Acórdão nº 1883/19.6T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 17 de Setembro de 2020

Magistrado ResponsávelEVA ALMEIDA
Data da Resolução17 de Setembro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I – RELATÓRIO Herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de L. C., em que é cabeça de casal a viúva A. C., instaurou contra X – Terraplanagens, Unipessoal Lda. acção declarativa com processo comum, pedindo que esta seja condenada a pagar à autora a quantia global de €5.075,00, a título de indemnização pelos danos sofridos, sendo €3075 para a reparação do muro (art.º 21º da P.I.) e €2000 pela desvalorização do respectivo prédio (28º da P.I.), sem prejuízo de a mesma vir a ser fixada em montante superior nos termos do disposto no art.º 569º do Código Civil, acrescida dos legais juros de mora vincendos a contar da data da citação até integral e efectivo pagamento; Para o efeito alega, que é proprietária de um prédio que sofreu danos causados pela ré, quando esta executava trabalhos de terraplanagem num prédio contíguo ao da autora. A reparação de tais danos orça em € 3.075,00, incluído IVA à taxa em vigor. Mais alega, que a qualidade e o conforto do prédio foram afectados pelos danos no muro, sofrendo o imóvel uma desvalorização não inferior a € 2.000,00. Alega ainda, que a ré reconheceu a sua obrigação de reparar o muro, comprometeu-se em Junho de 2018 a efectuá-la rapidamente, mas não o fez até Fevereiro de 2019, tendo então sido interpelada pela autora para a efectuar até ao dia 20 desse mês. Também não o fez.

*Citada, a ré admitiu a sua responsabilidade mas pugnou pela observância do princípio da reposição natural e que, uma vez reparados os danos no prédio, este não ficará desvalorizado.

*Foi convocada uma tentativa de conciliação que se frustrou.

*Na audiência preliminar o tribunal entendeu estar em condições de, “sem necessidade de mais produção de prova, conhecer do mérito da causa, que passa por aferir da procedência do pedido de condenação no pagamento de indemnização à autora”, e proferiu saneador sentença em que decidiu: – «Face ao exposto, julga-se improcedente a ação proposta por Herança de L. C. e, por via disso, decide-se absolver de todo o peticionado a Ré, X – Terraplanagens Lda.------------------------------------------------ – Mais se decide condenar a Autora no pagamento das custas devidas pela presente ação, atento e na proporção do seu decaimento (sem prejuízo de isenção ou dispensa de que possa beneficiar».

*Inconformada, a autora interpôs o presente recurso, que instruiu com as pertinentes alegações, em que formula as seguintes conclusões: «1ª - A recorrente entende que o tribunal a quo fez uma errada interpretação do estipulado nos artigos 591º, d) e 595º, 1 do CPC, proferindo sentença, sem realizar audiência de julgamento.

  1. - No caso, não havia possibilidade legal de decidir a ação logo no saneador como foi feito, pois o processo não dispunha ainda de todos os elementos necessários a uma decisão conscienciosa – devendo os autos prosseguir os seus trâmites com a identificação do objeto do litigio e a enunciação dos temas de prova (artigo 596º, 1 do CPC), que possibilite às partes ainda discutirem e intentarem provar em julgamento factos não assentes e de interesse para o desfecho da ação.

  2. – É certo que o artigo 595.º, n.º 1, do C.P.C., tenta evitar o arrastamento de ações que logo nesta fase contenham já todos os elementos necessários à sua boa decisão, mas também se não coaduna com decisões que, em nome de pretensas celeridades – que, depois, dão em vagares –, não permita às partes a discussão e prova, em sede de audiência, da factualidade que alegam e que poderá conduzir a soluções jurídicas muito mais abrangentes, ainda não possíveis na fase do saneador ou, pelo menos, a um desfecho diverso daquele que ao juiz do processo pareça ser o correto nessa altura, apresentando-se a audiência de julgamento como o momento processual propício à clarificação da factualidade invocada.

  3. - Aliás, na dúvida, deve o processo prosseguir os seus normais termos, com a identificação do objeto do litígio e a enunciação dos temas de prova (anteriormente organização de uma base instrutória e a passagem à instrução e produção das provas), apresentando-se excecional o conhecimento antecipado de mérito e normal o seu prosseguimento para a fase de julgamento.

  4. - Salvo melhor opinião, a M.ª Juíza do processo foi ousada ao ter enveredado imediatamente pelo conhecimento do mérito da causa, quando havia ainda uma acesa discussão entre as partes sobre a factualidade que subjazia às pretensões das partes.

