Acórdão nº 3489/08.6TBGMR-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 12 de Abril de 2011
Magistrado Responsável | ROSA TCHING |
Data da Resolução | 12 de Abril de 2011 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães *** SUMÁRIO: 1º- A indisponibilidade do gerente da sociedade para prestar colaboração à Administradora da Insolvência, decorrente da impossibilidade de ser contactado por esta, não pode deixar de corresponder a um incumprimento reiterado do seu dever de colaboração.
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- A violação reiterada do dever de colaboração previsto no artigo 83º, nº1, al. c) do CIRE determina a qualificação da insolvência como culposa nos termos do art. 186º, nº 2, alínea i) do mesmo diploma.
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- A normas dos artigos 186º, nº2 e 189º, nº2, al. c) do CIRE não violam o princípio da proporcionalidade consagrado no artigo 18º, nº2 da CRP, não enfermando, por isso, de inconstitucionalidade material.
*** Nos autos principais de insolvência foi proferida sentença em 03/10/2008, já transitada em julgado, declarando insolvente Jo... - Transportes, Lda., pessoa colectiva n.º 504..., com sede na Rua do B..., n.º ..., freguesia de Selho (S, Jorge), concelho de Guimarães e declarando aberto o incidente pleno de qualificação da insolvência.
Por apenso aos referidos autos, foi deduzido incidente de qualificação da insolvência.
Realizada a assembleia de apreciação do relatório, nenhum credor apresentou alegações.
Nos autos principais foi o processo de insolvência declarado encerrado por insuficiência da massa insolvente.
A Srª Administradora da Insolvência emitiu parecer no sentido da qualificação da insolvência como fortuita.
O Ministério Público, alegando que a insolvente não requereu a sua insolvência, não dispunha de contabilidade organizada, não depositou as contas na Conservatória do Registo Comercial e os seus gerentes não prestaram qualquer colaboração à Ex.ma Administradora da Insolvência, pronunciou-se no sentido de que a insolvência deve ser qualificada como culposa.
Citada a insolvente e os gerentes José..., Maria... e Joaquim..., apenas o primeiro apresentou contestação.
Alegou, em síntese, que a insolvente tinha contabilidade organizada, que ficou a aguardar o contacto da Administradora da Insolvência e que esta é que não o notificou para prestar qualquer colaboração e que a omissão de depósito das contas em nada contribuiu para a situação de insolvência.
Terminou, pedindo a qualificação da insolvência como fortuita.
Foi proferido despacho saneador, elaborada a lista de factos assentes e a base instrutória.
Realizou-se audiência de julgamento, tendo sido proferida decisão sobre a matéria de facto.
Foi, então, proferida decisão que, nos termos do disposto no art.º 189.º, n.º 1 do CIRE: a) qualificou a insolvência de Jo... - Transportes, Lda. como culposa; b) declarou José..., Maria... e Joaquim... afectados pela qualificação de insolvência como culposa; c) declarou José..., Maria... e Joaquim... inibidos para o exercício do comércio, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa, durante um período de 2 (dois) anos, contado da data do trânsito em julgado da presente sentença.
As custas ficaram a cargo da massa insolvente e dos requeridos, em partes iguais.
Não se conformando com esta decisão, dela apelou José..., terminando a sua alegação com as seguintes conclusões, que se transcrevem: “1ª - Na referida Sentença foi dado como provado que: “…não tendo sido possível contactá-los”. Matéria que constituía a segunda parte do artigo 1º da Base Instrutória e que encontra plasmada na alínea i) da matéria de facto dada como provada na Sentença, sendo que o Recorrente impugna tal matéria.
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- O Devedor não se colocou perante a Administradora de Insolvência numa situação de impossibilidade de cumprimento desse dever de colaboração, nem há factos concretos constantes do processo que permitam chegar a tal conclusão.
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- Poderia a notificação ou o contacto ser difícil, mas não impossível, como o não foi para o Tribunal, sendo certo que o próprio Administrador de Insolvência poderia – e deveria – ter lançado mão do instrumento previsto na alínea b) do nº1 do artigo 83º do C.P.C. e ter pedido a convocação judicial do Requerido. O que não sucedeu.
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- Apenas poderá ser dado como provado que “os gerentes da insolvente não prestaram qualquer colaboração à Exm.ª Administradora de Insolvência”, sendo que não poderá ser dado como provado que “não tendo sido possível contactá-los”.
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- Na verdade, não se encontram tão pouco alegados factos que consubstanciem qualquer impossibilidade - originária ou superveniente - de o Administrador promover o contacto com o Devedor.
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- Sendo a impossibilidade um conceito jurídico, teremos de vislumbrar quais os factos que motivaram a que o Tribunal “a quo” tivesse enquadrado na impossibilidade. Seja na Sentença, seja na resposta aos quesitos, não conseguimos vislumbrar qualquer facto concreto que possa motivar tal conclusão, ou seja, a impossibilidade de contacto. Esta é uma mera conclusão.
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- Da matéria de facto dada como provada, resulta na respectiva alínea i) o seguinte: “os gerentes da insolvente não prestaram qualquer colaboração à Exma. Administradora de Insolvência, não tendo sido possível contactá-los”. Sendo certo que, não resultou provado, como devia para preencher a presunção prevista na referida alínea, que os gerentes da insolvente se tivessem recusado a prestar qualquer colaboração ou informação à Administradora de Insolvência.
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- O que na referida alínea está disposto como presunção inilidível de uma insolvência culposa é o incumprimento “reiterado” da sua obrigação de colaboração com o Administrador nomeado. Não é, pois, um qualquer incumprimento do dever de colaboração que preenche a presunção em questão. Não: é exigido um incumprimento reiterado.
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- Por outro lado, para preencher o conceito de dever de colaboração temos de nos socorrer do disposto nas alíneas a) e c) do n.º1 do artigo 83 do CIRE. O referido dispositivo legal estabelece que “o devedor fica obrigado a fornecer todas as informações relevantes para o processo que lhe sejam solicitadas pelo administrador de insolvência”, assim como a “prestar a colaboração que lhe seja requerida pelo administrador de insolvência para o desempenho das suas funções”.
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- Como resulta do dispositivo legal, o devedor fica obrigado a: a) fornecer todas as informações que lhe sejam solicitadas pelo administrador; b) que a informação solicitada seja relevante. De igual forma, fica obrigado a: a) prestar a colaboração que lhe seja requerida; b) que a informação requerida seja solicitada para o desempenho das suas funções.
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- Da matéria de facto dada como provada não resulta que o Administrador tenha solicitado qualquer informação ou colaboração ao Devedor. De igual forma, não resulta provado qual a informação em questão, nomeadamente para aferir se a mesma era ou não relevante; assim como não resulta provado qual a informação alegadamente requerida, nomeadamente para aferir se a mesma era ou não compaginável com o desempenho das funções para as quais foi nomeado. Aliás, o ónus de alegação não se verificou.
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- Ao invés, aquilo que alegadamente está demonstrado é que o Administrador não conseguiu qualquer contacto com o Devedor, motivo pelo que não se pode concluir, pela matéria de facto dada como provada, que o disposto nas alíneas a) e c) do nº1...
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