exequente procedido à sua resolução e sempre constituindo o montante indemnizatório clausulado, uma verdadeira cláusula penal usurária que sempre teria que ser reduzida.
O exequente contestou, pugnando pela improcedência da oposição e peticionando a condenação da embargante como litigante de má-fé em multa e indemnização, nunca inferior a € 1500,00.
Teve lugar a audiência prévia e, frustrada a conciliação, foram as partes advertidas de que se iria conhecer de imediato do mérito da causa.
Ambas as partes alegaram por escrito, mantendo as suas posições e pronunciando-se a embargante sobre a peticionada litigância de má-fé.
Foi proferido saneador-sentença que julgou a oposição à execução improcedente, concluiu pela inexistência de má-fé e ordenou o prosseguimento da execução.
A embargante interpôs recurso, tendo finalizado a sua alegação com as seguintes Conclusões: - Por douta sentença proferida em Primeira Instância, foi julgada improcedente e não provada a oposição à execução por embargos que havia sido deduzida pela recorrente.
- Em tal oposição pugnava a recorrente pela inexistência de título executivo, e subsidiariamente, pela não exigibilidade da quantia exequenda, por excessiva onerosidade da cláusula penal estabelecida.
- Sucede que as razões então invocadas pela recorrente não foram acolhidas pelo Douto Tribunal recorrido, que motivou a interposição do presente recurso.
- De facto, não só não existe título executivo bastante, como de igual modo, razões existem para que se considere inexigível o valor exequendo.
- Assim, de acordo com o disposto no nº 4 do artº 10 do CPC, constituem acções executivas “(…)aquelas em que o credor requer as providências adequadas à realização coactiva de uma obrigação que lhe é devida. “ - Por seu turno, e conforme se dispõe o nº 5 do mesmo normativo “Toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva.” - Adianta também a alínea b) do nº 1 do artº 703º do CPC que podem servir de base à execução, entre outros, os documentos exarados ou autenticados, que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação.
- De acordo com os normativos citados, estabelece pois a lei requisitos formais e substanciais para que a um determinado título se confira força executiva, definindo qual o tipo de documento que poderá servir de base a uma execução.
- Assim, o título executivo pode ser definido, face à lei, como o documento que serve de base à execução de uma prestação, por incorporar em si a demonstração legalmente bastante do direito correspondente, nomeadamente, pela constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação.
- Sendo o título executivo condição indispensável para o exercício da acção executiva, não é o mesmo a sua causa de pedir, residindo esta na relação substantiva que está na base da sua emissão, ou seja, o direito plasmado no título.
- No caso sub judice, o documento particular autenticado que estribaria a execução é constituído por contrato de compra e venda ajustado entre recorrente e recorrido, cujo objecto consiste na transmissão de um direito real de propriedade sobre um identificado imóvel.
- Ora, de acordo com o disposto no artº 874º do Código Civil, a compra e venda consiste num contrato, por força do qual se transmite a propriedade de uma coisa mediante um preço.
- Assim, sendo a compra e venda um negócio consensual (de acordo aliás com o regime legal consagrado no artº 408º do Código Civil) bastará o seu ajuste para que se opere a transferência ou transmissão dos direitos reais, sendo que, nessa medida tem a mesma por efeitos essenciais imediatos a transmissão da propriedade da coisa ou da titularidade do direito, a obrigação de entregar a coisa, e a obrigação de pagar o preço.
- No caso em apreço, conforme decorre do douto requerimento executivo, não veio o recorrido “peticionar” o cumprimento da obrigação que decorria para a ora recorrente, mas veio sim peticionar um montante indemnizatório que pressupõe ele próprio a destruição do vínculo contratual estabelecido no contrato.
- Consequentemente, os montantes ou valores que se reclamam, e cuja cobrança coerciva se requereu, não correspondem às obrigações assumidas reciprocamente pelos respectivos outorgantes no âmbito e no cumprimento de compra e venda formalizada pelo título dado à execução, mas sim montantes que alegadamente seriam devidos por força, precisamente, da destruição do vínculo contratual.
- Ora, a “destruição” dos vínculos contratuais necessariamente há-de acarretar também a destruição do clausulado do próprio contrato de compra e venda que constitui o título que o recorrido deu à execução.
- Assim sendo, o título que suporta a presente execução, tendo em conta os “pedidos” formulados que pressupõe necessariamente a resolução do contrato, não se encontra contemplado no quadro normativo plasmado no artº 703º, nº 1, alínea b) do CPC, não possuindo pois a força executiva de acordo com os fins pretendidos pelo recorrido, já que, o montante exequendo não resulta de qualquer obrigação decorrente do contrato de compra e venda, mas precisamente da resolução do mesmo.
- Resulta do requerimento executivo que a exigência da quantia exequenda, ou seja, do dobro do preço pago, não se coaduna ou compadece com a manutenção do contrato de compra e venda, e, em concreto, não se compadece com a manutenção dos seus efeitos atrás descritos, antes pressupondo a destruição da relação contratual.
- De facto, o contrato de compra e venda é um contrato consensual, bastando o seu ajuste para que o direito real de propriedade se transmita.
- Consequentemente, enquanto não extinto, o contrato prevalece, tal como prevalecem os seus efeitos, e, concretamente, tal como prevalece, e se mantém, o direito de propriedade na titularidade do recorrido.
- Se assim é, e sendo certo que a quantia exequenda mais não é do que o dobro do preço prestado, parece não ser consentâneo com a lógica jurídica, que o recorrido mantenha a titularidade do direito de propriedade, e ao mesmo tempo seja credor das importância reclamadas.
- A reclamação de tais quantias, pelo contrário, deverá ser feita no quadro da “destruição” do contrato e compra e venda, pelos modos previstos na lei civil.
- Assim, e em concreto, não tendo a recorrente alegadamente incumprido com a obrigação de expurgação dos ónus incidentes sobre o prédio, competirá ao recorrido o direito de, ou reparar a expurgação coerciva de tais ónus, ou, em alternativa, o direito de resolver o contrato de compra e venda, por incumprimento definitivo da recorrente.
- Tal resolução contratual, porque respeitante a contrato relacionado com a transmissão de direitos reais, teria sempre de ser peticionada através da...
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