  5. - Desde logo, alegando a Autora no artigo 16º da PI que a Ré, por declaração escrita de 19-06-2018, assumiu a responsabilidade no surgimento das fissuras e fendas no muro desta e a responsabilidade pela sua reparação, pediu desculpa e comprometeu-se a resolver o problema o mais rápido possível; mais tendo alegado nos artigos 17º e 18 da PI, suportada pelo doc. 7, que, apesar dessa assunção de responsabilidade, a Ré nada fez, tendo que lhe enviar uma carta, em 07-02-2019, por esta recebida em 08-02-2019, fixando-lhe o prazo limite de 20 de Fevereiro de 2019 para reparar o muro e que, ainda assim, o muro continua por reparar, o mais que tinha que se fazer era propiciar à parte a possibilidade de provar o que alega, identificando-se o objeto do litigio e a enunciação dos temas de prova, que levasse em conta as versões apresentadas desses factos.

  6. - E, no fim, produzidas as provas, partir então para a análise dos pressupostos de direito e dar razão a quem a tenha. De outro modo, ficará sempre a sensação de que se não fez tudo o que se poderia ter feito para alcançar a solução mais justa possível, naturalmente dentro da ação, com a verdade que lhe for trazida.

  7. - É que, no elenco dos factos dados como provados, a decisão recorrida omite completamente a matéria alegada pela Autora nos artigos 17º e 18º da PI, ou seja, dada a não reparação do muro pela Ré, apesar de a isso se ter obrigado por escrito em 19-06-2018, a Autora fixou-lhe prazo para o reparar pela notificação por carta de 07-02-2019, junta como doc. 7.

  8. - Pelo exposto, o tribunal a quo fez assim uma errada interpretação do estipulado nos artigos 591º, d) e 595º, 1 do CPC, pelo que, face ao que se deixa exposto, deve conceder-se provimento ao recurso e revogar a douta decisão recorrida, devendo a ação prosseguir os seus ulteriores termos.

    Sem prescindir: 10ª - Se assim se não entender, o que não se concede, mas apenas por hipótese de trabalho se acautela, sempre se invoca então que, considerando a matéria alegada pela Autora e pela Ré, o tribunal a quo errou no apuramento dos factos dados como provados, pois uns estão incompletos e outros omissos, impugnando a matéria de facto nos termos do artigo 640º, nº 1 do CPC.

  9. - Desde logo, quanto aos factos incompletos, o tribunal a quo limita-se a concluir no ponto 5 que “A Ré assumiu perante a Autora, por declaração escrita, a responsabilidade no surgimento das fissuras e fendas no muro desta e a responsabilidade pela sua reparação, quando devia ter dado como assente o teor do artigo 16º da PI, que é mais abrangente.

  10. - Quanto aos factos omissos, o tribunal a quo omite completamente os factos alegados nos artigos 17º e 18º da PI e o teor da carta de 07-02-2019, junta como doc. 7, remetida e recebida pela Ré no dia seguinte, como se alcança do registo postal e aviso de receção juntos à PI, sendo que tal documento também não foi impugnado pela Ré.

  11. - Pelo exposto, considerando os documentos 6 e 7 juntos à PI, deve ser alterada a matéria de facto dada pelo tribunal a quo nos seguintes pontos: 5 - “A Ré assumiu perante a Autora, por declaração escrita de 19 de Junho de 2018, a responsabilidade no surgimento das fissuras e fendas no muro desta e a responsabilidade pela sua reparação, pediu desculpa e comprometeu-se a resolver o problema o mais rápido possível.

    6 – Não tendo reparado o muro apesar da assunção de responsabilidade constante na declaração acima referenciada, a Autora enviou uma carta à Ré, em 07-02-2019, por esta recebida em 08-02-2019, fixando-lhe o prazo limite de 20 de Fevereiro de 2019 para reparar o muro. 7 – Até à presente data, o muro ainda não foi reparado pela Ré.

  12. - Deve pois manter-se a redação dos factos dados como provados nos pontos 1, 2, 3, 4; o 6 passará a 7; a matéria factual constante no ponto 5 deve ser alterada conforme supra alegado, devendo finalmente ser acrescentado o ponto 6, tudo conforme supra referido.

  13. – Assim, porque se entende que o tribunal a quo não teve em devida consideração os factos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, supra elencados, violou o disposto no nº 4 do artigo 607º do CPC.

    Ainda sem prescindir: 16ª - Conforme resulta da decisão recorrida, o tribunal a quo entendeu que a Autora peticionou o pagamento da indemnização em dinheiro em detrimento da reposição natural. A recorrente entende, porém, que face aos factos alegados pela Autora e confessados pela Ré, o tribunal a quo fez uma...

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